Acórdão nº 2481/16.1T8CSC.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelANA PAULA BOULAROT
Data da Resolução10 de Dezembro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I AA, SA instaurou acção declarativa contra BB e CC pedindo a sua condenação no pagamento das quantias de € 9.528,75, a título de restituição de comparticipação publicitária, no âmbito do contrato identificado nos autos, acrescida dos juros moratórios vincendos, aplicando as taxas de juro legais e sucessivas fixadas para os créditos de que são titulares empresas comerciais, contados desde a citação dos réus até integral e efectivo pagamento e de € 37.930,00, a título de indemnização por café não consumido, no âmbito do contrato referido, acrescida dos juros moratórios vincendos, aplicando as taxas de juro legais e sucessivas fixadas para os créditos de que são titulares empresas comerciais, contados desde a data de citação dos réus até integral e efectivo pagamento; € 6.119,52, a título de indemnização referente ao valor do equipamento à data da resolução do contrato 2500, e juros moratórios vincendos, aplicando as taxas de juro legais e sucessivas fixadas para os créditos de que são titulares empresas comerciais, contados desde a data de citação dos réus até integral e efectivo pagamento; € 773,88 relativa a fornecimentos de produtos não pagos e juros moratórios vencidos, aplicando as taxas de juro legais e sucessivas fixadas para os créditos de que são titulares empresas comerciais, contados nos últimos cinco anos, de 08/09/2011 até 08/09/2016, as quais ascendem a € 292,97, sem prejuízo dos juros vincendos até efectivo e integral pagamento.

Alegou para o efeito e em síntese, que celebrou com os réus o contrato nº 2500, datado de 24/07/2007, de fornecimento de café, comparticipação publicitária, comodato e aquisição de equipamento, no âmbito da actividade comercial da Autora e da sociedade DD, LDA., doravante designada por Sociedade, e para o estabelecimento comercial desta denominado “EE”, pelo período de 60 meses, com início em 20/07/2007; A Sociedade obrigou-se a consumir, em exclusivo, no seu estabelecimento comercial, café da marca FF, Lote …, comercializado pela autora, nomeadamente, a adquirir 4200Kgs deste produto, num mínimo mensal de 70kgs; A Sociedade incumpriu a sua obrigação de adquirir um mínimo mensal de 70Kgs de café à autora, não tendo realizado o consumo de café acordado; Em 27/11/2009, a Sociedade tinha uma dívida vencida para com a autora no valor de € 773,88.

Em Outubro de 2009, a Sociedade realizou a última aquisição de café à autora e não mais retomou o seu consumo; Na vigência do contrato a Sociedade adquiriu à autora apenas 407kgs dos 4200kgs a que se havia obrigado; A duração do contrato foi de 39 meses – início, em 20/7/2007 e resolução, em 19/11/2010.

Os réus nada pagaram à autora, apesar de terem assinado o contrato nº 2500, na qualidade de fiadores e principais pagadores solidários à autora das obrigações contratuais assumidas pela sociedade.

Citados os Réus apenas o Réu BB deduziu contestação, por excepção e por impugnação. Em sede de defesa indirecta excepcionou a extinção da fiança, incumprimento do dever de informação, inexistência de interpelação e no mais impugnou o alegado pela Autora.

Na resposta às excepções a Autora concluiu pela sua improcedência.

Foi prolatado despacho saneador sentença que, julgando procedente a excepção arguida, julgou extinta a fiança e absolveu os réus do pedido, com fundamento no facto de que se o devedor for declarado insolvente e o credor não tiver reclamado o seu crédito no processo de insolvência/reclamação de créditos, não pode exigir do fiador a satisfação do seu crédito porquanto, este não poderá ficar sub-rogado nos direitos do credor.

Inconformada, a Autora veio recorrer de Apelação, tendo sido o recurso julgado procedente, pela inoperância da excepção de extinção da fiança, revogando o despacho saneador sentença, determinando-se o prosseguimento da acção, para conhecimento das demais questões colocadas.

Irresignado com este desfecho, o Réu interpôs recurso de Revista, apresentando as seguintes conclusões: - O despacho saneador sentença, revogado, conheceu apenas de uma das excepções/questões invocadas pelo Recorrente na contestação, nomeadamente, da excepção de extinção da fiança - art.° 653.° do Código Civil (CC) -, que constitui uma excepção peremptória, que importou, assim, a absolvição total do Réu do pedido, tendo ficado o conhecimento das demais questões prejudicado.

- Não se conformando, o Recorrente, com o decidido pelo Tribunal da Relação no Acórdão por si proferido, vem recorrer do mesmo, submetendo, assim, à apreciação e decisão do douto Tribunal ad quem, as seguintes questões: Ddos factos I) e m), erradamente, dados como provados; da errada interpretação/não aplicação do art.° 653.° do CC.

- No que respeita a matéria de facto, sucede que pelas instâncias foram dados como provados dois factos - o facto I) e o facto m) -que, nos autos, não apresentam qualquer sustentação ou suporte probatório, resultando apenas do alegado pela Autora na petição inicial por si apresentada, facto esse, note-se, que foi impugnado e até excepcionado pelo Recorrente na contestação por si apresentada.

- Foram, entre outros, dados como provados os seguintes factos: I) A Autora enviou à Sociedade e aos Réus carta registada com aviso de recepção, datada de 19/07/2010, cujo teor de fls. 9 vs. se dá como reproduzido.

  1. Através da carta registada com aviso de recepção datada de 12/11/2010 a enviada à Sociedade e datada de 11/11/2010 a enviada aos Réus, todas remetidas a 16/11/2010 a autora declarou proceder à resolução do contrato n.° 2500 e reclamou o pagamento dos valores decorrentes dos n°s 2 e 3 da cláusula 4 e n° 6 da cláusula 5a, do contrato referido.

    - Da leitura do facto I) e do facto m), resulta, aparentemente, que ao Réu, ora Recorrente, foram remetidas cartas, registadas com aviso de recepção, uma datada de 19/07/2010 e outra datada de 11/11/2010.

    - No entanto, tais factos/conclusões não correspondem à verdade, nunca tendo o ora Recorrente recebido tais cartas - como se deixa claro, aliás, na contestação apresentada, em que se invoca, precisamente, a falta de interpelação.

    - A reforçar tal circunstância, note-se que não existe nenhum elemento no processo que permita concluir pela prova de tais factos. Não existe, nos presentes autos, qualquer registo ou aviso de recepção, nem sequer carta, dirigidos ao ora Recorrente - uma vez que não existiram.

    - Os registos, avisos de recepção e cartas juntos pela Autora, ora Recorrida, com a petição inicial por si apresentada, referem-se e comprovam apenas o envio das mesmas à sociedade DD, Lda. e ao Réu CC, que não apresentou contestação nos presentes autos - não tendo sido enviada nenhuma carta ao ora Recorrente.

    - Assim, não é admissível que sejam dados como provados pelas instâncias factos que, na verdade, não ocorreram, e para os quais não existe e não foi junta aos autos qualquer sustentação probatória - razão pela qual se insurge, quanto a isto, o ora Recorrente.

    - Efectivamente, os elementos probatórios reunidos nos autos -apenas prova documental, uma vez que não tendo havido lugar ao julgamento, não houve produção de prova testemunhal - não permitem, de modo algum, que se possa considerar provado o envio pela Autora das cartas referidas (uma datada de 10/07/2010 e outra de 11/11/2010) ao ora Recorrente - que nunca as recebeu e das quais não teve conhecimento.

    - A prova de tais factos - o envio das cartas ao ora Recorrente -incumbia à Autora, ora Recorrida, que tinha que demonstrar o alegado envio - conforme resulta do n.° 1 e n.° 3 do art.° 342.° do CC - e que não o fez.

    - Assim, e não existindo nenhum elemento nos autos de que se possa retirar tais factos e dá-los como provados, não deveriam os factos I) e m), na parte em que se referem ao ora Recorrente, ser dados como provados - para os efeitos do disposto no art.° 640.° e no art.° 674.°, n.° 3 do CPC.

    - Está-se, assim, perante a violação do art.° 341.° e art.° 342.°, n.° 1 e 3 do CC, bem como do art.° 414.° e art.° 607.°, n.° 4 e n.° 5 do CPC.

    - Assim, entende-se existir, nos termos e para os efeitos do art.° 674.°, n.° 3 do CPC, erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, nomeadamente, por preterição de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto - uma vez que, no presente caso, nenhuma prova existe a sustentar tais factos dados como provados, o que não se pode admitir.

    - Pelo exposto, devem os factos i) e e m) da lista de factos dados como provados ser alterados, eliminando-se a parte em que dão como assente o envio das cartas datadas de 19/07/2010 e de 11/11/2010 ao ora Recorrente, por se demonstrarem completamente desconformes com a prova produzida nos autos, que a esse respeito nem existiu, o que, mui respeitosamente, se requer, de acordo com o disposto nos art.°s 640.° e 674.°, n.° 3 do CPC.

    - Quanto ao julgamento da referida excepção, de extinção da fiança, o Tribunal da Relação decidiu pela sua improcedência, considerando não ser aplicável o art.° 653.° do CC, concluindo o seguinte: «A extinção da fiança, ex vi art. 653 CC, pressupõe um facto voluntário (acção ou omissão) do credor afiançado que inviabilize a sub-rogação do fiador nos direitos que lhe assistem».- «/A insolvência do devedor originário em nada contende com a sub-rogação do crédito do credor primitivo traduzindo-se, tão só, numa eventual impossibilidade de cobrança do crédito sub-rogado».

    - Não podendo, o ora Recorrente, conformar-se com tal decisão, considerando existir, por parte do Tribunal da Relação, um erro manifesto na interpretação atribuída/extraída do art.° 653.° do CC e na sua (não) aplicação ao caso concreto, vem recorrer da mesma.

    - Da análise do Acórdão do Tribunal da Relação, resulta que o mesmo olvidou por completo a questão que aqui é fulcral e determinante e que foi, a nosso ver, bem apreciada pelo Tribunal de 1ª instância: a inexistência, por parte da credora, ora Recorrida, de reclamação de créditos no processo de insolvência da sociedade DD, Lda...

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