Acórdão nº 1320/17.0T8CBR.C1-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Novembro de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA CLARA SOTTOMAYOR
Data da Resolução26 de Novembro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I - Relatório 1. AA, Lda, ré e recorrente, identificada nos autos à margem referenciados, interpôs recurso de revista do acórdão da Relação de Coimbra, que julgou improcedente o recurso de apelação e manteve a decisão recorrida, ainda que com um fundamento distinto. Mais afirmou que o recurso de revista seria de admitir como revista excecional, ao abrigo do artigo 672.º, n.º1, al. c), do CPC, por o acórdão de que pretende recorrer estar em oposição com outro, no domínio da mesma legislação e que decidiu, de forma divergente, a mesma questão de direito, tendo para o efeito juntado acórdãos fundamento, proferidos pelos tribunais superiores.

O Tribunal da Relação de Coimbra, classificando o caso como de dupla conformidade absoluta, não admitiu o recurso de revista excecional, por entender que se encontrava não verificado o requisito do valor da ação.

  1. AA, Lda, tendo sido notificada do despacho de não admissão do recurso de Revista Excecional para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), veio dele reclamar, nos termos e para os efeitos do artigo 643.º do Código de Processo Civil (CPC), na medida em que se lhe afigura errónea a interpretação havida no que concerne à verificação dos pressupostos gerais de recorribilidade, designadamente à verificação do valor de ação para o efeito de apreciação de admissão de revista excecional.

    Por decisão singular, datada de 2 de outubro de 2019, a Relatora indeferiu a reclamação e confirmou a decisão reclamada, com a seguinte fundamentação: «A presente ação foi instaurada em 2017 e o acórdão recorrido data de 20 de fevereiro de 2019, já após a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho.

    Assim, o regime recursório aplicável aos presentes autos, no que respeita à interposição e alegação do recurso de revista, atenta a data em que foi proferido o acórdão recorrido, é já o do novo Código de Processo Civil, por força do princípio da aplicação imediata da lei processual.

    A reclamante interpôs recurso de revista, ao abrigo do artigo 671.º, n.ºs 1 e 3, do CPC, entendendo que não estão verificados os requisitos de dupla conformidade, por ter sido essencialmente diferente a fundamentação da sentença de 1.ª instância e do acórdão do Tribunal da Relação.

    Subsidiariamente, interpõe revista excecional, por o acórdão de que pretende recorrer estar em oposição com outro, proferido por alguma das relações, ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigos 686.º e 687.º do CPC, jurisprudência com ele conforme.

    O Tribunal da Relação entendeu que se verificava uma situação de dupla conformidade absoluta, pelo que não haveria fundamento para recurso do acórdão recorrido.

    Porém, uma vez que a recorrente invoca também o recurso de revista excecional, o Tribunal da Relação, ao verificar os pressupostos gerais de recorribilidade, entendeu que, tendo presente que o valor da ação, de montante equivalente ao valor do pedido – 16.510, 37 euros, acrescidos de juros de mora – é inferior à alçada do tribunal da Relação (30.000 euros), o recurso não é admissível.

    A reclamante discorda da decisão, invocando a norma do artigo 629.º, n.º 2, do CPC, segundo a qual «Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso», indicando, designadamente, as alíneas c) e d) da citada norma do CPC.

    Contudo, não tem razão.

    Na verdade, existe já uma jurisprudência sedimentada, neste Supremo Tribunal de Justiça, que interpreta as normas do CPC relativas ao recurso de revista excecional, como condicionando sempre a admissibilidade desta espécie de recurso aos requisitos gerais de admissibilidade do recurso de revista, inclusive ao requisito do valor e da sucumbência, mesmo nos casos de oposição de julgados.

    Nestes termos, vide o Acórdão de 04-07-2017, Reclamação n.º 224/08.2TBESP.1.P2-B.S1 - 1.ª Secção, em cujo sumário se afirma que: «Só é admissível recurso de revista excepcional, caso se verifiquem os pressupostos gerais atinentes ao valor da causa e à sucumbência. II - Sendo o valor da causa (€ 28 481, 80) inferior à alçada do tribunal da Relação (€ 30 000), não é admissível recurso de revista, excepcional ou normal (art. 629.º, n.º 1, do CPC e o actual art. 44.º da LOSJ). III - A jurisprudência, designadamente a do TC, vem assumindo que, no nosso ordenamento jurídico, o direito de acesso aos tribunais, em matéria cível, não integra forçosamente um triplo ou, sequer, um duplo grau de jurisdição, apenas estando vedado ao legislador ordinário o estabelecimento do conteúdo do genérico direito ao recurso de actos jurisdicionais com uma redução intolerável ou arbitrária, arbitrariedade que não afecta, manifestamente, o disposto na norma do art. 629.º, n.º 1, do CPC».

    No mesmo sentido o acórdão deste Supremo Tribunal, de 20-12-2017 (2841/16.8T8LSB.L1.S1), conclui o seguinte: «III- A lei processual civil consagra, quanto à admissibilidade de recurso, um regime que o faz depender, cumulativamente, do valor da causa (alçada) e do valor da sucumbência (da perda, do decaimento relativamente ao(s) pedido(s) formulado(s)), relevando, no entanto, apenas aquele, em caso de fundada dúvida sobre este.

    IV – No presente caso a Reclamante/Recorrente invoca a contradição do Acórdão recorrido com outros Acórdãos proferidos pelos Tribunais da Relação do Porto, Coimbra e Guimarães (art. 629º, nº 2, alínea d), do CPC). Sucede que, para além da existência da contradição de Acórdãos no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, o art. 629º, n.º 2, al. d), exige também que do Acórdão recorrido “… não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal…”. Nessa medida, a previsão do art. 629º, n.º 2, al. d), do CPC, não é aplicável ao caso sub judice, uma vez que o Acórdão recorrido não é passível de recurso ordinário justamente por causa da alçada do Tribunal e não por qualquer outro motivo legal estranho àquele requisito.

    V – O recurso de revista excepcional não constitui uma modalidade extraordinária de recurso, mas antes um recurso ordinário de revista, criado pelo legislador, na reforma operada ao Código de Processo Civil, com vista a permitir o recurso nos casos em que o mesmo não seja admissível em face da dupla conformidade de julgados, nos termos do art. 671º, nº 3, do CPC, e desde que se verifique um dos requisitos consagrados no art. 672º, nº 1, do mesmo Código. Por conseguinte, a sua admissibilidade está igualmente dependente da verificação das condições gerais de admissão do recurso de revista, como sejam o valor da causa e o da sucumbência, exigidas nos termos enunciados pelo nº 1, do art. 629º, do CPC.» No mesmo sentido, veja-se, também, entre outros, o acórdão de 17-11-2015 (proc. n.º 3709/12.2YYPRT.P1.S1), onde se entendeu estar a admissibilidade do recurso de revista excecional baseado em oposição de acórdãos relativamente à mesma questão de direito ou em violação de jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal dependente do critério do valor da ação.

    Esta interpretação normativa está em conformidade com a Constituição, pois o artigo 20.º da CRP não impõe um segundo grau de recurso e admite, por razões de racionalidade, a estipulação pelo legislador ordinário de critérios de admissibilidade do recurso que tenham em conta o valor da ação.

    Também não é violado o princípio da igualdade, ínsito no artigo 13.º da CRP. As alçadas, bem como todos os mecanismos de 'filtragem' de recursos, originam desigualdades (partes há que podem recorrer e outras não), mas estas não se configuram como discriminatórias, já que todas as ações contidas no espaço de determinada alçada são, em matéria de recurso, tratadas da mesma forma. O legislador dispõe de margem de determinação para fazer prevalecer, em matéria de recurso para o Supremo, a racionalização do sistema judiciário, de forma a evitar que toda e qualquer questão possa ser submetida a um terceiro grau de jurisdição.

    A existência de limitações de recorribilidade, designadamente através do estabelecimento de alçadas (de limites de valor até ao qual um determinado tribunal decide sem recurso), funciona como mecanismo de racionalização do sistema judiciário, permitindo que o acesso à justiça não seja, na prática, posto em causa pelo colapso do sistema, decorrente da chegada de todas (ou da esmagadora maioria) das ações aos diversos 'patamares' de recurso.

    A interpretação adotada pelo Tribunal da Relação não fere assim qualquer preceito nem princípio constitucional».

  2. Inconformada a reclamante, AA, Lda, veio, nos termos do artigo 652.º, n.º 3, do CPC, apresentar reclamação para a conferência, formulando alegações, que aqui se consideram integralmente reproduzidas, nas quais conclui que: «Não se compreende assim a não admissão do recurso interposto com sustento em não verificação do requisito do valor, que se afigura manifestamente ilegal, violando os princípios da legalidade, da igualdade, da realização da justiça, do acesso ao direito, e da certeza e segurança jurídica, plasmados na Constituição da República Portuguesa (CRP).

    Assim, e porque a lei directa e expressamente determina e prevê a derrogação do dito critério do valor, deve o recurso ser deferido/recebido e devidamente tramitado».

    Cumpre apreciar e decidir.

    II - Fundamentação 1.

    A reclamante...

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