Acórdão nº 12747/16.5T8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelANA PAULA BOULAROT
Data da Resolução07 de Setembro de 2020
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

PROC 12747/16.5T8LSB.L1.S1 6ª SECÇÃO ACORDAM, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I AUTOGLASS - VIDROS PARA VIATURAS, LDA. intentou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra VILARINHO E RICARDO - IMOBILIÁRIA E GESTÃO, SA, pedindo que esta fosse condenada a devolver- lhe o valor das rendas que esta lhe liquidou na vigência do contrato de arrendamento e a quantia que despendeu com o locado, no montante total de € 68.459,45, quantia essas acrescida dos juros moratórios vencidos à taxa legal desde 12.02.2016 no valor de € 876,13, bem como dos juros vincendos até integral pagamento.

Para tanto, alegou, em síntese, que: - A Autora e a Ré celebraram um contrato de arrendamento comercial relativo ao prédio sito na Ava ..., n° 000, em …; - No âmbito de tal contrato, a Autora assumiu a obrigação de fazer as obras de adaptação necessárias ou convenientes para que a loja ficasse em boas condições de conservação e apta para as finalidades acordadas; - As obras em causa não puderam ser realizadas, nem legalizadas, porquanto, ao tentar proceder ao respectivo licenciamento junto da Câmara Municipal de …, a Autora verificou que a licença de utilização que consta mencionada no contrato de arrendamento não corresponde ao prédio físico actualmente existente: foram feitas obras na estrutura do prédio sem que tenham sido legalizadas e a autora não poderia demolir as mesmas, uma vez que tal implicaria, praticamente, a construção de um novo prédio; - Ao proceder ao levantamento técnico da obra, a Autora verificou que a cobertura metálica do locado e a estrutura de betão armado exterior estavam mal edificados e deteriorados; - A Autora tentou entrar em contacto com a Ré, a fim de lhe transmitir a situação verificada, mas não o conseguiu, pelo que procedeu à resolução do contrato; - A Autora suportou a quantia de € 14.459,45 em despesas com o locado e a quantia de € 54.000,00 em rendas.

A Ré contestou, pugnado pela improcedência da acção e deduziu reconvenção.

Invocou para o efeito os seguintes fundamentos:  - A licença de utilização n° 200, mencionada no contrato de arrendamento, corresponde ao locado e nunca foram feitas obras que tivessem alterado a sua estrutura; - A resolução do contrato declarada pela Autora não tem fundamento legal, pelo que se manteve em vigor o referido contrato de arrendamento; - Por este motivo, a Autora está obrigada a pagar a renda convencionada durante 3 anos e 3 meses, ou seja, durante o período correspondente a um terço do prazo de duração inicial do contrato; - Mesmo beneficiando do perdão da renda durante 6 meses, a Autora só pagou as rendas até ao mês de Fevereiro de 2016, estando obrigada a pagar à Ré o montante das rendas compreendidas entre os meses de Março de 2016 e Fevereiro de 2018, no montante total de € 138.000,00; - A Autora estava igualmente obrigada a realizar as obras estabelecidas contratualmente, obras essas cujo valor estimado pelas partes era entre 300.000,00 e 400.000,00; - Nos termos convencionados no contrato, as benfeitorias feitas reverteriam para o prédio, sem direito a indemnização, pelo que a Autora está obrigada a pagar à Ré o valor das obras que estava obrigada a realizar e que vier a ser apurado em incidente de liquidação.

- Em sede reconvencional, a Ré pediu a condenação da Autora a pagar-lhe a quantia de € 138.000,00, acrescida de juros de mora, vencidos desde a notificação da contestação e vincendos até integral pagamento e ainda a quantia respeitante às obras no locado que a Autora se obrigou a efectuar e no montante que se vier a apurar em incidente de liquidação.

A Autora replicou, sustentando que não tem que pagar qualquer quantia à Ré e que a mesma voltou a arrendar o locado no mês de Maio de 2016, pelo que nunca lhe poderia exigir o pagamento de rendas para além deste mês, sob pena de enriquecimento sem causa e de actuação em abuso de direito.

A final foi proferida sentença, onde se concluiu: «Pelo exposto, este tribunal decide: 1- julgar a presente acção parcialmente procedente e, em consequência: a) condeno a R. a pagar à A. a quantia de € 54.000,00, quantia essa acrescida de juros moratórios vencidos desde 12 de Fevereiro de 2016, à taxa supletiva de juros moratórios aplicável relativamente a créditos de que sejam titulares empresas comerciais e vincendos até integral pagamento; b) condeno a R. a pagar à A. a quantia de € 14.459,45, acrescida de juros vencidos desde a data da citação e vincendos, à taxa supra referida e até integral pagamento; c) absolvo a R. do mais que era peticionado e 2- julgar a reconvenção improcedente e, em consequência, absolvo a A. do pedido reconvencional.

».

Inconformada com o assim decidido, a Ré/Reconvinte interpôs recurso de Apelação o qual concedeu provimento à Apelação, revogando a sentença recorrida e julgando a acção totalmente improcedente absolveu a Ré de todos os pedidos contra ela formulados pela Autora/Apelada e julgando a reconvenção parcialmente procedente, condenou a Autora/Reconvinda a pagar à Ré/Reconvinte a quantia de € 138.000,00 (cento e trinta e oito mil euros), acrescida de juros de mora, vencidos desde a notificação da contestação e vincendos até integral pagamento, absolvendo-a do demais peticionado.

Irresignada com este desfecho vem a Autora interpor recurso de Revista, o qual finaliza com o seguinte acervo conclusivo: - Perfilhou o Douto Acórdão ora recorrido o entendimento de que, muito embora o locado em causa possua vícios que, pela sua gravidade, impedem a realização do fim a que se destina, o facto da Recorrente não ter, alegadamente, cumprido com o disposto no artigo 1033º alínea d) do Código Civil é motivo para se considerar o contrato como corretamente cumprido.

- Conforme a Recorrente invocou na reclamação por si apresentada para submissão da decisão singular inicialmente proferida à conferência, os vícios do locado sempre foram do inteiro conhecimento da ora Recorrida, o que é comprovado pelo facto da sua defesa nunca residido no desconhecimento dos vícios existentes no prédio mas sim na alegada obrigatoriedade contratual por parte da Recorrente em proceder à sua reparação.

- Ao contrato de arrendamento em causa nesta lide não tem aplicabilidade o referido artigo 1033º al. d) do Código Civil, conforme bem entendeu, aliás, a Meritíssima Juiz de primeira instância.

- A Recorrida não estava legalmente legitimada a colocar o locado em causa no mercado do arrendamento urbano.

- O artigo 1070º nº 1 do Código Civil dispõe que “O arrendamento urbano só pode recair sobre locais cuja aptidão para o fim do contrato seja atestada pelas entidade competentes, designadamente através de licença de ocupação, quando exigível.” - O nº 2 respectivo remete para o preceituado no artigo 5º do D.L. nº 160/2006, o qual dispõe no seu número 1 que “Só podem ser objecto de arrendamento urbano os edifícios ou suas fracções cuja aptidão para o fim pretendido pelo contrato seja atestada pela licença de utilização”.

- Por sua vez, o nº 5 do mesmo artigo refere que: “A inobservância do disposto nos n.ºs 1 a 4 por causa imputável ao senhorio determina a sujeição do mesmo a uma coima não inferior a um ano de renda, observados os limites legais estabelecidos pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, salvo quando a falta de licença se fique a dever a atraso que não lhe seja imputável.” e o seu nº 7 que “Na situação prevista no n.º 5, o arrendatário pode resolver o contrato, com direito a indemnização nos termos gerais.” e no nº 8 que “O arrendamento para fim diverso do licenciado é nulo, sem prejuízo, sendo esse o caso, da aplicação da sanção prevista no n.º 5 e do direito do arrendatário à indemnização.”.

- Tem interesse para a integração dos supra referidos preceitos legais que: - O contrato de arrendamento comercial celebrado entre Autora e Ré melhor identificado nos pontos 1 e 2 da matéria provada refere, na sua cláusula primeira, de que o locado possui a licença de utilização nº 200 emitida pela Câmara Municipal de ... em 26 de Maio de 1966 e que se destina ao “exercício das actividades de armazenagem, venda, colocação, substituição de vidros e acessórios em automóveis, montagem de auto rádios e alarmes, parqueamento de automóveis e escritório da locatária.” Resulta ainda do mesmo contrato de arrendamento que a Autora “assume a obrigação de fazer as obras de adaptação necessárias ou convenientes para que a Loja arrendada fique em boas condições de conservação e apta para as finalidades acordadas”.

- No ponto 6 é referido que “Em data posterior à celebração do contrato referido em 1, a Câmara Municipal de ... declarou à A. que não consta dos arquivos da autarquia qualquer licença correspondente ao documento cuja cópia consta de fls. 67 v intitulada “Licença de Utilização nº 200”.

- No ponto 7 é referido que “Ao iniciar o projecto para efeitos de realização das obras aludidas em 1, a A. verificou que o locado possuía um pé direito livre de 2,34 m no piso 0 de 2,40m no primeiro piso.” - No ponto 8 é referido que “As obras das quais resultou que os pisos referidos em 6 ficassem com o pé-direito livre ali referido foram realizadas sem licença camarária e em data não concretamente apurada mas posterior a 1951” - No ponto 9 é referido que “A Divisão de Licenciamento Urbanístico da Câmara Municipal de ... declarou à A. que o pé-direito livre de todas as zonas de permanência que faziam parte do programa a realizar (recepção, centro técnico, cantina e salas de reunião) teria de ter no mínimo 3 metros”.

- No Ponto 10 é referido que: “Em virtude do que consta em 9, de modo a legalizar as obras a realizar no locado, teria que ser demolida a estrutura interior existente do imóvel.” - Pode a Recorrente facilmente concluir que o prédio em causa, para além de não estar licenciado, o seu interior era/é totalmente ilegal decorrente da realização de obras clandestinas, não tendo assim qualquer aptidão para o fim do contrato, inaptidão esta que é expressamente admitida pelo Acórdão ora recorrido e, foi...

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