Acórdão nº 19844/17.8T8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Novembro de 2019

Magistrado ResponsávelRIBEIRO CARDOSO
Data da Resolução06 de Novembro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça ([1]) ([2]) 1 - RELATÓRIO AA intentou a presente ação declarativa de condenação com processo especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento contra BB, S.A.

, opondo-se ao seu despedimento e pedindo a declaração da ilicitude e/ou irregularidade do mesmo.

Teve lugar a audiência de partes, sem conciliação.

A R. motivou o despedimento, concluindo pela improcedência da ação e pela licitude e regularidade daquele. Alega sumariamente que o processo disciplinar foi regularmente instruído, inexistindo irregularidades ou nulidades que o afetem, sendo verdadeiros os factos nele descritos e tendo a sanção de despedimento perfeito cabimento face à gravidade dos mesmos. À cautela, para o caso de procedência da ação, opôs-se à reintegração do A.

Contestou o A. aquela motivação, alegando, em suma, que prescreveu o direito de exercer o poder disciplinar; caducou o direito de exercer o poder disciplinar; ocorre nulidade do procedimento disciplinar por ausência de produção de prova; os factos invocados para fundamentar a justa causa também não são aptos a despedir. Concluiu pela condenação do R. na sua reintegração, bem como a pagar-lhe as retribuições que se têm vindo a vencer. Em reconvenção, pediu a condenação do R. a pagar-lhe uma indemnização por danos não patrimoniais e nas despesas e honorários dos seus mandatários.

Em resposta, o R refutou o alegado pelo A. e contestou o pedido reconvencional.

Saneado o processo e realizada a audiência de julgamento, foi proferida a sentença com o dispositivo seguinte: «Face ao exposto, julgamos parcialmente procedente a presente acção e, em consequência, decretamos a ilicitude do despedimento do A e condenamos a R: a) a reintegrar o A no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade; b) a pagar-lhe todas as retribuições, vencidas e vincendas, desde 13 de Agosto de 2017 e até à data do trânsito em julgado desta sentença; c) a pagar ao A uma indemnização por danos não patrimoniais no montante de € 10.000,00, absolvendo-a do demais peticionado.

Àquelas quantias acrescem juros de mora, contados à taxa legal, desde a data de vencimento de cada parcela e até efectivo e integral pagamento.

Custas pela R – artigo 527.º do Código de Processo Civil.

Valor da causa: € 10.000,00 – artigo 98.º-P do Código de Processo do Trabalho».

Inconformados com esta decisão dela recorreram o R. e o A., na sequência do que foi proferida a seguinte deliberação: «Em face do exposto, e de acordo com o supra referido: Concede-se provimento parcial ao recurso da ré quanto ao valor da causa.  Concede-se provimento parcial ao recurso da ré da sentença.

Julga-se ilícito o despedimento do autor por não verificação de justa causa.

Concede-se provimento parcial ao recurso do autor, condenando-se a ré pagar-lhe a título de indemnização por danos não patrimoniais a importância de € 15.000,00.

Custas pela ré e pelo autor em ambos os recursos da ré, na respectiva proporção.

Custas pelo autor e pela ré no recurso do autor, na respectiva proporção.

» A Relação fixou à causa o valor de € 40.358,70.

Daquela deliberação recorre o R. de revista para este Supremo Tribunal, impetrando a revogação do acórdão recorrido e a sua absolvição dos pedidos.

O recorrido contra-alegou pugnando pela manutenção do julgado.

Recebidos os autos e cumprido o disposto no art. 87º, nº 3, do CPT, o Exmº Procurador-Geral-‑Adjunto emitiu douto parecer pronunciando-se pela concessão da revista.

Notificadas as partes, apenas o recorrido respondeu no sentido do que alegara em sede de contra-‑alegações.

Formulou o recorrente as seguintes conclusões, as quais, como se sabe, delimitam o objeto do recurso ([3]) e, consequentemente, o âmbito do conhecimento deste tribunal: ” A. Vem o presente recurso interposto do surpreendente Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 13 de fevereiro de 2019, na parte em que, dando provimento parcial ao recurso, (a) julgou ilícito o despedimento do Autor, por não verificação de justa causa [e não por procedência da exceção de caducidade do direito de exercer o poder disciplinar, como havia sido declarado em primeira instância]; (b) indeferiu a oposição à reintegração; (c) e agravou a compensação fixada por danos não patrimoniais para € 15.000.

B. Resulta do acervo fático dado por provado que, no contexto de envolvimento do Recorrido com empresas que, com desconhecimento do Recorrente, se encontravam ligadas ao narcotráfico (factos provados 23 e 29), aquele desobedeceu diretamente a uma clara instrução emanada pelo CC no sentido de que “quaisquer pedidos futuros de carregamentos de operações por parte desta entidade, independentemente do país de destino, deverão ficar suspensos e imediato deve ser contactado o CC por forma a informar-nos sobre os dados referentes à operação pretendida” (cfr. facto provado 39.) C. A este respeito, esclareça-se que é linguisticamente inquestionável que o ato de «suspender» mais não é do que o ato de interromper / fazer cessar a continuação, temporária ou definitiva, de uma atividade.

D. Por conseguinte, o Recorrente não podia movimentar a conta da DD ou dar instruções para o efeito, independentemente de se tratar da operação de transferência de € 81.008,00 (cuja transferência estava parada) ou de 831.594,56 USD (cuja transferência estava suspensa).

E. Por estes motivos, e com o devido respeito, a argumentação do Venerando Tribunal no sentido de desconsiderar a violação pelo Recorrido da instrução de suspender qualquer operação de transferência da conta bancária da DD é incompreensível, especialmente atenta a jurisprudência constante dos Tribunais superiores no sentido de se exigir “[d]os trabalhadores bancários uma postura de inequívoca transparência, insuspeita lealdade de cooperação, idoneidade e boa fé na execução das suas funções]” (vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de janeiro de 2013 (FERNANDES DA SILVA), disponível em www.dgsi.pt) F. Mas mais grave ainda é a desobediência do Recorrente, nesse mesmo dia 29 de setembro de 2016, a uma determinação direta de dois administradores do Recorrente no sentido de que a ordem de transferência do saldo da conta da DD (831.594,56 USD) para a EE não fosse executada sem reunião prévia com a Dra. FF (cfr. facto provado 44).

G. Perante o teor do facto provado 44, é igualmente inexplicável que o Acórdão recorrido afirme que os administradores do Recorrente “deixaram a questão em aberto, nada tendo decido ou ordenado relativamente ao pedido de transferência feito pela cliente DD”, procurando uma responsabilização da administração do Recorrente pela transferência do saldo bancário, quando nem a própria Polícia Judiciária ou o Ministério Público questionaram a isenção e total retidão desta administração.

  1. A verdade é simples: mesmo perante duas instruções claríssimas da Recorrente (uma emanada pelo CC e uma provinda de dois administradores), o Recorrido ordenou, nessa sequência, e por via telefónica, ao colaborador do Recorrente, GG, que executasse a transferência do saldo bancário da conta da DD (de 831.594,56 USD) para a conta da EE(atente-se à redação do facto provado 45).

    I. Sendo o Recorrido um trabalhador do setor bancário, que titula categoria e funções que revestem foros de ...

    , era-lhe exigida uma diligência e cuidado acrescidos na execução das suas funções, especialmente quando estava perante uma ordem de transferência de saldo bancário associados a uma conta “utilizada para permitir fazer circular fundos de origem ilícita” (cfr. facto provado 34).

  2. Ao contrário do afirmado no Acórdão recorrido, os factos provados 39 e 44 demonstram, pois, que foram emitidas pelo Recorrente, quer por escrito quer oralmente, ordens e instruções claras quanto ao modo de atuação do Recorrido, sendo manifesto que se os deveres laborais previstos no Código do Trabalho e no Código de Conduta do Recorrente tivessem sido respeitados pelo Recorrido, o Recorrente teria cumprido com a determinação da Procuradoria-Geral da República.

  3. Acrescente-se, ainda, que, no contexto do processo-crime, o Recorrido apresentou justificações díspares para o facto de não ter dado cumprimento à determinação dos administradores do Recorrente (factos provados 52 e 54), o que coloca, efetivamente, em causa a idoneidade e lealdade do Recorrido, que, aliás, desempenhava um cargo diretivo relevante na organização do Recorrente.

    L. A detenção do cargo de Diretor Regional – ao qual estão associados laços de confiança, de responsabilidade e cuja conduta se deve pautar com um padrão de honestidade acima de qualquer suspeita – infla os factos infratores de uma gravidade superior.

  4. Para além disso, o Recorrente exerce a sua atividade junto do sector bancário, onde a confiança desempenha um papel fundamental, como, de resto, é reconhecido pela douta e vastas decisões superiores, máxime sublinhando que “[a] relação de indefetível confiança assume particular acuidade em sectores como os dedicados à atividade bancária, por óbvias razões. Exige-se aos trabalhadores bancários uma postura de inequívoca transparência, insuspeita lealdade de cooperação, idoneidade e boa-fé na execução das suas funções, respeitando escrupulosamente as regras do contrato (as decorrentes da Lei geral e, particularmente, as constantes das normas internas que disciplinam a sua intervenção profissional).” (sublinhado nosso) (vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de novembro de 2012 (FERNANDES DA SILVA), proferido no proc. n.º 686/2007).

  5. Os factos provados n.ºs 9; 13; 16; 17; 18; 23; 29; 33; 39; 34; 40; 41; 42; 44; 45; 46; 47; 48; 49; 50; 51; 52; 53; 54 e 65, ainda que não revistam natureza criminal, merecem uma óbvia cesura disciplinar (tal como admitido pelo Tribunal da Relação de Lisboa a fls. 40 do citado Acórdão), porquanto contribuíram para o incumprimento da determinação da Procuradoria-Geral da República.

  6. No caso em apreço, no universo da confiança, ou se confia, ou...

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