Acórdão nº 5992/13.7TBMAI.P2.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelCATARINA SERRA
Data da Resolução17 de Outubro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. RELATÓRIO AA instaurou a presente acção com processo comum de declaração contra a Companhia de Seguros BB, S.A.

, actualmente denominada CC, S.A.

, pedindo o autor que a ré seja condenada a pagar ao autor a quantia de € 79.293,30, sendo € 62.349,74 a título de capital e € 16.943,56 de juros vencidos, acrescida de juros legais vincendos até efectivo e integral pagamento.

Para o efeito alega que foi lesado com a conduta omissiva do seu mandatário, Dr. DD, por si constituído em acção judicial, em resultado da não apresentação do articulado da contestação, mandatário este que foi condenado, por via da omissão em causa, noutra acção por ele autor instaurada, a pagar-lhe a quantia de € 62.349,74, acrescida de juros de mora a partir da citação (a respectiva sentença transitou em julgado). Segundo a autora, uma tal conduta está coberta pelo contrato de seguro titulado pela apólice n.° 28…9, que a Ordem dos Advogados celebrou com a ré, pelo que deve ser esta a pagar-lhe aquela quantia e juros.

A ré apresentou contestação, onde requereu a intervenção principal provocada do Dr. DD e se defendeu por excepção e por impugnação, invocando a ineficácia do caso julgado, a ilegitimidade activa, a exclusão da cobertura da apólice, a inexistência de responsabilidade civil, bem como a inexigibilidade, ilegalidade e prescrição dos juros, concluindo pela procedência do aludido incidente e das excepções invocadas, com a consequente absolvição da instância ou dos pedidos.

Após certas vicissitudes dos autos, realizou-se a audiência de discussão e julgamento e foi proferida sentença, em 28.03.2017, julgando a acção parcialmente procedente e condenando a ré a pagar ao autor a quantia de € 74.006,54, acrescida de juros moratórios à taxa legal de 4% ao ano sobre a quantia de € 62.349,74 desde aquela data até integral pagamento, absolvendo-se a ré do restante peticionado.

Inconformada, a ré interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, tendo sido proferido um Acórdão em que, na procedência parcial da apelação, se decidiu anular a sentença recorrida e ordenar a ampliação da matéria de facto, determinando que fossem objecto de prova os factos provados sob os números 13.º a 44.º da fundamentação de facto, bem como anular o julgamento nesta parte.

Irresignado, por sua vez, o autor, AA, interpôs recurso de revista deste Acórdão, invocando a ofensa de caso julgado, nos termos do artigo 629.º, n.º 2, al.

a), do CPC e, em 8.01.2019, o Supremo Tribunal de Justiça proferiu um Acórdão.

Apreciando a questão de saber se a sentença proferida na acção proposta pelo lesado contra o lesante, transitada em julgado, vale na acção posterior proposta pelo mesmo lesado contra a Seguradora do lesante, que não interveio na primeira, como autoridade de caso julgado, o Supremo Tribunal concluiu que “se o segurado estiver obrigado a indemnizar, o segurador está também obrigado, uma vez que é esse o risco contratado”; por conseguinte, “a decisão proferida na acção proposta pelo lesado contra o segurado, onde este foi condenado, por sentença transitada em julgado, a pagar àquela a quantia de 62 e respectivos juros de mora é pressuposto indiscutível da decisão a proferir na acção proposta contra a Seguradora, já que foi esse o risco que esta cobriu”. Nessa conformidade, revogou o Acórdão recorrido e ordenou a baixa dos autos à Relação para serem apreciadas as questões ainda não respondidas por este Tribunal.

Na sequência disto, foi proferido novo Acórdão pelo Tribunal da Relação do Porto, em que, na improcedência total do recurso de apelação, se decidiu confirmar a sentença recorrida.

Vem agora a ré, CC, S.A., interpor recurso de revista deste Acórdão, por via excepcional, invocando o artigo 672.º, n.º 2, als.

  1. e b), do CPC e pugnando pela revogação do douto Acórdão na parte por si impugnada.

    São as seguintes as conclusões das suas alegações: “1ª. In casu, estamos perante uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito ou que estão em causa interesses de particular relevância social, pelo que o presente recurso deve ser liminarmente admitido, ex vi dos arts. 671º e 672º do CPC (v. art. 640º do CPC); 2ª. No caso sub judice, a posição jurídica da ora Recorrente, na qualidade de seguradora do R., com inerente transferência da sua responsabilidade por erro profissional até ao limite máximo coberto, descontada a franquia, é claramente paralela e dependente da do R., considerando que face a uma possível condenação existirá uma condenação solidária entre a ora Recorrente e o R. em consequência do contrato de seguro nos autos.

    1. O A. Recorrido não alegou, demonstrou ou provou a existência de qualquer Dano, consistente na “supressão ou diminuição duma situação jurídica favorável que estava protegida pelo Direito” (v. Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 1980, Vol. II, AAFDL, p.p. 283; cfr. Gomes da Silva, O Dever de Prestar e o Dever de Indemnizar, 1944, 80), consubstanciado em perda de oportunidade ou de “chance” que fundamente a pretensão indemnizatória peticionada e que foi sufragada pelo Tribunal “a quo”, não tendo minimamente ficado provado ou sequer sido alegado uma probabilidade séria da procedência dos alegados direitos do Recorrido (v. arts. 483° e segs. e 798° e segs. do C. Civil; cfr. art. 342° do C. Civil).

    4a. O A. Recorrido não invocou ou demonstrou - como lhe competia (v. art. 342° do C. Civil) -, nem se verificam in casu os pressupostos de que dependeria a responsabilidade do R. DD pelos pretensos danos e prejuízos invocados e pelos quais foi condenado (arts. 9o, 342°, 496°, 483° e segs., 562° a 566°, 798° e segs., do C. Civil).

    5a. A eventual indemnização a atribuir pelo Tribunal “a quo” nos presentes autos pelo prejuízo que resulta dos erros e omissões do R. DD “consubstancia a figura da perda de chance” pelo que teria necessariamente de ser determinada de acordo com juízos de equidade, o que não sucedeu (v. arts. 562° e 566° do C. Civil; cfr. Ac. STJ de 2010.09.28, Proc. 171/2002.S1, e Ac. RL de 2010.03.04, Proc. 1.410/2004.0TVLSB.L1-8, ambos in www.dgsi.pt).

    6a. No caso sub judice, do montante indemnizatório a arbitrar sempre teria de ser descontada a franquia no valor de € 5.000,00 contratada no contrato de seguro celebrado com a ora Recorrente, a qual fica a cargo do segurado DD) (v. Ac. RE de 2010.07.08, Proc.

    1190/08.0TBSTC.E1, www.dgsi.pt; Cfr. RC 2012.04.24, Proc.

    347/11.0TJCBR.C1, www.dgsi.pt).

    7a. O douto acórdão recorrido enferma assim de manifestos erros de julgamento, tendo violado frontalmente o disposto nos arts. 99°/1 do EOA arts. 137° e segs. da LCS (DL 72/2008), arts. 9o, 342°, 496°, 483° e segs., 512° e segs., 566° e 798° e segs. do C. Civil)”.

    O autor apresentou contra-alegações, pugnando, essencialmente, pela inadmissibilidade da revista.

    Admitida a revista excepcional ao abrigo do artigo 672.º, n.º 2, al.

    a), do CPC, pela Formação referida no artigo 672.º, n.º 3, do CPC, por Acórdão de 27.06.2019, cumpre agora a este colectivo de juízes apreciar e decidir do objecto do recurso.

    Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC), as questões, in casu, são as de saber: 1.ª) se existe responsabilidade civil da ré / ora recorrida, designadamente se se verifica o pressuposto do dano; 2.º) no caso afirmativo, se a obrigação de indemnização a cargo da ré / recorrida deve ser fixada com base em critérios de equidade; e 3.ª) se deve ser “descontada” a franquia de € 5.000,00 fixada no contrato de seguro celebrado entre a Ordem dos Advogados e a ré / ora recorrente.

    * II. FUNDAMENTAÇÃO OS FACTOS São os seguintes os factos que vêm provados no Acórdão recorrido: 1.

    A Ordem dos Advogados celebrou com a R. um contrato de seguro de responsabilidade civil profissional através da apólice n.° 00028…9 tendo por objecto o risco decorrente de acção ou omissão dos actos e omissões praticados pelos advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados, no exercício da sua profissão.

    1. Nos termos do ponto 10 das condições particulares da apólice em causa, sob a epígrafe "Período de Cobertura, a apólice em causa vigora pelo período de 24 meses, com data de início de 1/01/2012 às 00.00 h e vencimento às 00.000 de 1/01/2014.

    2. A apólice teve o seu início de vigência em 1/01/2012.

    3. Nos termos do ponto 7. das condições particulares da apólice, sob a epígrafe "Âmbito Temporal", a seguradora assume a cobertura da responsabilidade do segurado por todos os sinistros reclamados...

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