Acórdão nº 7078/18.9T9LSB-A.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 31 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelNUNO GOMES DA SILVA
Data da Resolução31 de Outubro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. -A Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) vem reclamar para a conferência, da “decisão sumária” proferida em 2019.07.11 que rejeitou o recurso que interpusera do acórdão do TR Lisboa, de 2019.02.07, que autorizou a quebra do segredo profissional invocado por si invocado no âmbito de uma “Decisão Europeia de Investigação” (DEI) cujo “Estado de emissão” é a República da Polónia, e cujo objectivo – para o qual foi solicitada a intervenção Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa enquanto “Autoridade de execução” – é a obtenção de determinadas informações respeitantes à actividade da sucursal portuguesa de uma empresa polaca de corretagem, informações essas que a recorrente declinou prestar.

    Na “decisão sumária” considerou-se ser inadmissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do mencionado acórdão do TR Lisboa.

    Na “reclamação” a CMVM conclui o seguinte (transcrição): I. Da recorribilidade do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que decidiu a quebra do segredo profissional 1.ª Por Acórdão datado de 7 de fevereiro de 2019, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu deferir o requerido levantamento do segredo profissional da CMVM, pondo termo ao incidente de quebra de segredo profissional suscitado pelo Ministério Público nos presentes autos.

    1. De tal Acórdão, a CMVM interpôs recurso perante este Venerando Tribunal no dia 4 de abril de 2019, o qual foi liminarmente admitido por douto Despacho proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 23 de abril de 2019.

    2. Por Decisão Sumária, datada de 11 de julho de 2019, e da qual ora se reclama, o Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça rejeitou o recurso interposto pela Recorrente, fundando-se na irrecorribilidade da decisão recorrida, mais considerando improcedente a inconstitucionalidade arguida pela CMVM (rectius, uma das inconstitucionalidades arguidas pela CMVM).

    3. Nos termos do disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 135.° do CPP, invocada a escusa perante o Tribunal, pode este decidir por uma de duas vias: i) ou considera que a escusa é ilegítima e determina a junção dos documentos ou ii) considera que a escusa é legítima e, oficiosamente ou a requerimento, requer ao tribunal superior, isto é, in casu, ao Tribunal da Relação, a quebra do segredo profissional.

    4. Existe, pois, uma competência sequencial e bifurcada no contexto do processo de quebra de segredo, cabendo numa primeira fase a decisão sobre a legitimidade da escusa e só depois, perante outra autoridade, a decisão sobre o incidente de quebra do segredo profissional (decisão sobre a justificação da quebra).

    5. Assim, o Tribunal da Relação de Lisboa constituiu-se, deste modo, como a primeira instância de decisão quanto à justificação da quebra do segredo profissional, uma vez que o Juízo de Instrução Criminal de Lisboa apenas decidiu se a escusa era ou não legítima.

    6. Para além de funcionar como primeira instância de decisão quanto à quebra de segredo profissional, o Tribunal da Relação pôs termo ao incidente de quebra do segredo profissional, cujo objeto consiste em saber se o dever de segredo profissional deve ceder perante o interesse probatório do Ministério Público no inquérito (conjugado com o interesse na administração da justiça), sendo, nesse caso, injustificada a escusa.

    7. Não podendo ser atribuído ao objeto do presente processo outra qualificação que não seja a de decisão proferida em primeira instância pelo Tribunal da Relação de Lisboa, a mesma terá de ser, obviamente, considerada recorrível nos termos do disposto nos artigos 399.° e 432.°, n.º 1, alínea a), do CPP.

    8. O entendimento segundo o qual não deve ser admitido o presente recurso por se considerar que a decisão do Tribunal da Relação que quebra o segredo profissional invocado nos termos do artigo 135.º do CPP é irrecorrível só pode julgar-se inconstitucional por violação do direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, previsto no artigo 20.°, n ºs 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa (CRP).

    9. Pelo que, para os devidos efeitos legais, se invoca a inconstitucionalidade das normas contidas nos n.ºs 3 e 4 do artigo 135.° do CPP, conjugado com o disposto no artigo 399.°, e 432.°, n.º 1, alínea a) do CPP, na interpretação segundo a qual a decisão do Tribunal da Relação que quebra o segredo profissional invocado nos termos do disposto no artigo 135.° do CPP é irrecorrível, por violação do direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20.°, n.ºs 1 e 4 da CRP.

    10. O entendimento segundo o qual o tribunal superior pode quebrar o dever de segredo profissional sem ouvir o sujeito desse mesmo dever no momento da ponderação dos interesses em conflito só poderá julgar-se inconstitucional por violação do direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20.°, n.ºs 1 e 4 da CRP.

    11. Razão pela qual, para os devidos efeitos legais, reitera-se a invocação da inconstitucionalidade das normas contidas nos nºs 3 e 4 do artigo 135.° do CPP na interpretação segundo a qual, no âmbito da invocação de escusa para facultar o acesso a elementos e/ou documentos abrangidos pelo segredo profissional perante a autoridade judiciária, o tribunal superior pode quebrar o dever de segredo sem ouvir o titular desse dever quanto aos pressupostos de que depende a quebra do mesmo, por violação do direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20.°, n.ºs 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa.

    12. Mais se invocando a inconstitucionalidade, para os devidos efeitos legais, da norma contida no n.° 4 do artigo 135.° do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual, no âmbito da invocação de escusa para facultar o acesso a elementos e/ou documentos abrangidos pelo segredo profissional perante o Tribunal de 1.ª instância, o tribunal superior pode não permitir uma entidade não dotada de organismo representativo da profissão de exercer o princípio do contraditório e os direitos de defesa constitucionalmente garantidos no processo/incidente de quebra de segredo profissional em que é requerida, por violação do artigo 20.°, n.ºs 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa.

    13. Em face do que vem dito, o presente recurso deve ser admitido de acordo com o disposto nos artigos 399.° e 432.°, n.° 1, alínea a), do CPP.

      1. Da Decisão Sumária proferida pelo Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Relator 15.ª O Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Relator, na Decisão Sumária proferida, decidiu rejeitar o recurso apresentado pela CMVM, suportando a sua decisão, em síntese, nos seguintes fundamentos: (i) a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, ainda que se admita ser uma primeira decisão, não só não tomou qualquer posição sobre o mérito da causa como não pôs termo ao processo, não sendo, consequentemente, recorrível nos termos do disposto nos artigos 399.° e 432.°, n.° 1 , alínea a) do CPP; (ii) a Recorrente carece de legitimidade para o recurso à luz do artigo 401.°, n.° 1, alínea d), segunda parte, do CPP, porquanto nenhum direito seu foi afetado nem lhe sobra interesse em agir, pressuposto processual fundamental para a sua pretensão de recurso, nos termos do artigo 401.º, n.° 2, do CPP ; e (iii) a impossibilidade de recurso no âmbito do incidente de quebra de sigilo pela entidade convocada a prestar determinadas informações e uma vez reconhecida a legitimidade da sua escusa, além de estar de acordo com as regras gerais processuais sobre a legitimidade e o interesse em agir, de modo algum configura um injustificado, intolerável, irrazoável ou arbitrário regime discriminatório de acesso ao direito previsto no artigo 20.°, n.ºs 1 e 4, da CRP e, em detalhe, do acesso ao recurso.

      II.A - Da interpretação dos artigos 399.° e 432.°, n.° 1, alínea a) do CPP 16.ª Em primeiro lugar, defende o Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Relator que a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, ainda que se admita ser uma primeira decisão, não só não tomou qualquer posição sobre o mérito da causa como não pôs termo ao processo, não sendo, consequentemente, recorrível nos termos do disposto nos artigos 399.° e 432.°, n.° 1 , alínea a) do CPP.

    14. A interpretação propugnada na Decisão Sumária para o artigo 432.°, n.° 1, alínea a) do CPP não permite fundamentar a irrecorribilidade da decisão colocada em crise pelo recurso apresentado pela CMVM, sob pena de conduzir a uma restrição inadmissível do direito à tutela jurisdicional efetiva, concretizada, in casu, no direito ao recurso.

    15. A quebra do sigilo profissional é subsumida, pelo legislador, a um incidente processual; com efeito, prevêem os n.ºs 2 e 3 do artigo 135.° do CPP: "2 - (...) a autoridade judiciária perante a qual o incidente se tiver suscitado procede às averiguações necessárias. (...) 3 - O tribunal superior àquele onde o incidente tiver sido suscitado (...) " (sublinhados nossos). E assim tem sido qualificado jurisprudencial e doutrinalmente.

    16. Ao proferir a decisão a que alude o n.° 3 do artigo 135.° do CPP, o Tribunal da Relação pôs termo ao incidente de quebra do segredo profissional, cujo objeto consiste em saber se o dever de segredo profissional deve ceder perante o interesse probatório do Ministério Público no inquérito (conjugado com o interesse na administração da justiça), sendo, nesse caso, injustificada a escusa.

    17. Está-se perante uma decisão proferida no âmbito de um incidente com autonomia face ao processo principal, autonomia essa que se manifesta tanto no seu objeto, como nos sujeitos que nesse incidente participem e no qual pretendem fazer valer direitos próprios.

    18. Pelo que, no acórdão recorrido, o Tribunal da Relação de Lisboa pronuncia-se sobre o mérito do incidente, tendo decidido quebrar o segredo profissional invocado pela CMVM.

    19. O acórdão recorrido configura um ato decisório que encerra em definitivo o incidente de quebra do segredo profissional e, consequentemente, a relação jurídica entre os sujeitos processuais que nele figuram...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT