Acórdão nº 3327/10.0TBSTS-J.P1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Novembro de 2019

Magistrado ResponsávelANA PAULA BOULAROT
Data da Resolução27 de Novembro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I J,V, e, GESTÃO IMOBILIÁRIA, SA instauraram contra MASSA INSOLVENTE DE J C, por apenso aos autos de insolvência, acção de impugnação da resolução a favor da massa, nos termos do artigo 125º do CIRE, alegando para o efeito e em síntese que: O primeiro Autor era dono e legítimo proprietário da fração autónoma identificada pela letra “B”, correspondente a habitação no segundo andar do edifício em propriedade horizontal, sito no lugar de X, descrito na Conservatória do Registo Predial de Y.

No início do ano de 2010, o primeiro Autor decidiu vender a fração autónoma supra melhor identificada, tendo a mesma sido adquirida por V, em 06 de Abril de 2010, pelo preço de € 70.041,63. A compra e venda foi feita com um ónus no valor de € 32.000,00 (trinta e dois mil euros), correspondente a uma hipoteca voluntária a favor da Caixa Geral de Depósitos.

Em 25 de Junho de 2010, o segundo Autor vendeu a fração autónoma supra identificada à sociedade “Gestão Imobiliária, S.A.” (aqui terceira Autora), pelo preço de € 70.041,63 (setenta mil e quarenta em um euros e sessenta e três cêntimos). As partes convencionaram que a compra e venda foi feita com um ónus no valor de € 9.563,91 (nove mil quinhentos e sessenta e três euros e noventa e um cêntimos), correspondente a uma hipoteca voluntária a favor da Caixa Geral de Depósitos.

Fruto da conjuntura de crise económica, o Primeiro Autor foi obrigado a requerer a sua insolvência. Nesse sentido, em 9 de Agosto de 2010, foi proferida a sentença da declaração insolvência de J C e, posteriormente, foi ao mesmo concedida a exoneração do passivo restante. No âmbito do respetivo processo de insolvência, foi nomeado Administrador de Insolvência o Ex.mo Sr. Dr. R, tendo o mesmo sido substituído no decorrer do processo pela Ex.ma Sra. Dra. A.

Em 3 de Fevereiro de 2011, a Dra. A enviou a cada um dos aqui Autores e ainda ao administrador da sociedade comercial “Gestão Imobiliária, S.A.”, uma carta registada com aviso de receção, mediante a qual, nos termos do disposto nos artigos 120.º, n.ºs 1, 2, 3, 4 e 5 alínea b), 123.º, 124.º e 126.º do CIRE, declarava resolvido em benefício da massa insolvente o contrato de compra e venda, celebrado em 06 de Abril de 2010. Os Segundo Autor e Terceira Autora responderam à missiva da Dra. A e após a receção das aludidas cartas, a Dra. A não apresentou qualquer resposta, nem praticou nenhum ato judicial ou extrajudicial com o conhecimento destes, nos seis anos que se seguiram, concluindo os autores que aceitou tacitamente a impugnação da resolução da compra e venda efetuada extrajudicialmente pelos aqui Autores, nos termos das cartas que pelos mesmos foram enviadas por email à Dra. A.

Em 13 de Março de 2017, o primeiro Autor foi surpreendido com uma missiva enviada pela Dra. A, na qual a Sra. Administradora de Insolvência informa o Sr. J para, no prazo de 30 dias, “proceder à entrega das chaves do imóvel livre de pessoas e bens pessoais, com exceção dos bens que compõem a verba n.º2 do auto de arrolamento e balanço que se junta em anexo, sob pena de a aqui signatária tomar posse efetiva do imóvel com recurso à força pública”.

O primeiro Autor respondeu à Sra. Administradora de Insolvência, pugnando pela nulidade e ineficácia da dita resolução, de tal modo que a Sra. Administradora de Insolvência tinha de se abster de tomar posse de um imóvel que não pertencia à massa insolvente.

Referindo-se ainda à impugnação pauliana que corre termos no âmbito do processo n.º … Tribunal Judicial da …., cuja procedência obsta a qualquer ação da Sra. Administradora de Insolvência no sentido plasmado na missiva datada de 13 de Março de 2017, e cuja decisão prevalece sob qualquer resolução (nula). Mais alegaram que a carta de resolução enviada pela Dra. A, em 3 Fevereiro de 2011, não continha a fundamentação necessária e, por isso, não respeitava os critérios legais exigidos para o efeito pelo CIRE estando em tempo de ser instaurada a presente ação, por aplicação do regime previsto no artigo 285º CC.

Em 3 de Fevereiro de 2011, a Dra. A, administradora de insolvência, enviou a cada um dos aqui Autores e ainda ao administrador da sociedade comercial “Gestão Imobiliária, S.A.”, uma carta registada com aviso de receção, Na qual declarava resolvido em benefício da massa insolvente, nos termos do disposto nos artigos 120.º, n.ºs 1, 2, 3, 4 e 5 alínea b), 123.º, 124.º e 126.º do CIRE, o contrato de compra e venda celebrado em 6 de Abril de 2010.

A Dra. A não apresentou qualquer resposta à missiva dos aqui Autores, nem praticou nenhum ato judicial ou extrajudicial com o conhecimento destes nos seis anos que se seguiram, tendo, portanto, aceite tacitamente a impugnação da resolução da compra e venda efetuada extrajudicialmente pelos aqui Autores, nos termos das cartas que por eles foram enviadas.

Seis anos depois, em 13 de Março de 2017, e em manifesto abuso de direito, a Sra. Administradora de Insolvência enviou uma missiva ao aqui Primeiro Autor , na qual notificava o mesmo para “proceder à entrega das chaves do imóvel livre de pessoas e bens pessoais, com exceção dos bens que compõem a verba n.º2 do auto de arrolamento e balanço que se junta em anexo, sob pena de a aqui signatária tomar posse efetiva do imóvel com recurso à força pública”.

Entendem os autores que pelo facto da administradora da insolvência não ter praticado nenhum ato judicial ou extrajudicial com o conhecimento destes nos últimos seis anos, criando nos aqui Autores a expectativa de que a questão estava resolvida, agindo em abuso de direito quando enviou a carta de 13 de março de 2017.

Citada a massa insolvente, impugnou o valor atribuído à ação e contestou, defendendo-se por exceção e por impugnação.

Por exceção suscitou a caducidade do direito de ação, alegando para o efeito que a senhora administradora judicial, ao abrigo do artigo 123.º do CIRE, declarou resolvidos, por carta registada com aviso de receção, os contratos de compra e venda celebrados, no dia 06/04/2010, entre o J e V e compra e venda celebrada no dia 25/06/2010 entre V e Gestão Imobiliária, S.A., cujo objeto negocial era a fração autónoma identificada pela letra “B” que corresponde a uma habitação no 2.º andar, sita lugar X, descrito na conservatória do Registo Predial de Y.

Todos os Autores foram notificados e receberam a carta resolutiva.

A administradora judicial fundamentou a resolução condicional dos negócios nos termos dos artigos 120.º n.º 1, 2, 3, 4 e 5 alínea b), 124.º e 126.º, todos do CIRE. Os Autores não impugnaram a resolução em benefício da massa insolvente executada pela administradora judicial.

Em 19 de Fevereiro de 2014 foi emitida certidão judicial atestando que “não houve qualquer impugnação em benefício da massa insolvente, nos termos do artigo 125.º do CIRE”. Ora, nos termos do artigo 125.º do CIRE “ o direito de impugnar a resolução caduca no prazo de três meses, correndo a ação correspondente, proposta contra a massa insolvente, como dependência do processo de insolvência”.

Desde da data do conhecimento da resolução até a propositura da presente ação de impugnação da resolução em benefício da massa insolvente, decorreram mais de sete anos, operando a caducidade, extinguiu-se o direito.

Impugnou os factos alegados pelos autores e alegou, ainda, que considera a carta de resolução válida e eficaz, porque da mesma consta os fundamentos da resolução.

Foi produzida sentença a julgar procedente a exceção de caducidade do direito dos Autores, e, em consequência improcedente a acção, com a absolvição da demandada do pedido.

O Autor J veio interpor recurso da sentença, tendo a Apelação sido julgada improcedente Inconformado com este desfecho, veio aquele Autor, recorrer de Revista excepcional, a qual veio a ser admitida, por oposição de Acórdãos nos termos do artigo 672º, nº1, alínea c) do CPCivil, pela Formação a que alude o nº3 de tal preceito, a quem foi reenviado o processo para apreciação, uma vez não caber recurso de Revista Regra nos termos do artigo 14º, nº1 do CIRE, conforme despacho produzido nos autos pela aqui Relatora de fls 452 a 454.

Sustentou a sua posição no seguinte acervo conclusivo: - O presente recurso versa apenas sobre matéria de direito, incidindo sobre o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto no processo n.º …3327/10.0TBSTS-J, nomeadamente, na parte que o mesmo confirmou a decisão recorrida e, consequentemente, manteve a decisão que julgou procedente a exceção de caducidade do direito de impugnar a alegada resolução em benefício da massa insolvente.

- 0 Recorrente não se pode conformar com o acórdão recorrido, na parte em que o mesmo confirmou a sentença proferida pelo Tribunal de Primeira Instância e que, assim, manteve a decisão que julgou procedente a exceção de caducidade do direito de impugnar a resolução, por entender o mesmo que ainda não caducou o seu direito, uma vez que as cartas de resolução são nulas ao não preencherem os requisitos legais previstos no art. 120.º CIRE, e sendo nulas, não pode ficar precludido o direito de impugnação concedido pela lei à parte, pelo simples decurso de um prazo cujo início pressupõe a validade da resolução. Acresce que, o Recorrente entende que andou mal o Tribunal da Relação do Porto ao considerar não existir qualquer abuso de direito da Recorrida Massa Insolvente, pelo que, e nestes termos, se apresenta recurso de tal decisão, com as demais consequências legais.

- Tendo em consideração a factualidade dada por assente no acórdão recorrido, importa chamar aqui à colação alguns desses factos, por serem os mesmos pertinentes e essenciais à análise e aplicação do direito. Ora, assim sendo, e de acordo com a prova documental constante dos autos: -O Recorrente era dono e legítimo proprietário da fração autónoma identificada pela letra "B", correspondente a...

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