Acórdão nº 1358/16.5T8CSC.L2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Outubro de 2019
Magistrado Responsável | ANTÓNIO LEONES DANTAS |
Data da Resolução | 09 de Outubro de 2019 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I AA intentou a presente ação declarativa com processo comum contra BB, S.A., pedindo que a ação fosse considerada procedente, por provada, e em consequência:
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Seja reconhecida a relação estabelecida entre o Autor e Ré, entre 1 de julho de 2004 e 6 de junho de 2015, como consubstanciando um contrato de trabalho, por ali trabalhar em exclusividade durante todo o período de duração do contrato; b) Seja a Ré condenada a pagar ao Autor os montantes correspondentes a retribuição de maio / junho de 2015, bem como os montantes correspondentes a subsídios de Natal e subsídios de férias, no período indicado na alínea anterior, proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal respeitantes a 2015, tudo no montante de € 24.922,01 (vinte e quatro mil, novecentos e vinte e dois euros e um cêntimo), acrescidos dos respetivos juros moratórios vencidos, e bem assim os juros moratórios vincendos, até efetivo e integral pagamento; c) Seja julgada ineficaz a cessação do contrato de trabalho, por unilateral pela Ré, e em substituição da reintegração ser a Ré condenada a pagar ao Autor, uma indemnização não inferior a € 13.929,90 (treze mil, novecentos e vinte e nove euros e noventa cêntimos), acrescido dos juros moratórios que se vierem a vencer desde a citação até efetivo e integral pagamento.
Invocou como fundamento da sua pretensão, em síntese, ter sido admitido ao serviço da Ré em 6 de junho de 2005, para trabalhar sob as suas ordens e direção, mediante um contrato denominado de “Prestação de Serviços”, para exercer as funções de instrutor de ginástica e que exerceu tais funções mediante o pagamento de uma retribuição mensal até 6 de junho de 2015, data em que lhe foi comunicada por escrito a cessação do contrato. Alegou também que tal consubstancia um despedimento ilícito, conferindo-lhe o direito a uma indemnização, por que opta, reclamando ainda nos presentes autos o pagamento de todos os créditos que lhe eram devidos e que a Ré, ao longo do tempo de execução do contrato de trabalho, não lhe pagou, o que igualmente reclama nos presentes autos.
Na contestação apresentada, a Ré invocou, em suma, que a relação entre as partes não consubstanciava um contrato de trabalho, mas sim de prestação de serviço, tal como acordaram por escrito, desenvolvendo o Autor a sua atividade com autonomia quando entendesse e durante o período de tempo que entendesse, sendo livre de prestar a sua atividade a outras entidades e podendo fazer-se substituir na sua prestação. Invocou também que a pretensão do autor configura abuso de direito, caso se entenda que se verifica a relação laboral por ele alegada. Concluiu pela improcedência da ação ou pela procedência da exceção, com a sua absolvição do pedido. Pediu também a condenação do Autor como litigante de má fé em indemnização a seu favor.
A ação prosseguiu seus termos e veio a ser decidida por sentença que integrou o seguinte dispositivo: «Face ao exposto julgo a ação procedente e, em consequência: - reconheço a existência de um contrato de trabalho entre o autor AA e a ré CC S.A., com início em 1 de Julho de 2004; - declaro ilícito o despedimento do autor promovido pela ré em 6 de Junho de 2015 e, consequentemente, condeno a ré a pagar ao autor uma indemnização, a liquidar, em substituição da reintegração correspondente a 20 (vinte) dias de retribuição base (€ 1.167,31 - mil cento e sessenta e sete euros e trinta e um cêntimos -) por cada ano completo ou fração de antiguidade, desde a admissão ao serviço (em 1 de Julho de 2004) até ao trânsito em julgado da presente sentença, acrescida de juros à taxa legal de 4% contados desde a data da citação e integral pagamento; - condeno a ré a pagar ao autor a quantia global de € 24.922,01 (vinte e quatro mil, novecentos e vinte e dois euros e um cêntimo), a título de créditos laborais, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, devidos desde o vencimento de cada uma das prestações e até integral pagamento.
Custas pela ré – art. 527º do Código de Processo Civil Valor da causa: € 35.038,74 – art. 297º, nº 1 e 2, Código de Processo Civil ex vi art. 1º, nº 2, al. a), do Código de Processo do Trabalho.» Inconformada com esta decisão, dela apelou a Ré para o Tribunal da Relação de Lisboa, que veio a conhecer do recurso por acórdão de 27 fevereiro de 2019, nos seguintes termos: «Em face do exposto: 6.1. julga-se parcialmente procedente a impugnação da matéria de facto deduzida e, em consequência: 6.1.1. alteram-se os pontos 12º, 15º, 19º, 21º, 26º, 27º, 30º, 48º e 67º, da matéria de facto nos termos sobreditos; 6.1.2. elimina-se o ponto 14º da decisão de facto da 1.ª instância; 6.1.3. acrescentam-se à mesma matéria os pontos 26-A, 30-A, 67-A e 67-B; 6.2. decide-se, quanto ao mais, negar provimento à apelação e confirmar a sentença recorrida.
Condena-se a recorrente nas custas de parte que haja.
Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do CPC, anexa-se o sumário do presente acórdão».
Ainda irresignada com o assim decidido, veio a Ré recorrer de revista para este Supremo Tribunal, integrando nas alegações apresentadas, com interesse no âmbito do objeto do recurso, as seguintes conclusões: «I. Da admissibilidade do presente recurso I a XX - (…) II. Do Recurso a)Das normas jurídicas violadas XXI. O Tribunal da Relação de Lisboa, face à matéria provada, considerou o regime aplicável à relação jurídica entre as partes a prevista no art. 10º do Código de Trabalho, ou seja entendeu existir um contrato de trabalho.
XXII. A Recorrente discorda do entendimento por considerar que não foi realizada uma correta aplicação do direito aos factos provados, pois entende que o enquadramento jurídico deveria ter resultado na subsunção dos fatos ao regime do contrato de prestação de serviço previsto no art. 1154º do Código Civil.
XXIII. Invoca-se, assim, o erro na determinação da norma aplicável, pois deveria ter sido aplicável o previsto no art. 1154º do Código Civil à relação jurídica dos autos.
XXIV. Acresce que a Recorrente também discorda da aplicação do direito, no que diz respeito à presunção prevista no art. 12º do Código de Trabalho aprovado pela Lei 99/2003 de 27 de Agosto.
XXV. A Recorrente discorda da aplicação deste normativo pois não resulta da matéria provada a verificação de todos os indícios previstos na presunção legal, sendo que caso se verificassem tais indícios, a referida presunção teria sempre sido ilidida pela Recorrente.
XXVI. Subsidiariamente, e sem conceder de tudo o alegado no presente recurso, a Recorrente invoca também a violação do art. 334º do Código Civil, a qual prevê o abuso de direito, XXVII. Por fim, sem conceder de todo o exposto no presente recurso, sempre deverá ser considerado que a interpretação do art. 12º do Código de Trabalho aprovado pela Lei 99/2003 de 27 de Agosto, realizada pelo Tribunal a quo no sentido de que o Recorrido beneficia a seu favor de uma presunção de existência de contrato de trabalho sempre violaria o princípio da igualdade consagrado no art. 13º da Constituição da República Portuguesa, XXVIII. Invocando-se, nesta sede, a violação do art. 13º da CRP, e a interpretação que é realizada ao art. 12º do Código de Trabalho, aprovado pela Lei 99/2003 de 27 de Agosto, nos termos acima referidos.
b) Do Recurso XXIX. Os factos considerados provados levam a considerar que entre as partes inexistiu qualquer vínculo de subordinação jurídica, motivo pelo qual, deveria a apelação ter sido jugada totalmente procedente.
XXX. Com relevância para esta análise, citam-se os seguintes factos considerados definitivamente provados: (…) XXXI. Ora, tendo a relação contratual entre as partes ocorrido entre 1 de Julho de 2004 e 6 de Junho de 2015, o Douto Acórdão considera, e muito bem, ser neste caso aplicável o regime previsto no Código de Trabalho aprovado pela Lei 99/2003 de 27 de Agosto, na versão originária (com a retificação nº 15/2003 de 28 de Outubro) tal como resulta do art. 7º da Lei 7/2009, de 12 de Fevereiro e art. 8º da Lei 99/2003 de 27 de Agosto.
XXXII. O art. 12º do referido diploma estabelecia que: “Presume-se que as partes celebraram um contrato de trabalho sempre que, cumulativamente: 1. O prestador de trabalho esteja inserido na estrutura organizativa do beneficiário da atividade e realize a sua prestação sob as orientações deste; 2. O trabalho seja realizado na empresa beneficiária da atividade ou em local por esta controlado, respeitando um horário previamente definido; 3. O prestador de trabalho seja retribuído em função do tempo despendido na execução da atividade ou se encontre numa situação de dependência económica face ao beneficiário da atividade; 4. Os instrumentos de trabalho sejam essencialmente fornecidos pelo beneficiário da atividade; 5. A prestação de trabalho tenha sido executada por um período, ininterrupto, superior a 90 dias”.
XXXIII. Salvo o devido respeito e melhor opinião, contrariamente ao entendimento da decisão recorrida, não resulta da matéria provada a verificação de todos os indícios enunciados na presunção.
XXXIV. Na verdade, apenas os dois últimos constantes das alíneas d) e e) é que estão verificados, ou seja, o facto de os instrumentos utilizados serem fornecidos pela Recorrente e a prestação de trabalho ter sido realizada ininterruptamente por período superior a 90 dias, XXXV. O que, em concreto pouco ou nenhum relevo assume, já, que, quer o Recorrido fosse trabalhador dependente, ou independente, sempre a atividade teria sido prestada no ginásio/health club da Recorrente, pois se esta contrata um instrutor de ginástica, obviamente o faz para prestar a sua atividade nas suas instalações, onde proporciona tais serviços aos seus clientes.
XXXVI. Também é irrelevante o facto de os utensílios e materiais usados pelo Recorrido serem propriedade da Recorrente, atendendo à natureza dos equipamentos assumirem natureza estacionária e dificilmente transportável, acrescendo, relativamente a instrumentos móveis, que existem...
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