Acórdão nº 1565/16.0T8PNF.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelCATARINA SERRA
Data da Resolução17 de Outubro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. RELATÓRIO AA, solteira, maior, veio propor a presente acção declarativa de condenação com processo comum, contra CAIXA BB, (DE ORA EM DIANTE “BB”), Cooperativa, NIPC 50…8, com sede no …, … …, concluindo a final pedindo seja a ré condenada – contratual ou extracontratualmente – a satisfazer à autora, a título de indemnização quanto aos danos patrimoniais da autora, o valor dos bens furtados do interior do cofre 247, que totalizam o montante de cento e vinte e nove mil quatrocentos e noventa euros (€129.490,00).

Para tanto, alegou, em síntese, que tinha um conjunto de bens por si guardados num cofre situado na sede da BB, no …, em … e que, em virtude de negligência da BB e dos seus representantes, o cofre que havia locado foi objecto de um furto, tendo desaparecido tal conjunto de bens, o que lhes causou danos patrimoniais correspondentes ao valor dos bens.

Contestou a ré, concluindo pela improcedência da acção, posto que o furto efectivamente ocorrido se não deveu a qualquer negligência da ré, antes a acto de terceiros, os AA do furto, altamente especializados, em termos de a respectiva actuação não ser evitável pela ré, que cumpriu todos os deveres contratuais de guarda e diligência que se lhe impunham. Sempre com os mais elevados padrões de segurança aplicáveis a este tipo de actividade. Na verdade, não foi por culpa (aqui se incluindo a negligência) da BB que o assalto se verificou e que os criminosos conseguiram efectuar o assalto. Como não foi por culpa (nem mesmo negligência) dos seus administradores, muito menos do que acorreu ao local nessa noite, que o assalto se efectuou; uma vez que, perante a dimensão dos meios empregues pelos assaltantes, a preparação que demonstraram, o grau de conhecimento dos níveis de segurança existentes e o seu profissionalismo, nada poderia, em termos razoáveis, fazer a BB, mesmo tendo em conta elevados padrões de segurança que aplicou e aplica.

Cabendo à ré a obrigação de garantir a integridade exterior do cofre, o que fez, por meio do emprego das mais modernas técnicas de segurança.

Sempre a não responsabilidade da ré nestas situações se encontra expressamente prevista no contrato – e disso os autores tinham e têm perfeito conhecimento, que dispõe que “…a perda ou deterioração desses objectos serão sempre da responsabilidade do CLIENTE…”.

Mais impugna estarem em causa os bens cujo valor vem reclamado pela autora, por desconhecimento.

Finalmente, aduz a ré BB que tinha contratado com a sociedade comercial CC - Prestação de Serviços de Segurança e Vigilância, SA um contrato de prestação de serviços de segurança e vigilância. Donde, acaso se tivesse verificado, no âmbito da factualidade em apreço, um qualquer incumprimento das obrigações contratuais da BB no âmbito da segurança e vigilância – que não houve – e acaso tal incumprimento decorresse de qualquer actuação abrangida pelo mencionado contrato de prestação de serviços, sendo a BB condenada a indemnizar os autores, teria a BB direito de regresso contra a mencionada CC para ser indemnizada pelos prejuízos que, nesse caso, lhe causaria a perda da demanda. Donde a justificação do interesse em que a CC intervenha no processo, como auxiliar na defesa.

Admitida a intervenção acessória, como pedida, veio a interveniente aduzir o cumprimento por si da totalidade das obrigações contratualmente assumidas e requer a intervenção, por seu turno, da companhia de Seguros DD, para a qual tinha transferida a respectiva responsabilidade por eventos como o em apreço.

Foi ainda admitida a intervenção acessória da DD, que apresentou nos autos articulado basicamente coincidente com o da respectiva segurada, pugnando pela não verificação de qualquer evento coberto pelo contrato convocado.

Em 8.11.2017 foi proferida, pelo Tribunal de 1.ª instância, a seguinte decisão: “Tudo visto, julgo a acção parcialmente procedente, por provada e, em consequência, condeno a Ré BB a satisfazer à Autora a quantia de 128.470 EUR.

Absolvo-a do mais peticionado”.

* A BB apelou para o Tribunal da Relação do Porto, impugnando a decisão sobre a matéria de facto e pedindo a revogação da sentença.

Contra-alegou a autora argumentando no sentido do não provimento do recurso.

Em 10.09.2018 foi proferido o Douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, com a seguinte decisão: “Nestes termos, sem prejuízo das supra referidas alterações à matéria de facto, nega-se provimento ao recurso e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida”.

* Deste Acórdão interpôs recurso de revista a ré BB. Convicta da admissibilidade do recurso por via normal ou, subsidiariamente, por via excepcional, pedia a revogação do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto e a total improcedência da acção.

Formulou a ré / ora recorrente BB as conclusões seguintes: 1. O presente recurso de revista vem interposto do douto Acórdão, datado de 10.09.2018, proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, que negou provimento ao recurso de Apelação interposto pela ora Recorrente BB da douta sentença, proferida em primeira instância, pelo Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, Juízo Central Cível de … – Juiz …, no âmbito da ação em que figurava como Autora AA.

  1. O Tribunal da Relação do Porto alterou a matéria de facto dada como provada em 1ª Instância, tendo prolatado uma decisão diversa desta, e assentando o Acórdão, quanto aos pressupostos da responsabilidade civil, em factos diversos, embora concluindo, ainda assim, pela condenação da ora Recorrente, com o que esta não se conforma.

  2. Pelo que, ainda que a conclusão de Direito seja a mesma da sentença – a de que estão reunidos os pressupostos de aplicação do instituto da responsabilidade contratual – a fundamentação de facto em ambas as decisões apresenta diferenças relevantes, uma vez que o rol de factos considerados como provados e que estão na base do iter decisório sofreu alterações.

  3. O Acórdão recorrido, para além de não cumprido cabalmente os seus deveres quanto à alteração da matéria de facto e, para além disso, ainda que nada houvesse a corrigir quanto aos factos dados como provados e não provados, fez uma errada interpretação e aplicação dos preceitos legais, violou leis substantivas e processuais e errou na aplicação das leis de processo, tendo proferido uma decisão que se revela manifestamente injusta e claramente violadora do basilar instituto jurídico da responsabilidade civil contratual, violando o disposto no artigo 483º, nº 1 do CC.

  4. O Tribunal a quo, no exercício da competência que lhe é atribuída para a fixação da matéria de facto, violou a lei processual, por erro de interpretação e aplicação das normas constantes do artigo 662.º, n.º 1 e 2 do CPC, o que se inscreve ainda no âmbito de sindicância do recurso de revista, em conformidade com o disposto no artigo 674.º, n.º 1, al. b) do CPC.

  5. A decisão de facto não constitui base suficiente para a decisão de direito e ocorrem contradições insanáveis na decisão sobre a matéria de facto por parte do Tribunal da Relação que poderão inviabilizar a decisão jurídica do pleito, em violação do disposto no artigo 607º, nº 4 do CPC.

  6. Veja-se também que, num ponto essencial do regime jurídico aplicável ao caso, o Tribunal de 1ª Instância considerou nula a cláusula contratual pela qual as partes acordaram que a Recorrente não seria responsável pelo conteúdo dos cofres dos AA., ao passo que o Tribunal da Relação, não pondo em causa a respetiva validade, apenas afirmou que a mesma não teria o alcance que a Recorrente lhe atribui.

  7. Sem prescindir de tudo o até agora exposto, caso seja entendido estar-se perante uma situação de “dupla conforme”, a Recorrente BB interpõe Recurso de Revista Excecional, nos termos do artigo 672º do CPC 9. Com efeito, as questões em causa nos presentes autos da (i) “qualificação dos contratos de locação de cofre” e correspondentes direitos e obrigações das partes, (ii) das cláusulas contratuais, (iii) dos deveres dos funcionários bancários em caso de evento de cariz criminal, (iv) do nexo de causalidade entre facto e danos e (v) Suscetibilidade de se dar como provado um facto essencial (que os bens pretensamente colocados no cofre no dia da celebração do contrato aí se mantiveram ao longo dos mais de 2 anos que durou o contrato) apenas com base na alegação feita na PI e sem qualquer prova…nem mesmo por “declarações de parte” são questões cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.

  8. São também questões que assumem acentuada “relevância social”, por terem ponderosas implicações na vida patrimonial e profissional de um grande número de pessoas, sendo ademais inegável que os efeitos das soluções a dar a estas questões se projetarão para além da esfera jurídica da Recorrente e do universo dos seus clientes.

  9. O douto Acórdão recorrido entra em frontal contradição, quanto a duas das questões acima mencionadas, com o que o Tribunal da Relação do Porto havia decidido sobre as mesmas questões de Direito (e de facto!), através do douto Acórdão prolatado no processo que correu termos pela … Secção, Processo N.º 351/14.7TBPNF.P1, datado de 08.05.2017, já transitado em julgado.

  10. O que sempre justificaria a admissão da revista excecional a título subsidiário interposta, e a apreciação de tais relevantes questões por este Supremo Tribunal.

  11. O douto Acórdão é nulo por manifesta contradição entre a fundamentação constante de fls 456 dos autos e os factos provados, uma vez que o que consta de tal fundamentação corresponde a factualidade expressamente considerada como não provada pelo Tribunal da Relação. Esta contradição constituiu causa de nulidade do Acórdão, conforme vem previsto no artigo 615º, 1 c) do CPC, por remissão do disposto nos artigos 685º e 666º do CPC.

  12. O douto Acórdão é também nulo por manifesta contradição entre o decidido nos pontos U), V) e X) da matéria de facto provada (decisão) e a fundamentação constante de fls 453 dos autos. Naquela...

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