Acórdão nº 153/13.8TCGMR.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Novembro de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA DA GRAÇA TRIGO
Data da Resolução07 de Novembro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. AA - Indústria e Comércio, Unipessoal, Lda.

intentou, em 16 de Maio de 2013, a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB Limited, sociedade comercial de direito inglês, e CC, Lda.

, pedindo que as RR. sejam condenadas solidariamente a pagar à A. uma indemnização no montante global de € 421.679,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação e até efectivo e integral pagamento.

Alegou, em síntese, que mantinha uma relação comercial com as RR. há cerca de dois anos, tendo estas procedido à ruptura injustificada, unilateral, abusiva e repentina da mesma, não obstante sempre terem sido cumpridas as obrigações assumidas pela A. Tal ruptura ocorreu depois de terem sido acordados entre as partes todos os elementos do negócio que tinham em curso, designadamente o preço, a quantidade e o prazo de entrega dos pares de … encomendados, fazendo sempre crer à A. que esta iria produzir todo aquele … . Ambas as RR. agiram, pois, com manifesta má fé, tendo A., em consequência directa, necessária e adequada da conduta das mesmas, sofrido avultados prejuízos de que nesta acção pede para ser ressarcida.

O valor da indemnização peticionada (€ 421.679,00) resulta da soma dos seguintes valores parciais, correspondentes aos “lucros que deixou de auferir com a retirada da encomenda”: - € 249,900,00, correspondente à diferença entre os custos da produção e entrega da mercadoria à 1ª R. e o preço que esta pagaria à A. com a aquisição de 60.000 pares de … do modelo item 850296 (artigos 45º a 47º da petição inicial); - € 129,267,00, correspondente à diferença entre os custos da produção e entrega da mercadoria à 1ª R. e o preço que esta pagaria à A. com a aquisição de 40.000 pares de ... do modelo item 852387 (artigos 48º a 50º da p.i.); - € 42.512,00, correspondente à diferença entre os custos da produção e entrega da mercadoria à 1ª R. e o preço que esta pagaria à A. com a aquisição de 10.600 pares de … do modelo item 856368 (artigos 51º a 53º da p.i.).

As RR. contestaram, impugnando a factualidade alegada pela A., afirmando que sempre actuaram com lisura e de acordo com os trâmites definidos e acordados há muito tempo e que eram do conhecimento da A. e aceites por esta, nunca tendo dado à A. qualquer expectativa em como seria o fornecedor escolhido para as encomendas em causa nos autos, e muito menos para as quantidades de … referidas na petição, que são completamente irrealistas para uma encomenda, sendo que nunca chegaram sequer a ser definidos preços e prazos de entrega, o que necessariamente teria influência no potencial ganho da A., que obviamente não teria a margem de lucro que alega. Mais alegam que a encomenda foi entregue a outras empresas por causa dos preços mais reduzidos apresentados por estas e também pela melhor qualidade apresentada.

Alegando que a A. tinha conhecimento de todo o processo, e que apenas por má-fé o oculta, deve a mesma ser condenada como litigante de má-fé, no pagamento de uma multa e indemnização às RR. e demais consequências legais.

Findos os articulados, e proferido o despacho saneador, realizou-se a audiência de discussão e julgamento.

A fls. 506 foi proferida sentença, na qual, para além da absolvição da A. do pedido de condenação como litigante de má-fé, se decidiu julgar a acção improcedente, absolvendo-se as RR. do pedido.

Inconformada, a A. interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto, pedindo a alteração da decisão relativa à matéria de facto e a reapreciação da decisão de direito.

Por acórdão de fls. 605 foi alterada a matéria de facto e, a final, foi proferida a seguinte decisão: “Na procedência parcial das alegações de recurso revoga-se a sentença recorrida e condena-se a Ré CC, Lda na quantia que se vier a liquidar posteriormente nos termos do artigo 609º, nº 2 do CPC e absolve-se a Ré BB, do pedido.” 2.

Veio a R. CC, Lda. interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões: “

  1. Os fundamentos da presente revista são os seguintes: A) Nulidade do douto acórdão recorrido; B) Violação ou errada aplicação da lei do processo; C) Violação da lei substantiva.

    B) O presente processo foi instaurado contra a ora recorrente e a empresa BB LIMITED com base no instituto da culpa na formação de contratos ou "culpa in contrahendo", também conhecido por "responsabilidade pré-contratual - previsto no Art. 227° n° 1 do Código Civil.

    C) De acordo com a versão dos factos trazida na douta petição inicial, as Rés agiram de manifesta má-fé ao terem procedido à rutura da relação comercial com a Autora "depois de ter acordado entre ambas as partes todos os elementos do negócio, designadamente o preço, a quantidade e o prazo de entrega dos pares de ... e de terem feito, assim, ver à Autora de que esta iria produzir todo aquele … ." - Art. 36° do articulado inicial.

    D) Ainda de acordo com a douta petição inicial, como "consequência direta, necessária e adequada da conduta das Rés, a Autora sofreu avultados prejuízos", que enunciou da seguinte forma: "lucros que deixou de auferir com a retirada da encomenda" e que liquidou nos artigos 46° a 54° do articulado inicial.

    E) A douta sentença proferida em sede de 1ª instância, fazendo uma análise crítica atenta e exaustiva aos diversos meios de provas produzidos, julgou a ação totalmente improcedente, por não provados os referidos fundamentos, seja quanto ao comportamento das Rés, seja quanto aos alegados prejuízos.

    F) Por sua vez, o douto Acórdão recorrido alterou parcialmente a decisão sobre a matéria de facto proferida em sede de 1ª instância e condenou a ora recorrida em quantia a liquidar posteriormente.

    G) Tal decisão foi proferida completamente ao arrepio da prova produzida e das normas legais aplicáveis, sejam processuais ou substantivas.

    H) Os factos de 1.° a 30.°, mencionados supra, fixados como provados em sede da 1ª instância não foram colocados em causa nem pela Autora e nem pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto, pelo que não poderão deixar de ser atendidos na mui douta decisão que vier a ser proferida por Vossas Excelências.

    I) Aos factos provados mencionados imediatamente acima, foram acrescentados pelo Tribunal da Relação do Porto os seguintes: i. A Autora negociou e acordou a aquisição das peles e dos pares de solas necessários à produção de toda aquela quantidade de … - Provado ii. Ambas as Rés ao entregarem o fabrico daquele ... a um outro fabricante, designadamente à DD, beneficiaram dos conhecimentos técnicos e do desenvolvimento feito pela Autora nas diversas amostras que tinha enviado à Primeira Ré - Provado iii. Provado que A encomenda referente aos modelos aludidos em 14°, item 850296, 852387, e 856368, foi entregue apenas em Março de 2013 a outras empresas, uma das quais a EE Importação e Exportação, Lda. (DD).

    iv. Foi discutido entre as partes o preço do … a produzir pela autora - Provado v. Há artigos de … pretendidos pela primeira ré que são imediatamente solicitados a um só fabricante, não ocorrendo qualquer situação de prévia escolha entre vários fabricantes, o que sucede designadamente quando ambas as rés conhecem o fabricante, a qualidade e capacidade de fabrico e com ele tenham tido relações comerciais anteriores, o que sucedeu por inúmeras vezes com a autora - Provado vi. No mês de Dezembro de 2012, a primeira ré, por intermédio da segunda ré, enviou à autora os três modelos de … de criança, aludidos em 14°, com vista ao fabrico de 60.000 pares do modelo item 850296, 40.000 pares do modelo item 852387, e 10.600 do modelo item 856368 - Provado vii. A autora produziu tais amostras do modelo final dos … pretendidos, que enviou à primeira ré - Provado viii. A autora programou a atividade fabril no sentido de não aceitar outras encomendas para o período em que seriam confecionados os aludidos pares de ... destinados à primeira ré- Provado ix. Era do conhecimento de ambas as rés que a autora tinha assegurado quer o processo produtivo, quer a matéria-prima destinada à confeção daquele …, e que a tinham convencido de que iria efetivamente produzir e vender o mesmo à primeira ré - Provado x. Provado que Em consequência direta, necessária e adequada da conduta das rés, a autora, deixou de auferir lucros, e suportou custos no que se prende com a aquisição das matérias-primas com vista ao fabrico do … .

    J) O Acórdão Recorrido é Nulo por oposição dos fundamentos com a decisão, nos termos da al. c) do n.° 1 do art. 615.°, aplicável por força da al. c) do n.° 1 do art. 674.°, ambos do CPC; K) No elencar de factos que entende como provados, no douto Acórdão começa-se por dar como assente que a "Ré encomendou determinada quantidade de pares de … de criança/adolescente com 3 referências à Autora" (sublinhado nosso); L) Reiterando essa declaração em vários momentos no decorrer do texto do Acórdão, quando exara que a Recorrente gerou na Autora "uma confiança razoável fundada na celebração do contrato em causa com formalização de encomendas", entre outras; M) É dado como assente que o contrato entre as Rés e a A. se consumou – tendo ocorrido violação do mesmo por parte da aqui recorrida; N) O que é absolutamente contraditório à conclusão do mesmo Tribunal quando aplica o regime legal que a autora trouxe ao processo - culpa na formação dos contratos; O) É dado como assente um facto (encomenda formalizada, contratada) e é aplicado um regime legal apenas compatível com a não celebração do contrato, pelo que estamos perante a nulidade prevista na alínea c) do n° 1 do art. 615° do CPC, aplicável por força do disposto na alínea c) do n° do art 674° do mesmo código; P) O fundamento da decisão está, assim, em contradição com esta mesma, o que torna o Acórdão nulo; Q) Não estamos perante um mero erro de julgamento ou discordância quanto ao regime legal aplicável, mas uma nulidade que resulta inequivocamente do próprio texto da douta decisão; R) Está a decisão de que se recorre também ferida de nulidade por ser...

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