Acórdão nº 566/12.2PCCBR.C2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelMAIA COSTA
Data da Resolução26 de Junho de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório Por sentença de 15.2.2017 do Juízo Local Criminal de ... foram os arguidos AA e BB condenados por um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo art. 143º, nº 1, do Código Penal, sendo ambos dispensados de pena, ao abrigo do nº 3, a), do mesmo artigo.

Desta sentença recorreu cada um dos arguidos para o Tribunal da Relação de Coimbra. Por acórdão deste Tribunal de 8.5.2018, ambos os recursos foram julgados improcedentes.

Notificada do acórdão, a arguida BB veio juntar o requerimento que segue: 1º Consabidamente - ou, ao menos, do presumível domínio de qualquer esclarecido jurista - qualquer acórdão, sentença ou mero despacho devem ser facilmente apreendidos e compreendidos pelas partes a quem, aliás, se destinam.

  1. Sendo os Tribunais os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, como estipula o artigo 202° da Constituição da República Portuguesa, prevalecendo as suas decisões sobre as de quaisquer outras autoridades (artigo 206°, n° 2 da Constituição da República Portuguesa) impõe-se-lhes que se façam compreender por todos, para que por todos sejam respeitados e a todos se imponham.

  2. Deveria, pois, estritamente pautado pelo rigor de tal basilar princípio, ser o acórdão proferido entendível e inteligível (pelo menos) pelas partes a quem se destina, designadamente e no que ora interessa, pela ora requerente, o que não sucede, nem podia suceder, face à hermética e complicadíssima linguagem e construção gramatical utilizada.

  3. É, assim, o acórdão proferido, todo ele, total e absolutamente obscuro (aliás, completamente opaco) não sendo possível à ora requerente (que, salienta-se, não tem apenas a escolaridade obrigatória, sendo licenciada e até doutorada em medicina) nem a qualquer mediano leitor colocado no lugar da ora requerente - o homem médio, bitola que deve impor-se a qualquer julgador - apreender o seu conteúdo e, consequentemente, percebê-lo e conformar-se, pela clareza dos argumentos, com a bondade/justeza da sua decisão.

  4. O que não sucede no caso dos autos, sendo o acórdão proferido totalmente ininteligível, quer pela despropositada "erudição de conceitos", quer pelo inusitado tamanho das frases (várias com mais de 20 linhas), que não permitem, nem seguir o "fio à meada", nem acompanhar a lógica de pensamento, não sendo perceptível, nem sequer para o mais esclarecido dos juristas, o raciocínio seguido pelo julgador.

  5. Não sendo possível acompanhar o raciocínio do julgador, não é possível compreender a decisão por este tomada, ou seja não é possível perceber a exposição dos motivos - de facto e de direito - que fundamentaram tal decisão.

  6. Bem vistas as coisas, é como se a mesma não existisse.

  7. O mesmo é dizer que não contém o douto acórdão proferido - porque não perceptível para os seus principais destinatários: as partes e seus mandatários - as menções referidas no n° 2 do artigo 374° do Código Penal, designadamente, a fundamentação da decisão, sendo o mesmo nulo e não produzindo qualquer efeitos, nos termos do artigos 425° n° 4 e 379° n° 1, alínea a) do Código de Processo Penal.

  8. Nulidade esta que ora expressamente se invoca para todos os devidos e legais efeitos.

    Sem prescindir, 10° Mas este não é o único vício de que padece o douto acórdão proferido.

  9. Com efeito, nos termos do artigo 410°, n° 1 do Código de Processo Penal, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida - ou seja, também a matéria de facto produzida em Audiência de Discussão e Julgamento.

  10. Mais: a lei permite inclusivamente que, mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito – o que não é (ou achava a ora requerente que não era) o caso dos autos - ainda assim, dentro dos limites impostos peio n° 2 do artigo 410° do Código de Processo Penal, é possível que o recurso tenha como fundamento a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, ou a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão ou o erro notório na apreciação da prova.

  11. No entanto, nestes casos (em que a lei restringe a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o que é, repete-se, o caso dos autos), tal vício deve resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.

  12. No caso dos autos, conhecendo o Tribunal da Relação de facto e de direito (artigo 428° do Código de Processo Penai), tendo a ora requerente impugnado a decisão proferida sobre a matéria de facto, especificando os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e quais as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida (artigo 412°, n° 3 do Código de Processo Penal), e constando do processo todos os elementos de prova que lhe serviram de base (artigo 431°, alínea a) do Código de Processo Penal), pode a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto ser modificada.

  13. Para tanto, impõe-se ao Tribunal Superior que aprecie a prova produzida, designadamente, a prova indicada pela recorrente como impondo decisão diversa da recorrida e, após tal apreciação, decida pela alteração ou manutenção da decisão proferida pela 1ª instância - sempre fundamentando a sua decisão, como lhe impõe a artigo 374° do Código de Processo Penal e o artigo 205° n° 1 da Constituição da República Portuguesa, 16° O que não sucedeu no caso dos autos, não tendo o Tribunal da Relação apreciado a matéria de facto, como lhe foi pedido que apreciasse.

  14. Aliás, do pouco que o signatário da presente peça processual consegue apreender do douto acórdão proferido - já que a ora requerente nada percebe - entende esse douto Tribunal que não lhe compete (re)analisar a prova produzida, designadamente a indicada peia ora requerente, mas apenas verificar se a sentença proferida fundamentou a decisão acerca da matéria de facto.

  15. A ser assim, isto é, ao interpretar o artigo 412°, n° 3, alínea b) no sentido de que não é necessário ao Tribunal de 2ª instância reanalisar a prova indicada pelo recorrente quando da sentença conste a fundamentação para a fixação da matéria de facto, entende a ora requerente que fez o douto tribunal da Relação de Coimbra uma interpretação inconstitucional dos artigos 412° n° 3, alínea b) e 431°, alínea a) do 431° do Código de processo Penai, por violação dos artigos 20° e 32°, n°s 1 e 9 da Constituição da República Portuguesa e dos princípios do acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva, inconstitucionalidade essa que ora expressamente se invoca para todos os devidos e legais efeitos.

  16. Não tendo apreciado as questões suscitadas no seu recurso, designadamente, não tendo apreciado criticamente a matéria de facto indicada pela ora requerente, que foi chamado a apreciar, deixou o douto Tribunal da Relação de se pronunciar sobre questão que se lhe impunha que apreciasse, o que determina a nulidade da sentença, nos termos do artigo 379º, nº 1 al. c) do Código de Processo Penal, nulidade essa que ora expressamente se invoca para todos os devidos e legais efeitos.

  17. Ressalva-se o caso de ter, eventualmente, o acórdão proferido apreciado tal matéria de facto, não tendo, no entanto, a ora requerente percebido que tal sucedeu, por não ter conseguido, como se referiu já, compreender o que se escreveu no referido acórdão.

  18. Caso em que sempre será o acórdão nulo, por ininteligível, nos termos já supra invocados.

    Esse requerimento foi indeferido por acórdão da Relação de 10.10.2018, com o seguinte teor: I BB, arguida, notificada do acórdão desta Relação exarado a fls. 1805/1826, por cujo conteúdo – no que lhe respeita – se julgou improcedente o recurso que interpusera da sentença documentada na peça de fls. 1607/1625, essencialmente decisória da dispensa de pena por ajuizado cometimento dum ilícito criminal de ofensa à integridade física (p. e p. pelo art.º 143.º/1 do Código Penal) da pessoa de AA, nele discorreu putativos vícios de invalidade (nulidade) jurídico-processual por afirmada incompreensibilidade da respectiva fundamentação, em evocada razão de excepcional erudição redactorial e técnico-jurídica, virtualmente inalcançável/ininteligível pela própria cidadã-arguida e pela generalidade da comunidade nacional (!), e/ou omissão de pronúncia quanto à manifestada impugnação do próprio ajuizamento factual, [pretensamente tipificados sob o art.º 379.º/1/a)/c) do CPP], cuja arguição (naturalmente pelo seu Exm.º advogado) incidentalmente materializou pela peça ilustrada a fls. 1831/1833.

    II Irreconhece-se, porém, qualquer racional sustentabilidade jurídico-processual a tal inusitada/curiosa/desconcertante – quiçá ridícula, máxime no que ao primeiro sinalizado argumento concerne – arguição de invalidade do enunciado aresto, cujo textual conteúdo, naturalmente redigido em estilo pessoal do relator, linguisticamente cuidado e de matriz...

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