Acórdão nº 1808/03.0TBLLE.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Dezembro de 2019
Magistrado Responsável | GRAÇA AMARAL |
Data da Resolução | 10 de Dezembro de 2019 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na 6ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça, I – relatório 1. AA interpôs acção (29-07-2003) contra BB e CC, pedindo: a) ser declarado e reconhecido o direito de servidão a favor do seu prédio, direito constituído por usucapião, fundada em posse exercida por forma pacífica, ininterrupta, pública e de boa fé, por prazo muito superior a vinte anos, exercida por si próprio, quer pelos seus antecessores de quem adquiriu por herança; - condenação dos Réus: b) a desobstaculizar e restabelecer todo o leito do caminho, tal com era anteriormente à prática dos atos de esbulho, sendo retiradas todas as vedações obstaculizadoras e reconstruído o caminho escavado, numa extensão de 16 metros, por 5 de largura, tal como era anteriormente, obra que deverá ter em conta a necessária consolidação dessa reposição e que obriga à edificação de muros de suporte em betão, com enchimento convenientemente compactado, e vedação de segurança, uma vez que o Réu CC escavou o seu próprio terreno, por forma a evitar o precipício existente superior a dois metros caso não seja acautelada essa segurança de acesso ao terreno do Autor; c) a pagarem-lhe uma indemnização a título de danos materiais no montante de € 56.250 (…) e a título de danos morais em montante não inferior a € 25.000 (…).
Alegou essencialmente: - ser dono e legítimo possuidor de um prédio rústico cuja propriedade se encontra inscrita no registo predial a seu favor; - serem os Réus donos de dois prédios nos quais existe um caminho junto à estrema poente do prédio sua propriedade que permite o acesso aos prédios situados a norte de ambos até ao caminho público; - encontrar-se este caminho demarcado e balizado com traços visíveis, tendo vindo a ser utilizado pelo Autor e anteriores proprietários possuidores há mais de 25 anos, à vista de toda a gente, de forma pacífica, sem oposição de ninguém e na convicção de o poderem fazer; - ter o Réu BB, no início do ano 2000, vedado a sua propriedade e o Réu CC, nessa sequência, escavado toda a extensão do caminho, com 16 metros de comprimento e 5 de largura, que era partilha poente do Autor, integrando-o no seu prédio; - terem-lhe os Réus inviabilizado o acesso ao referido caminho e ao seu prédio, impedindo-o de efectuar as obras de construção de moradia destinada à habitação do seu filho (obras autorizadas pela Câmara Municipal de ..... através da emissão do respectivo alvará); - terem-lhe os Réus causado desgosto com tal conduta e provocado um agravamento do custo de construção da moradia (na ordem dos 100%).
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O réu CC contestou excepcionando a sua ilegitimidade (por estar em juízo desacompanhado da sua mulher). Impugnou a matéria alegada pelo Autor negando a existência de qualquer caminho a nascente (por o seu prédio confrontar com o prédio do autor na estrema nascente e não com caminho), bem como a utilização da sua propriedade para passagem do Autor, referindo que apenas há 10 anos, a título de favor, ter autorizado que o mesmo ali passasse com camiões para carregar areia.
Alegou ainda que o licenciamento para construção da moradia data de 1988 e o Autor só requereu a emissão do alvará em 1999, não tendo os Réus qualquer responsabilidade por o mesmo não ter construído a moradia uma vez que tal decorreu na sequência de providência cautelar que precedeu a acção, por aquele ter de atravessar imóveis de terceiros.
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O Réu \em contestação negou a existência do caminho invocado pelo Autor (apenas ter existido um carreiro que o Autor interrompeu, escavando-o para fazer extracção de areias para a construção civil).
Referiu, igualmente, ter-se limitado a vedar o terreno pelos marcos que nele existiam quando o adquiriu. Alegou ainda que o prédio do Autor tem outro acesso através do prédio situado a sul, cujo caminho a constituir teria uma extensão menor que o pretendido pelo Autor nesta acção.
Concluiu por fim que o pedido deduzido sempre se mostraria insuficiente para a finalidade visada com a acção uma vez que, por tal via, para chegar à via pública teria o caminho de atravessar um outro prédio - para além dos dois prédios dos aqui réus - cujo proprietário não foi chamado à demanda.
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O Autor replicou, pedindo o chamamento à demanda da mulher do réu CC, mantendo o posicionamento assumido na petição inicial, esclarecendo que o alvará apenas foi emitido em 1999, pelo que só a partir dessa altura foi possível colocar a questão da edificação da moradia.
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Foi admitido o incidente de intervenção principal de DD, mulher do réu CC(fls. 127-129).
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Em audiência preliminar o Autor foi convidado a concretizar a matéria de facto no que respeita ao caminho alegado (características, extensão e localização), ao seu prédio e respectivas confrontações (dado que na petição inicial o havia descrito através de remissão para certidões do registo predial e da matriz e destas resultam diferentes confrontações) e quanto às confrontações do prédio do réu BB (fls. 273-277).
Os Réus foram também convidados a concretizarem parte da matéria contida nas suas contestações.
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Em decorrência desse despacho o Autor apresentou novo articulado (fls. 299-309), esclarecendo essencialmente: - que as confrontações mais actuais do seu prédio são as constantes da certidão de teor matricial; - que as discrepâncias existentes entre esta certidão e as constantes da Conservatória de Registo Predial se devem à circunstância de estas serem antigas.
Esclareceu ainda que as confrontações do prédio do réu BB são as que se mostram assinaladas num levantamento topográfico que apresentou na CML e juntou aos autos (fls. 293/298).
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Por despacho de 01-10-2019 (fls. 317) o Autor foi convidado a suprir a ilegitimidade passiva fazendo intervir nos autos os proprietários de todos os prédios que possam a vir a ser onerados pela servidão que pretende ver constituída.
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Correspondendo ao convite do Tribunal, o Autor requereu a intervenção principal de EE, esclarecendo não pretender deduzir contra o mesmo nenhum pedido indemnizatório (fls. 318-323).
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Posteriormente o Autor veio desistir de tal pedido alegando que o prédio do Réu BB não confronta a norte com aquele, mas antes com o prédio dos herdeiros de FF (GG e outros), cuja intervenção provocada requereu (fls. 334-335, 356-362 e 370-373, e 398-405).
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Foi admitida a intervenção principal, ao lado dos Réus, de GG, HH, II, JJ, KK, LL e MM (herdeiros de FF).
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Foi proferido despacho saneador, seleccionada a matéria de facto assente e elaborada a base instrutória.
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Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, tendo o Autor requerido, nessa sede, a ampliação do pedido, que foi admitida.
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Foi realizada inspecção judicial ao local (fls. 518-520) e foi oficiosamente ordenada a realização de perícia, tendo sido junto aos autos o respectivo relatório pericial (fls. 855 e ss.).
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Foi proferida sentença (11-06-2016) que julgou a acção improcedente.
Na sentença foi fixado à causa o valor de € 15.000,00, valor que foi objecto de correcção (para € 213.250,00) por despacho de 03-02-2017.
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Inconformado o Autor interpôs recurso (impugnando também a matéria de facto fixada na sentença) para o Tribunal da Relação de Évora, que proferiu acórdão (24-05-2018) que julgou improcedente a apelação, confirmando a sentença.
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O Autor interpôs recurso de revista, concluindo nas suas alegações (transcrição): “I. Tendo a sentença apelada julgado a ação improcedente, por falta de prova da existência de um certo caminho de acesso ao prédio do Autor, da passagem do Autor por ele e de dúvidas sobre a configuração do prédio deste, e o Acórdão recorrido fundado a improcedência na inexistência atual de sinais visíveis da servidão de passagem, dispensando qualquer outra indagação, diverge essencialmente a fundamentação de uma e outra destas decisões, pelo que não se verifica a dupla conforme impeditiva do Recurso de Revista.
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Tendo o Recorrente junto com a Alegação da Apelação documentos, cuja junção alega ter-se tornado necessária em virtude do julgamento da 1ª instância e não tendo tais documentos sido rejeitados pelo tribunal da Relação, estava este obrigado a apreciá-los, nos termos do artº 651º do CPC.
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Tendo o Recorrente invocado perante a Relação, a prova plena da existência do caminho, por certidões de teor matricial e fotografias, juntas na 1ª instância e com a alegação da Apelação (nos termos referidos em II), não podia a Relação deixar de apreciar a bondade dessa alegação, seguindo as Conclusões a partir delas tiradas pelo Recorrente.
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Tendo ainda o Recorrente invocado perante a Relação, a prova plena resultante da não impugnação da exatidão das fotografias que juntou ao processo, nas quais claramente se vê o caminho de passagem para o seu prédio antes de, há 16 anos, este ter sido destruído pelos Réus, não podia a Relação, em face do artº 368º C.C., pôr em causa a sua existência à data em que o Recorrente invoca tê-las tirado, sem oposição da contraparte, constituindo-se assim mais um sinal visível da existência da servidão a essa data.
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Esta data é a relevante para a apreciação da existência da servidão, e não a data atual.
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Estava também a Relação vinculada a apreciar a prova relativa aos factos, dados como não provados na 1.ª Instância, respeitantes aos restantes requisitos da servidão.
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Não tendo a Relação feito estas apreciações no Acórdão recorrido, enferma este de nulidade, suscetível de influir - como influiu - na decisão do recurso e, por isso, verificável peio STJ, nos termos dos arts. 615º nº 1 al. d), (aplicável ex vi do artº 666º) e artº 674º nº 3, 2ª parte todos do CPC.
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As certidões matriciais constituem levantamentos cadastrais feitos por funcionários da Autoridade Tributária no exercício das suas funções, pelo que fazem, nos termos do arts. 368º, 370º e 371º do CC, prova plena das descrições deles constantes, até prova em contrário.
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Valor semelhante, têm as plantas de localização fornecidas pelos municípios, os extratos da carta geodésica emitidos pela Direção Regional da Agricultura e as certidões semelhantes...
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