Acórdão nº 139/12.0TBFLG-M.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelJOSÉ RAINHO
Data da Resolução29 de Outubro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção): I - RELATÓRIO AA demandou, por apenso aos autos de insolvência de BB, Lda.

e em autos de ação declarativa com processo na forma comum, CC, peticionando a condenação desta: a) no pagamento da quantia de € 35 050,00 a título de indemnização por danos patrimoniais, resultantes do diferencial entre o valor obtido com a venda da fração autónoma que identifica (fração “…”, destinada a habitação, sita no …º andar, tipo T2, Bloco 1, com lugar de garagem identificado pelo nº 7, sito na cave do edifício e um espaço para arrumos, do prédio urbano sito em ..., freguesia ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ...e inscrito na respetiva matriz sob o artigo … e atualmente inscrito na matriz urbana sob o artigo ..., da União de Freguesias de ... (...), ..., ..., ...) e o valor oferecido pelo autor; b) no pagamento de juros desde a data da citação.

Alegou para o efeito, em síntese, que a Ré foi nomeada administradora de insolvência na sentença que decretou a insolvência da sociedade BB, Lda., tendo procedido à venda dos bens apreendidos para a massa, entre eles a fração da verba n.º … do auto de apreensão de bens, correspondente à referida fração autónoma “…”, e sobre a qual fora judicialmente reconhecido ao Autor, em ação de verificação ulterior de créditos que instaurou, direito de retenção para garantia do crédito de € 82 000,00.

Ocorre que a Ré, contra o que devia ter feito, não ouviu o Autor acerca da modalidade da alienação da fração, da mesma forma que não informou o Autor acerca do valor fixado para a alienação da fração ou do preço da projetada venda a terceiro e que depois se realizou.

Além disso a Ré preteriu a proposta de aquisição entretanto apresentada pelo Autor.

Esta atuação da Ré, que é ilícita e culposa, causou ao Autor um prejuízo equivalente à diferença entre o valor da sua proposta (€82.000,00) e o valor (€46.950,00) pelo qual veio a ser vendida a fração.

Contestou a Ré, concluindo pela improcedência da ação.

Disse, em síntese, que o Autor não apresentou qualquer proposta relativamente à fração sobre que lhe foi reconhecido o direito de retenção, já que a proposta que efetivamente remeteu à Ré respeitava a outra fração, sendo que só depois de efetivada a escritura de transmissão o Autor veio corrigir a identificação do número da verba constante da sua proposta. O Autor tinha conhecimento que o imóvel iria ser vendido e qual o preço da alienação, pelo que não lhe é devida qualquer indemnização. Na realidade, conclui a Ré, o Autor, com o erro que cometeu na identificação da fração, é que foi o causador da não consideração da sua proposta, pois que de outra forma a Ré não teria procedido à venda da fração a terceiro nos termos em que o fez.

A Ré mais requereu, e viu deferida, a intervenção principal de DD - Sucursal, para quem havia transferido a responsabilidade civil por danos causados a terceiros no exercício da sua atividade de administradora de insolvência.

A Chamada a Intervir contestou, concluindo pela improcedência da ação.

Mais disse que, a provar-se a responsabilidade da Ré, o dano em causa estaria excluído das coberturas do seguro.

Seguindo o processo seus devidos termos veio, a final, a ser proferida sentença (Juízo de Comércio de Amarante) que, em procedência parcial da ação, condenou a Ré a pagar ao Autor a indemnização de €25.000,00, acrescida de juros de mora desde a citação.

Inconformados com o assim decidido, apelaram o Autor, a Ré e a Chamada a Intervir.

A Relação do Porto julgou improcedentes os recursos da Ré e da Chamada a Intervir. Mas julgou procedente o recurso do Autor, condenando a Ré a pagar-lhe a indemnização pedida no montante de €35.050,00, acrescendo juros tal como fixado na sentença.

Mantendo-se inconformados, pediram a Ré e a Chamada a Intervir revista.

Esta última introduziu o seu recurso como revista excecional, mas a competente formação de juízes não admitiu a revista assim interposta, razão pela qual está o respetivo recurso findo e dele não se poderá conhecer.

+ No que se refere ao recurso interposto pela Ré CC, nada impede o seu conhecimento como revista ordinária.

+ São as seguintes as conclusões que a Ré extrai da sua alegação: 1- A presente ação foi interposta pelo A. com o intuito de obter a condenação da R. a indemnizá-lo, alegadamente pelo facto de esta ter preterido o dever de informação quanto à venda da fracção autónoma apreendida nos autos, sobre a qual o A. tem direito de retenção, matéria que consta do preceituado nos nºs 2 e 3 do artº 164º do CIRE.

2- Como tem sido entendimento unânime entre a doutrina e jurisprudência “o único objectivo do Legislador ao determinado o dever de audição e de comunicação previstos no nº 2, do artigo 164º, do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas, foi o de permitir a tal credor, detentor de um direito de garantia real, poder optar por apresentar uma proposta de valor superior para adquirir por adjudicação o bem para si, por tal se mostrar mais consentâneo com a defesa dos seus interesses”.

3- Nos termos da matéria fáctica dada como provada, resulta que a R. não informou o A. da modalidade da venda por si escolhida para a verba nº 97, nem do preço da projectada venda ao comprador- EE antes da realização da escritura de compra e venda celebrada em 8 de Abril de 2016- cfr. facto provado nº 35.

4- O certo, porém, é que apesar de não ter sido feita tal comunicação, o A. fez, em tempo útil, a sua proposta., pelo que a violação do dever de comunicar a que alude o nº 2 do artº 164º do CIRE não impediu o A. de fazer a sua proposta.

5- Assim, a violação do dever de comunicar a que alude o nº 2 do artº 164º do CIRE nenhum prejuízo causou ao credor, A, pois não o impossibilitou de fazer a sua proposta, pelo que o objectivo da lei não saiu frustrado ou defraudado.

6- Logo, não foi a preterição da sua audição nos termos previstos no artigo 164º, nº 2 do CIRE que impediu o A. de apresentar, em tempo útil, uma proposta de valor superior ao da venda realizada na escritura de 08.04.2016 e antes de tal escritura ter sido realizada, pelo que o mesmo não teria direito a qualquer indemnização.

7- Sucede, porém, que o Acórdão recorrido decidiu que a R. preteriu a proposta oferecida pelo credor ora A. e que tal preterição terá de ser imputada à R, Administradora de Insolvência, cuja consequência resultou no impedimento de o A. ser ressarcido do seu crédito, pois a proposta deste ascendia a um valor superior ao valor indicado para a projetada venda e que se veio a concretizar, concluindo que a R. não usou da diligência própria de um administrador criterioso e ordenado.

8- A R. Recorrida não concorda com tal entendimento, pois entende que a desconsideração da proposta apresentada em 4 de Abril de 2016 pelo A. deverá ser imputada, única e exclusivamente a este, a título de culpa.

9- Na verdade, o A. era detentor de um crédito do montante de 82.000,00 €, crédito esse que se encontrava garantido pelo direito de retenção sobre o imóvel constante da verba nº … do Auto de Apreensão, lote nº …, constituído pela fracção autónoma designada pela letra “…”, habitação no segundo andar do prédio sito em ..., freguesia ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº … e inscrita na respectiva matriz sob o artigo ….

10- No entanto, na proposta por si apresentada em 4 de Abril de 2016, através dos seus mandatários, consta, por lapso do A.

, a “verba nº … do Auto de Apreensão, lote …, correspondente à fracção autónoma designada pela letra “…”, correspondente …….

” (sublinhado nosso).

11- Isto é, a proposta apresentada pelo A, por lapso deste, não respeitava nem à verba, nem ao lote relativos ao prédio sobre o qual era detentor de um direito real de garantia.

12- Como efetivamente assim acontecia, tal proposta foi posteriormente rectificada no que concerne quer ao número da verba, quer ao lote, por comunicação do A. efetuada em 12 de Abril de 2016, isto é, após a outorga da competente escritura de compra e venda.

13- Cumpre, assim, apurar se a responsabilidade pelo facto de não ter sido considerada a proposta apresentada pelo A. deverá ser imputada a este ou à R., a Administradora de Insolvência, sendo certo que o acórdão recorrido considerou que tal responsabilidade caberia exclusivamente à R., entendimento com que esta não se conforma.

14- Antes de mais, refira-se que, como é consabido, para o instituto da responsabilidade civil extracontratual operar é necessário que se cumpram os seguintes requisitos: a) O facto, b) a ilicitude, c) a culpa, d) o dano e e) nexo de causalidade entre o facto e o dano.

15- O acórdão recorrido considerou estarem verificados todos os referidos pressupostos sendo que, no que concerne aos pressupostos culpa “a lei estabelece um critério particular da sua apreciação, ao considerar que a culpa é apreciada pela diligência de um administrador da insolvência criterioso e ordenado. A lei não estabelece uma presunção de culpa”.

16- Refere ainda o acórdão recorrido que “neste...

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