Acórdão nº 26/18.8GCSTC-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelISABEL SÃO MARCOS
Data da Resolução24 de Outubro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. Relatório 1.

No Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local e Criminal de … – Juiz …, e no âmbito do processo comum n.º 26/18.8GCSTS, por sentença de 08.01.2019, transitada em julgado em 07.02.2019, foi o arguido AA julgado e, a final, condenado, pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, números 1, alíneas a), c), e 2, 4 e 5 do Código Penal, na pena de dois anos e seis meses de prisão, declarada suspensa na sua execução pelo período de três anos, com regime de prova.

  1. Invocando como fundamento o previsto na alínea d) do número 1 do artigo 449.º do Código de Processo Penal, veio o condenado AA interpor recurso extraordinário de revisão da aludida sentença condenatória.

    São as seguintes as conclusões que o recorrente entendeu extrair da sua motivação[1]: “A – A sentença do Douto Tribunal a quo não poderia ter utilizado como meio de prova o conteúdo das mensagens de equipamentos electrónicos, pois, salvo entendimento diverso, não foram as mesmas em concreto e especificadamente validadas, e assim serão nulas (artigo 126.º, n.º 3, do Código de Processo Penal).

    B – Tais provas efectivamente serviram de fundamento à condenação do arguido, mesmo que em conjugação com outras.

    C - Muito menos poderia o Douto Tribunal a quo ter utilizado supostas mensagens através de redes sociais de pessoa diversa do Arguido, a menos que diligenciasse por apurar, sem margem de incerteza alguma, quem as produziu – o que não aconteceu.

    D - O facto de a filha de arguido e ofendida ter agora dito a familiares que foi a mesma quem escreveu as mensagens, constitui novo facto e deverá a mesma ser inquirida pelo Tribunal, o que constituirá nova prova, que não pôde ser apresentada antes pelo arguido (pois desconhecia).

    E - Consequentemente, toda a demais prova ficará irremediável e manifestamente inviabilizada, porquanto este novo facto, esta nova prova, lança, pelo menos, uma dúvida com tal consistência que aponta para a absolvição do arguido.

    F - Ainda que fosse outro o entendimento, não pode o arguido recorrente ser condenado pela prática de um crime de violência doméstica, pois que os ditos comportamentos dados como provados não são, por si só, consubstanciadores do cerne daquele tipo legal.

    NESTES TERMOS E NO MAIS DE DIREITO QUE V. EXAS. DOUTA E PROFICUAMENTE SUPRIRÃO, DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, E, EM CONSEQUÊNCIA, REVOGAR A DECISÃO RECORRIDA, ABSOLVENDO-SE O ARGUIDO DO CRIME PELO QUAL VINHA ACUSADO, POR APELO AO NORMATIVO LEGAL ÍNSITO NO ARTIGO 449.º, N.º 1, ALÍNEA D) DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL; SUBSIDIARIAMENTE, SE OUTRO FOR O ENTENDIMENTO DOS VERENANDOS SENHORES CONSELHEIROS, SEMPRE DEVERÁ, POR SE TEREM APURADO NOVOS FACTOS, NOVAS PROVAS, SER ORDENADA A REALIZAÇÃO DE NOVO JULGAMENTO PELO DOUTO TRIBUNAL A QUO, NO QUAL SE VALOREM ESTES NOVOS FACTOS E NOVAS PROVAS”.

  2. Notificado para proceder ao aperfeiçoamento do recurso de modo a que indicasse os meios de prova a produzir, o condenado veio indicar a filha do casal, BB que, no acto designado para a sua inquirição, declarou, nos termos do disposto no artigo 134.º, número 1, alínea a) do Código de Processo Penal, não pretender fazê-lo. 4.

    Em resposta ao pedido de revisão formulado pelo condenado, o Ministério Público junto do tribunal que proferiu a decisão revidenda considerou, em proficiente parecer, que deve ser indeferido o pedido de revisão. E isto, em suma, por inverificação dos requisitos legais de admissibilidade do recurso extraordinário de revisão.

  3. Sobre o pedido formulado pelo arguido AA, o Senhor Juiz pronunciou-se nos seguintes termos: «1 - A condenação do arguido AA, ora recorrente, pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art.152.º, n.º1, al. a), c) e 2, 4 e 5 do C. Penal, não se fundou apenas nas mensagens remetidas pelo arguido AA à ofendida CC através do messenger da filha de ambos e agora postas em causa (“no dia 31.12.2017, entre as 16:53 horas e as 16:56 horas, o arguido AA, através da página de Facebook de BB, filha de AA e CC, trocaram entre si as seguintes mensagens: CC: “Como é que sabes a que hora saí de casa?” AA: “Sei tudo” CC: “Para de me perseguir!!! Pára de andar a rondar a minha porta” AA: “ se tens alguém espero que me digas o mais rápido possível, para teu bem”, “podes levar como ameaça”, “afinal já foste a policia”, “algo de grave vai acontecer”, “diz…” No dia 31.12.2017, entre as 17:32 horas e as 17:34 horas, o arguido AA, pela mesma via, remeteu à ofendida as seguintes mensagens: “ADES CANSAR MAIS, E IRAS TER UMA SURPRESA DA TUA VIDA”, “FALTA POUCO”, “NEM IRAS SABER ONDE TE METR”, que esta recebeu. No dia 31.12.2017, pelas 17:41 horas, o arguido AA, pela mesma via, remeteu à ofendida a seguinte mensagem: “QUERO QUE SE FODA A JUSTIÇA, CHEIO DE INJUSTICAS DA JUSTICA ESTAMOS TDOS CHEIOS”, que esta recebeu), mas também nos demais factos constantes da matéria provada da sentença condenatória, maxime: “nessa ocasião (em Março de 2014), o arguido AA disse à ofendida, mais do que uma vez, que ela não prestava para nada e que não valia nada. Numa noite, após o falecimento dos progenitores da ofendida CC (em 23.10.2014 e 13.11.2014), o arguido AA, a ofendida CC e a filha foram jantar a casa de uma irmã da ofendida e depois da refeição, a ofendida CC saiu com a filha, o arguido não quis ir e foi para casa dormir. Quando o arguido acordou, ligou para a filha, dizendo que ia fechar a porta de casa e que a ofendida CC e a filha iam ficar na rua. Quando a ofendida e a filha estavam a chegar a casa, o arguido saiu da residência, deixando a porta fechada, pegou no carro e saiu do local. Como a ofendida CC não tinha chave para entrar em casa, foi com a filha para o café/restaurante que explorava à data, situado junto à habitação. Cerca de duas horas depois e tendo o arguido AA regressado a casa, a ofendida e a filha entraram em casa. No dia 10 de Junho de 2017, a ofendida CC saiu de casa e a partir dessa data o arguido AA persegue-a, dizendo-lhe para ter cuidado, que um dia a marca e liga-lhe para o telemóvel a dizer que a mata. No dia 29 de Dezembro de 2017, cerca das 3 da manhã, a ofendida CC chegou a casa da sua irmã, onde passou a residir, e o arguido encontrava-se à sua espera. O arguido AA dirigiu-se ao veículo da ofendida CC e tentou abrir a porta. Como não conseguiu, dirigiu-se à ofendida dizendo “isto são horas de chegar, anda cá fora para falarmos”. No dia 10 de Janeiro de 2018, cerca das 20:00 horas, a ofendida CC deslocou-se ao posto da GNR para apresentar queixa-crime por estes factos e o arguido AA seguiu-a, permanecendo nas imediações daquele posto até às 22:00 horas. No dia 12 de Janeiro de 2018, cerca das 17:00 horas, o arguido AA dirigiu-se à empresa de confecção de que a ofendida era sócia gerente, sita na Rua …, n.º …, …, após a saída das funcionárias, fazendo menção de entrar nas respectivas instalações, o que a ofendida CC lhe disse para não levar a cabo. O arguido AA conhece as rotinas da ofendida e persegue-a constantemente, designadamente quando vai buscar a filha ao centro de estudos, tendo já atravessado o seu veículo automóvel em frente ao da ofendida CC. É também frequente o arguido enviar mensagens escritas do seu telemóvel, com o número 91 …4 para o telemóvel da ofendida. Assim, no dia 20.1.2018, cerca das 21:16 horas o arguido enviou uma mensagem escrita para o telemóvel da ofendida dizendo “nunca irás ter paz, como já disse até...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT