Acórdão nº 2199/17.8T8PRD-F de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Julho de 2019

Magistrado ResponsávelGABRIEL CATARINO
Data da Resolução04 de Julho de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. – RELATÓRIO.

A requerente, AA, mãe da menor BB, requer providência extraordinária de habeas corpus, relativamente a uma suposta ilegalidade de privação de liberdade da menor/filha, com os fundamentos que a seguir ficam expostos, textualmente. “1. A peticionante é mãe e progenitora da menor BB, nesta data, com a idade de três anos e sete meses.

  1. – Por via, da imputação à progenitora do incumprimento das visitas estabelecidas em sede da regulação do exercício das responsabilidades parentais da menor BB, que, por sua vez, conduziram ao Auto de Notícia elaborado pela GNR, Posto de Baião (19.02.2018), que, erradamente, qualificou a ocorrência como “violência doméstica”, foi instaurado a favor da menor BB o processo de promoção e protecção em referência identificado, pela Comissão de Protecção de Crianças e Jovens em Risco (CPCJ), de ....

  2. – Tendo, mais tarde, o Ministério Público requerido o competente processo judicial de promoção e protecção, o aqui em causa, que foi tramitado pelo Tribunal, desde a primeira diligência, de forma anómala, desigual (o interesse do progenitor nunca poderá ser percebido e decidido acima do da menor, porque o melhor interesse da criança deve ser o critério norteador de toda e qualquer decisão), pois que sem ter atendido às manifestadas e expostas preocupações/inquie-tações da mãe requeridas sempre com o desígnio de acautelar o superior interesse da sua filha, (sempre indeferidas), particularmente, no atinente à concretização das visitas, às quais nunca se opôs e não pretende opor.

  3. – Foi elaborado o primeiro Relatório Social pela EMAT que, como dele se confirma “… a menor não se encontra em risco no que concerne aos cuidados que lhe são prestados, a privação dos convívios com a figura paterna por incumprimento do regime de visitas … , somos do parecer de que deverá ser aplicada uma medida de promoção e protecção, para que a menor passe a conviver regularmente com o pai”.

  4. – Com data de 08.04. 2019, o Tribunal decidiu que “… é certo que o superior interesse da criança seria melhor acautelado junto da mãe, com quem reside ininterruptamente desde a nascença, mas isso, se tivéssemos que privilegiar a continuidade de relações de “afeto de exclusividade” e não relações “de qualidade e significativas. (sublinhado nosso) A privação dos cuidados e acompanhamento diário que sempre foram prestados à menor pela sua progenitora e avós, integram-se como um património de carinho e um direito inalienável daqueles: o direito à protecção da sua tranquilidade, bem estar e à manutenção de prestações de amor por parte dos seus progenitores e/ou pessoas que do meso cuidam de forma estável e continuada.

    Porém, como é do conhecimento comum, é muito fácil amar-se uma criança. E se a criança é amada, facilmente se deixa envolver e estar feliz com aqueles que a amam. E, se aqueles que amam a criança, forme da sua própria família, mais facilmente essa vinculação afetiva se torna uma realidade para todos os intervenientes. Os casos desviantes desta constatação, por escassos, em face da universalidade do tema, não têm a potencialidade de a colocarem em causa”.

    É neste contexto que se entende que, situações urgentes, impõem medidas urgentes”.

  5. – Conquanto tal discurso, o Tribunal, sem que os progenitores e a menor BB (exclusivamente o M.P., em manifesta violação do artigo 85º LPCJP), resolveu alterar a medida que havia sido aplicada, decidindo que: “determino a aplicação à menor de uma medida provisória de apoio junto do pai com integração no agregado familiar deste pelo período de 3 meses, …” 7. – Medida que foi concretizada com intervenção da Guarda Nacional Republicana, no dia 07.06.2019, tendo a menor BB sido detida no Posto da GNR de ..., mais de 4 horas, para ser entregue aos cuidados do progenitor pelo período de 3 meses, sem sequer se ter tido o cuidado, no mínimo, de fixar um regime de visitas à progenitora, negligenciando-se de forma grave o superior Interesse da Criança na perspectiva do respeito pelos seus direitos - “Todas as decisões relativas a crianças, adoptadas por instituições públicas ou privadas de protecção social, por tribunais, autoridades administrativas, ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança.”- artigo 3º da Convenção sobre os Direitos da Criança.

  6. – A menor desde o referido dia encontra-se aprisionada/presa em casa do progenitor, com quem nunca criou afectos/carinho/relações próprias de pai e filho, por isso, privada do meio e pessoas onde sempre esteve, onde foi criada, cuidada, acarinhada, enfim, onde todos os cuidados sempre lhe foram irrepreensivelmente prestados, 9. – Está confinada, constrangida e confrangida a um meio familiar, casa dos avós paternos (onde reside o pai) com quem nunca conviveu ou estabeleceu qualquer tipo de relação), que lhe absolutamente desconhecido.

  7. - Assim, a menor BB, encontra-se privada da sua liberdade, em violação do artigo 27º, nº 3, da Constituição da República Portuguesa, uma vez que não se trata de uma medida de protecção, assistência ou educação, mas uma real violação do artigo 5º, nº 1 e al. d), da Convenção Europeia sobre os Direitos Humanos, que estabelece que ninguém pode ser privado da sua liberdade, salvo se se tratar da detenção legal de um menor feita com o propósito de o educar sob vigilância.

  8. – E, ainda, como foi entendimento do Acórdão deste Venerando Tribunal, de 18.01.2017, em violação do ponto 11, alínea b), do Anexo relativo às regras das Nações Unidas, para a protecção dos jovens privados de liberdade (adoptadas pela Assembleia Geral das ações unidas), na Resolução 45/113, de 14.12. 1990, que entende que “privação de liberdade significa qualquer forma de detenção ou prisão, ou a colocação de uma pessoa num estabelecimento público ou privado, do qual essa pessoa não possa sair por sua própria vontade, por ordem de qualquer autoridade judicial, administrativa ou outra autoridade pública”.

  9. – Reitere-se a fundamentação da medida provisória, “é certo que o superior interesse da criança seria melhor acautelado junto da mãe, com quem desde ininterruptamente desde a nascença, mas isso se tivéssemos que privilegiar a continuidade de relações de afecto de exclusividade e não relações de qualidade e significativas”.

  10. - Mais adiante acrescenta o dito despacho que “situações urgentes impõem medidas urgentes” 14. – Desconhece-se, no contexto predito, qual a situação apelidada de “urgente”. Não foi dita nem explanada, nem existe qualquer parecer técnico donde isso discorra.

  11. – Sabe-se, e é entendimento comummente sufragado pela Doutrina e Jurisprudência, que as as medidas provisórias obedecem aos mesmos requisitos das medidas a que alude o artigo 34º, da LPCJP, designadamente o “perigo”.

  12. - Uma criança diz-se em perigo, segundo a definição da COMISSÃO NACIONAL DE PROMOÇÃO DOS DIREITOS E PROTEÇÃO DAS CRIANÇAS E JOVENS, que “não basta a existência duma situação que afete os direitos fundamentais da criança; é necessário que ela se encontre desprotegida, face a esse perigo. A Lei de Proteção das Crianças e Jovens em Perigo enumera a título exemplificativo algumas situações que se enquadram no conceito de perigo: - Estar abandonada ou viver entregue a si própria; - Sofrer maus tratos físicos ou psíquicos; - Ser vítima de abusos sexuais; - Não receber os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal; - Ser obrigada a atividades ou trabalhos excessivos /inadequados à sua idade, dignidade e situação pessoal ou prejudiciais à sua formação ou desenvolvimento; - Estar sujeita, de forma direta ou indireta, a comportamentos que afetam gravemente a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento sem que os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto se lhe oponham de modo adequado a remover essa situação”.

  13. - Por sua vez, nos termos do artigo 5 º, alínea c), da LPCJP estabelece que “Situação de emergência - a situação de perigo atual ou iminente para a vida ou a situação de perigo actual ou iminente de grave comprometimento da integridade física ou psíquica da criança ou jovem, aplicação de medidas de promoção e proteção cautelares”.

  14. - Podendo, o Tribunal aplicar medidas cautelares previstas nas alíneas a) a f), do nº 1 do artigo 35º da LPCJP, nos termos do artigo 92º da mesma disposição legal, enquanto se proceda ao diagnóstico.

  15. - Ora, não é isto que sucede, insistindo-se que esta medida parece visar a resolução do desentendimento sobre o regime de visitas ao progenitor, através de carcere privado da menor em desrespeito total pelos seus direitos enquanto pessoa e criança, sem que exista perigo ou urgência que pudessem determinar a necessidade de acolhimento por outro familiar, desintegrando-a do seu seio, em total proibição de contacto com o seu mundo, como resulta do próprio despacho, que é composto pela sua mãe e seus avós maternos, forçando-se de forma violente à deslocalização para um mundo completamente diverso e cuja dimensão nunca irá compreender, como se a mãe houvesse morrido.

  16. - Esta autêntica pena de prisão da menor ir-lhe-á causar necessariamente transtornos psíquicos, emocionais, cujas as consequências nunca serão conhecidas, porque nem sequer há qualquer acompanhamento profissional em termos apsíquicos que possam monitorizar o sofrimento da criança.

  17. - De resto, esta medida foi tomada sem que tivesse vindo ao pensamento do aplicador da mesma a necessidade de previamente serem ouvidos os profissionais da saúde psíquica, que determinassem se o interesse superior da criança estaria ou não acautelado, ou se seria atingido com a sua aplicação.

  18. – Consequentemente, a pessoa que se encontra lesada nos seus direitos consagrados na legislação nacional e internacional, com a medida aplicada pelo Tribunal, que nunca o poderia e deveria ser, é a menor BB, que está ilegalmente privada da sua liberdade, retida na casa dos avós paternos, manifesta e claramente contra a sua vontade, em sofrimento, não compreendendo a razão do...

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