Acórdão nº 1728/19.7YRLSB-A de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Julho de 2019

Magistrado ResponsávelHELENA MONIZ
Data da Resolução19 de Julho de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I - Relatório 1.

AA, detida desde 22.06.2019, ao abrigo de Mandado de Detenção Europeu (MDE) da …, de acordo com a Lei n.º 65/2003, de 23.08, veio requerer a providência de habeas corpus, ao abrigo do disposto no art. 222.º, n.º 2, als. b) e c), do Código de Processo Penal (CPP), com os seguintes fundamentos: « I. RAZÕES DE FUNDO 1.

AA, de nacionalidade …, …, …, inscrita na Ordem dos …, com escritório na Via …, …, …, …/…, e residente há trinta anos na …, com domícilio convencional na Avª …, … -… …, …, é vítima de um complot digno de um filme de ação: 2. A Requerente foi casada com o . …, durante mais de uma década, nos conturbados anos 70, de relações difíceis entre as duas nações divididas por ódios e convicções políticas extremistas.

  1. BB, além de … foi ainda representante e embaixador da …, antes da sua unificação, nas Nações Unidas, onde participou de forma ativa e pública, em lides políticas difíceis e arriscadas do período conturbado em que os dois Estados germânicos se digladiavam.

  2. A Requerente teve igualmente um cargo nas … em representação da …, durante cerca de dez anos também onde participou na actividade político diplomática do marido.

  3. Na Europa, como ser solidário e atuante junto do marido, este como parlamentar e líder politico e partidário, e na …, o exercício dos cargos que ocupou deu à requerente uma grande notoriedade, para além de como jovem … se ter envolvido em questões relevantes nas posições relativas à unificação da …, muitas vezes controversas e de conhecimento público em que se envolveram.

  4. Infelizmente o marido faleceu pouco depois do divórcio, separação que nunca abalou a solidariedade que os uniu até ao fim, estando segura que se ele estivesse vivo, nada do que se passa lhe aconteceria.

  5. Aquele longo período de exposição pública e de combate politico deu-lhes o que hoje podemos chamar de uma infeliz notoriedade, que a coloca na situação de ser vitimizada, por algo ou alguém das autoridades policiais e ligadas à Procuradoria de Justiça … (…), que pretende vindicativamente destruir-lhe a carreia profissional aos sessenta e dois anos, quando não praticou profissionalmente nada que não correspondesse ao exercício da … …., com riscos conhecidos dos investidores importantes, aconselhados tecnicamente e experientes (não é um ser ignorante que investe 100 milhões de euros), de acordo com a rigorosa deontologia profissional a que se encontra adstrita.

  6. Haja em vista que dos autos, ou melhor do Formulário A, constam os processos em curso contra os Autores do crime de fraude, tendo havido já condenações, o que ali se afirma e prova documentalmente ex vi docº 1, junto, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido.

  7. A Requerente, ao ser ameaçada de lhe destruírem a carreira profissional tentou em vão, através de um novo acordo financeiro, com a CC, em Dezembro de 2011, que formalizou no docºs 2 a 6, juntos, idem, recuperar os valores de que se apropriaram os já condenados DD – Cfr. docº 3, junto, idem - EE e FF, este em fuga às autoridades americanas.

  8. A queixa de que é vítima, constitui uma forma de chantagem indigna de quem pretende que a mesma venha a assumir o prejuízo da operação financeira.

  9. Neste quadro, sem que pudesse suspeitar da vigilância de que era alvo pelas autoridades policiais da …, a Requerente foi alvo de dois Mandados de Detenção Europeu, o primeiro datado de 19 de setembro de 2017 e o segundo, datado de 14 de junho de 2019, que são acompanhados do preenchimento do Formulário A, conforme Doc.s 7 e 8 juntos idem.

  10. Aproveitamos a referência a estes documentos para, desde já, apontarmos a nulidade resultante de falsificação da tradução, nos dois documentos, facto previsto e punido pelo art.º 360 do Código Penal, ato grave e atentório da realização da justiça, tão mais reprovável considerada a sua autoria – não pode ser ignorância – confirmando a existência de uma cabala que pretende a sua destruição. Mas porque?. Deus saberá.

  11. Vitimizada pelo abuso de poder, a Requerente tem estado sujeita à mais humilhante e indigna detenção, tendo passado os primeiros quatro dias, na esquadra policial do Aeroporto, numa cela sem luz, bafienta e húmida donde saiu com uma congetivite, privada de água, sabão e papel higiénico – não lhe tendo sido sequer entregues a escova de dentes, a pasta dentífrica , o sabonete e o garrafão de água que os advogados lhe destinaram- nunca se tendo podido lavar ou fazer a mais rudimentar higiene íntima.

  12. Os abusos de que é vítima poderão não ser considerados um fundamento típico do CPP, do crime de dano, mas estão a ferir o respeito pela dignidade humana, num contexto de um espaço europeu, que se pretende justo, mas que se contradiz, na medida em que sobreleve, sobrestima e valoriza “ad infinitum” a eficácia persecutória da repressão, como se ela fosse o maior valor que uma comunidade de Estados tivesse que realizar.

  13. Num outro contexto, ainda muito mais grave, a Requerente tem sido vitimizada também na cadeia de …, aboletada com duas mulheres de etnia … (que respeita) na mesma cela, que se espancaram desenfreadamente durante mais de uma hora, aterrorizando-a e não lhe permitindo sequer dormir, traumatizada pelo choque e pelo medo.

  14. Nenhum dos diversos pedidos de entrega dos 50 euros que depositou, há oito dias, foi satisfeito, como o não foi o de emissão do atestado médico relativo à congetivite de que ali foi tratada.

  15. Tais abusos são objeto de queixa à Associação de Defesa dos Direitos Humanos (ACED) tendo suscitado do respetivo presidente – Prof. Doutor ... – o pedido de intervenção às autoridades carcerárias.

  16. O Estado Português não investiga os abusos que se saiba e nada há que se possa, com sentido útil, fazer a não ser eventualmente buscar a exautoração do Estado que as consente e pratica, pedindo a condenação internacional pela violação manifesta do art.º 46º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, violação que, como bem se vê, assume as características de resistência ao Direito Internacional dos Direitos do Homem, em soluções generalizadamente usadas na manutenção de quaisquer detenções, em nome do respeito pelo Estado requerente.

  17. Em consequência da emissão do MDE a Requerente é mantida em prisão preventiva, qualificada de ilegal e que teoricamente tem como quadro a licitude da ação, a prática decisória assente na teórica equidade do processo, atenta a independência do tribunal, apesar da presunção de inocência, da violação do princípio constitucional do juiz natural, previsto na lei alemã e na CRP e das postergadas garantias de defesa.

  18. Ora, de quanto se narrou já, é evidente que não tem existido um processo equitativo, não foram respeitadas as garantias de defesa e não há a demonstração de qualquer respeito pela presunção de inocência, que seja minimamente visível.

  19. As exigências da celeridade típicas do regime do MDE, em face dos prazos definidos nos art.ºs 16 a 22 da Lei 675/2003, em nada favoreceram, na prática, a longa prisão preventiva (absolutamente inúteis do ponto de vista da investigação material ou da obtenção de qualquer prova consistente).

  20. Os requisitos de celeridade, do cumprimento do principio da legalidade e o respeito pelos direitos fundamentais, têm suporte nos critérios jurisprudenciais do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem que exigem, cujo cumprimento tanto em relação à adequação material da prisão preventiva, e ao respeito pelo principio da legalidade, se não verifica, no presente processo pois: a) A requerente foi objeto de um MDE, datado de 19/09/2017, emitido pelas autoridades ministeriais …, que provocou a sua detenção no dia … de Junho de 2019, no aeroporto de …; b) Tendo sido presente ao Tribunal da Relação de Lisboa no dia 24 de Junho de 2019, foram cumpridos os formalismos previstos nos art.ºs 16º a 18º da Lei 65/2013; c) A Requerente foi ali ouvida e apesar da dedução de oposição ao cumprimento do mandado, foi-lhe aplicada a medida de detenção provisória e concedido prazo para oposição; d) Em 4 de Julho de 2019 a Requerente deduziu duas oposições que endereçou ao Tribunal da Relação de Lisboa: d.1. Uma, doc.º 9, idem, em que impugnou a prisão preventiva e defendeu a falta de fundamentação para a entrega às autoridades alemãs; d.2. Outra, doc.º 10, junto, idem, entregue em consequência de ter sido notificada da promoção levada a cabo pelo MM Publico, junto do Tribunal da Relação.

    PERMITA-SE-NOS RESSALTAR, SENHORES CONSELHEIROS: 23. No prazo que lhe foi concedido para deduzir oposição, a requerida foi surpreendida pela notificação, no dia 2 de Julho, do douto despacho proferido pela ilustre Senhora Desembargadora, datado de 1 de Julho de 2019, o qual por uma razão logica só abaixo se transcreve, proferido em consequência da junção aos autos, de um novo MDE, datado de 14 de Junho de 2019, com o nº 29-GS 5417/19, pela Procuradoria Geral da República de … (…), como consta do papel impresso sob o Brazão do Estado … e do carimbo da carta que capeia aquele mandado e da consequente douta promoção, do Ilustre Senhor Procurador Geral Adjunto, que se transcreve: “O Tribunal de Justiça da União Europeia em decisão proferida em 27 de Maio de 2019 levantou algumas reservas quanto ao PMDB emitido por procurador …. Por tal motivo, às autoridades judiciárias …, por cautela, remeteram novo MDE, agora emitido por autoridade judicial. Foi o caso dos presentes autos em que, tendo a requerida AA sido detida na consequência de MDE emitido por Procurador …, a … remeteu novo MDE, respeitante à mesma requerida, emitido por autoridade judicial em 14 junho de 2019.

    Lisboa 1 julho 2019 O Procurador Geral Adjunto, assinatura ilegível.” 24. Em face da promoção supra, foi proferido pela Senhora Desembargadora o douto despacho referido, cujo teor é o seguinte: “O mandado de detenção europeu emitido por autoridade judicial, é anterior à detenção da requerida, sendo certo que mesmo que não fosse anterior, desde que ratificasse o mandado anterior, seria sempre válida, como se...

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