Acórdão nº 92/13.2TBPMS.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Novembro de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA DA GRAÇA TRIGO
Data da Resolução21 de Novembro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam em conferência no Supremo Tribunal de Justiça I. Apreciação da reclamação 1.

AA propôs a presente acção declarativa de demarcação contra BB, pedindo que este seja condenado a reconhecer “os limites que vierem a resultar da presente acção, bem como a aceitar a colocação ou cravação dos respectivos marcos”.

O R. contestou, por impugnação, deduzindo a final pedido reconvencional. Formulou ainda pedido de condenação do A. como litigante de má-fé.

A acção prosseguiu os seus trâmites e, para o que ora importa, a sentença de 1ª instância julgou parcialmente procedente quer o pedido da acção quer o pedido reconvencional; e julgou improcedente o pedido de condenação do A. como litigante de má-fé.

Inconformados, A. e R. interpuseram recursos para o Tribunal da Relação de Coimbra, ambos pedindo a alteração da decisão relativa à matéria de facto e a reapreciação da decisão de direito. O R. impugnou ainda a decisão de absolvição do A. do pedido de condenação como litigante de má-fé.

Por falecimento do R., a fls. 653 foram habilitados para ocupar o seu lugar, como herdeiros, o cônjuge CC e os filhos DD, EE, FF e GG. Por acórdão de fls. 702 a Relação apreciou a impugnação da matéria de facto apresentada pelos apelantes, mantendo a factualidade dada como provada pela 1ª instância. A final manteve integralmente, e sem voto de vencido, a decisão da 1ª instância.

Por requerimento de fls. 730v vieram os herdeiros habilitados arguir a nulidade do acórdão por preterição de litisconsórcio necessário, com a consequente verificação da excepção de ilegitimidade passiva, por não ter sido demandada CC que, à data da propositura da acção, era casada com o falecido R. em regime de comunhão geral de bens.

O A. respondeu, pugnando pela improcedência da excepção invocada pelos RR. habilitados e, subsidiariamente, requerendo a intervenção principal provocada de CC.

A fls. 749v os RR. habilitados interpuseram recurso de revista.

A fls. 785-785v o juiz desembargador, relator da Relação, proferiu as seguintes decisões: admissão do recurso de revista; tendo o recurso sido admitido, decisão de não conhecimento das nulidades nele invocadas; não admissão da requerida intervenção principal provocada por extemporaneidade, assim como por não verificação da situação prevista no art. 261º do CPC.

Não houve impugnação para a conferência.

  1. Formularam os RR. habilitados as seguintes conclusões: “1. O douto Acórdão em recurso enferma de nulidade, uma vez que, oficiosamente, não decidiu pela verificação do pressuposto do litisconsórcio necessário passivo legal – artºs. 33, 34 e 578 do C.P.C..

  2. Nem sequer pela verificação do pressuposto do litisconsórcio necessário passivo natural.

  3. Enferma de nulidade, porquanto não reapreciou as questões de facto e de direito que lhe foram colocadas, não reapreciando criticamente a matéria de facto de acordo com a aquisição processual, os documentos, a prova gravada e o direito probatório: artº. 662 e 615 do C.P.C..

  4. Enferma de nulidade por aceitação da decisão da 1ª instância, quando esta decide para além do pedido e com ofensa do princípio do ónus da prova e contradição entre os factos e o direito – artº. 342 do C.C. e 615 do C.P.C..

  5. Ofendendo, pois, as normas legais insertas nos artºs. 342, 349, 371 e 1354 do C.C. e 33, 34, 578, 607, 615 e 662 do C.P.C..” Terminam pedindo que: a) Seja julgada verificada a excepção de preterição do litisconsórcio necessário passivo legal, por não ter sido demandada a mulher do R., casada com este no regime de comunhão geral de bens, com as legais consequências; sem conceder, b) Seja revogado o acórdão recorrido, que confirmou a sentença de 1ª instância, ordenando-se a demarcação nos termos aí enunciados.

    O Recorrido contra-alegou, concluindo da seguinte forma: “

    1. O recurso de revista interposto pelos Réus não é admissível atento o disposto no nº 3 do artº 671º do CPC, uma vez que o douto acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra confirma, sem voto de vencido, a sentença proferida na 1ª instância, verificando-se assim uma “dupla conforme”.

    2. Por outro lado o recurso não tem por objecto a matéria referida no nº 2 do artº 672º do CPC, pelo que, nestas condições, não há recurso do douto acórdão proferido pela Relação de Coimbra.

    3. Não há preterição do litisconsórcio necessário passivo uma vez que, tratando-se de uma acção de delimitação, procura-se encontrar a configuração original dos prédios: não havendo como tal ganho ou perda relativamente ao que o prédio deveria se originalmente; pelo que, não seria necessária a presença em juízo de ambos os cônjuges, dada a não oneração de nenhum dos prédios em resultado da acção.

    4. Também não há preterição do litisconsórcio necessário passivo uma vez que o cônjuge do Réu já se encontra na acção por via da habilitação de herdeiros na sequência do falecimento do Réu.

    5. Por fim, não há essa preterição, uma vez que, à cautela, já em sede de requerimento efectuado junto do Tribunal da Relação de Coimbra após essa invocação pelos Réus, e em tempos, foi requerida tal intervenção principal – requerimento apresentado via citius no dia 20/03/2019.

    6. O douto acórdão sob recurso não é nulo uma vez que aprecia a alteração à matéria de facto requerida por ambos os recorrentes, debruçando-se sobre os depoimentos invocados e sobre a documentação referida nesse recursos, e decide esse pedido de alteração por adesão à decisão sobre a matéria de facto produzida pela 1ª instância, após exposição dos motivos por essa opção. Pelo que não se verifica a situação referida na alínea d) do nº 1 do artº 615º, não sendo o douto acórdão nulo.

    7. Mesmo que se desse o caso de ter existido um erro na apreciação da prova ou na fixação dos factos essenciais da causa, tal não era passível de recurso – como se infere dos arts. 674º nº 3 e 682º nº 2 do CPC.

    8. Pelos motivos já referidos, o Supremo Tribuna de Justiça não deverá apreciar a matéria de facto agora invocada pelos Réus em sede de recurso de Revista. Nem essa apreciação pedida pelos Réus corresponde às excepções referidas no nº 3 do artº 674º do CPC.

    9. Os Réus juntam documentos novos (ainda que digam que o não são), uma vez que, pintando-os de uma determinada forma (coisa que não acontecera até ao momento) e pretendendo com isso demonstrar factos, estão a oferecer uma nova interpretação dos documentos e com tal: documentos novos; os quais desde já se impugnam, não são supervenientes (nem essa qualidade é invocada pelos Réus) e como tal, por serem inadmissíveis, devem ser desentranhados – artº 680º nº 1 do CPC.

    10. Os Réus não conseguem demonstrar que o que pretendem que tenha sido adquirido por confissão ou aquisição processual, assim o seja; nem tal matéria pode ser apreciada em sede de recurso de revista.

    11. Deve manter-se a apreciação sobre a invocada litigância de má-fé do A.; a qual nunca existiu.

    12. Deve manter-se a aplicação do direito aos factos efectuada pela 1ª e 2ª instâncias, porque versa sobre matéria irrecorrível.

    13. Caso o acórdão da Relação de Coimbra venha a ser declarado nulo por não ter efectuado a apreciação da matéria de facto, tal nulidade deverá afectar o acórdão como um todo, e a sua reforma deverá incidir sobre todo o acórdão, nomeadamente obrigando-o à reapreciação de todas as questões que tinham sido submetidas à sua apreciação em ambos os recursos e não o foram.

    14. O douto acórdão ora em crise não violou as disposições legais invocadas pelos Réus no seu recurso, devendo manter-se por ser irrecorrível.” 3.

    Por decisão da relatora de fls. 794 foi determinada a notificação dos Recorrentes para, querendo, se pronunciarem sobre a possibilidade de não conhecimento do recurso por verificação do obstáculo da dupla conforme entre as decisões das instâncias.

    Notificados, os Recorrentes não se pronunciaram.

  6. A fls. 797 foi proferida a decisão de não admissão do recurso com fundamento na existência de dupla conforme (art. 671º, nº 3, do CPC).

  7. Da decisão de não admissão do recurso vêm os Recorrentes impugnar para a conferência, invocando essencialmente ser o recurso admissível por ter como objecto a violação pela Relação de normas processuais relativas à reapreciação da matéria de facto, designadamente por ter ocorrido “a falta de uma verdadeira reapreciação da prova, omitindo a pronúncia sobre as questões concretamente levantadas no recurso de Apelação, violação das regras de direito probatório (mormente quanto ao ónus da prova), nulidade do Acórdão por não ter conhecido oficiosamente da excepção consistente na preterição do litisconsórcio necessário passivo (art. 578º do CPC) e desrespeito da aquisição processual, violando o disposto nos arts. 640º e 662º do CPC, além de não ter aplicado o disposto no art. 1354º do CC.” Vejamos.

    5.1.

    Tanto a incipiência das conclusões recursórias como o facto de, após notificação para o efeito, não se terem os Recorrentes pronunciado acerca da possibilidade de não conhecimento do recurso, obscureceram a identificação das questões objecto do recurso susceptíveis de descaracterizar a dupla conformidade entre as decisões das instâncias.

    Ainda assim, e perante a presente reclamação, procedeu este colectivo a nova ponderação do teor das conclusões da revista, tendo-se concluído o seguinte: - A alegada nulidade do acórdão recorrido por falta de conhecimento oficioso do pressuposto do litisconsórcio necessário passivo legal ou natural (concls. recursórias 1 e 2) apenas poderá ser conhecida se o recurso for admissível nos termos gerais (cfr.

    a contrario, o disposto no nº 4 do art. 615º do CPC); - Do mesmo modo, a alegada nulidade do acórdão recorrido por aceitar a decisão da 1ª instância que decidiu para além do pedido (concl. recursória 4) apenas poderá ser conhecida se o recurso for admissível nos termos gerais; - A questão da alegada nulidade por desrespeito de normas de distribuição do ónus da prova não se encontra bem qualificada; com efeito, não está em causa um vício gerador de nulidade da decisão mas antes um alegado erro de direito que, a existir...

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