Acórdão nº 181/16.1T8HRT.L1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Setembro de 2019

Magistrado ResponsávelPEDRO DE LIMA GONÇALVES
Data da Resolução19 de Setembro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1.

AA instaurou ação declarativa comum contra BB, CRL, pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe: a) €40.000 que corresponde ao capital seguro; b) €10.000,00 pela privação da embarcação; c) a partir de agosto de 2016, indemnização vincenda pela privação do uso no valor de €50,00 dia».

Alega, em síntese, que: - é proprietário de uma embarcação de recreio segura na ré desde 2007até às 00,00 horas de 31/12/2014; - em 21/11/2014 aconteceu um acidente na embarcação quando estava amarrada no Cais ..., que consistiu em ter começado a afundar-se e ao ser rebocada ter afundado; - devido ao acidente ficou a embarcação e ficaram danificados e destruídos diversos equipamentos; - a Ré recusa pagar indemnização dizendo que o acidente não está coberto pelo seguro contratado; - desde o dia do acidente o autor está privado do uso da embarcação por esta não poder navegar sem reparação.

  1. Citado, a Ré veio contestar, alegando, em síntese, que: - a causa do acidente não corresponde a qualquer fortuna do mar, decorrendo sim, de causas intrínsecas da embarcação; - na verdade, é normal que entre água através do convés neste tipo de embarcação, e por isso é que têm duas boeiras para o esgoto da água; - mas neste caso a água não saía devido à obstrução dos canais de saída, o que levou à acumulação de água e à perda da flutuabilidade da embarcação; - além disso a única bomba de esgoto não estava em funcionamento, acresce que na embarcação estavam pedras destinadas ao lançamento de redes de pesca, significando que o Autor a usava para pesca comercial o que é causa suficiente para excluir da cobertura do seguro; - não é responsável pela indemnização pelos alegados danos, mas sempre haveria a deduzir a franquia contratual.

    Conclui pela improcedência do pedido.

  2. Foi realizada a audiência final, no decurso da qual a Ré apresentou articulado superveniente, sobre o qual incidiu despacho nestes termos: «Conforme afirmado no requerimento que antecede, os factos de que a Ré se pretende valer neste momento resultam em grande medida, do teor de relatório do sinistro em questão. Motivo pelo qual já deveriam ser do conhecimento da Ré, não estando por conseguinte, tal matéria nas condições previstas no art.° 588°, n.° 2 do C.P.C. Não obstante, atenta a simplicidade de tal matéria, o respectivo carácter particularmente técnico e visto que sempre estaria ao alcance das partes o recurso à faculdade prevista no art.° 5º, n.° 2, al b) do C.P.C, admite-se o requerimento que antecede ao abrigo deste mesmo preceito, concedendo-se ao Autor o prazo geral de dez dias para se pronunciar.».

  3. O Autor apresentou resposta no sentido de não ser admitido o articulado superveniente e, à cautela, impugnou os factos nele alegados.

  4. A Ré interpôs recurso do referido despacho.

  5. Por despacho proferido na sessão da audiência final realizada em 08/01/2018 o Tribunal de 1ª. instância admitiu o recurso dizendo que «subirá nos autos a final, com efeito devolutivo, conforme previsto pelo art. 642° n° 2 a contrariu sensu, e n° 3 do CPC».

  6. Realizou-se a audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença em que se decidiu julgar a ação parcialmente procedente, condenando a Ré a pagar ao autor a quantia de 40.000€ acrescida de juros à taxa legal contados desde 07/01/2015 até integral pagamento, com dedução da franquia no montante de 400€, absolvendo-se a Ré do mais que era pedido.

  7. Inconformada com esta decisão, a Ré interpôs recurso de apelação.

  8. O Tribunal da Relação de Lisboa veio a decidir: “a) julgar improcedente a 1ª. apelação, confirmando-se o despacho recorrido; b) julgar parcialmente procedente a 2ª apelação, alterando-se o dispositivo da sentença recorrida no segmento respeitante aos juros de mora, decidindo-se que são devidos desde 30 dias após 07/01/2015 e confirmando-a no restante.” 10.

    Inconformada com tal decisão, a Ré/Apelante veio interpor o presente recurso de revista excecional, admitido pela Formação de Juízes a que alude o nº3 do artigo 672º do Código de Processo Civil, formulando as seguintes (transcritas) conclusões – com exceção das que se reportavam à admissão da revista excecional: 1ª. As cláusulas 27ª. e 36ª. das Condições Gerais do contrato de seguro não determinam que a Recorrente pague o valor de substituição do bem, antes atribuem à Recorrente o direito de repor ou substituir os objectos perdidos ou avariados por outros da mesma natureza, espécie e tipo, ou indemnizar o tomador do seguro ou segurado pelo prejuízo patrimonial sofrido até ao limite do valor do seguro; 2ª. O valor seguro deve, nos termos do contrato celebrado, corresponder ao valor venal dos bens seguros à data da celebração do contrato (Cláusula 23ª. das Condições Gerais do seguro), sendo certo que esse mesmo valor venal deve ser actualizado à data do sinistro, nos termos do nº1 do artº130º da Lei nº72/2008, de 16 de Abril; 3ª. Assim, no contrato de seguro não foi clausulado que o seguro cobria apenas o valor venal da embarcação e demais objectos porque tal já decorria da lei, não sendo necessária uma previsão específica nesse sentido quando a Recorrente optasse por uma prestação pecuniária – a indemnização em dinheiro; 4ª. Encontrando-se os objectos seguros totalmente danificados e não tendo as partes acordado qualquer valor de substituição nem afastado a depreciação desses objectos em razão da sua vetustez e uso (nºs 1 e 2 do artº131º do RJCS), o douto acórdão devia ter atendido ao valor venal dos objectos seguros à data do sinistro; 5ª. Ao ter aplicado o artº562º do Cód. Civil em detrimento do regime jurídico previsto na Lei nº72/2008, de 16 de Abril, o douto acórdão recorrido violou as normas do artº 128º e do nº1 do artº 130º daquele diploma, que consagram o princípio indemnizatório e que determinam que o dano a atender, no que ao seguro de coisas concerne, corresponde ao “valor do interesse seguro ao tempo do sinistro”; 6ª. Encontrando-se, por isso, em clara oposição com o entendimento plasmado no acórdão-fundamento, que entende ser de aplicar a esta matéria o regime jurídico da Lei nº72/2008, de 16 de Abril, enfermando, o douto acórdão recorrido, de erro de determinação da norma aplicável (al. a) do nº1 do artº. 674º do CPC); 7ª. Ao ter decidido diferentemente, o Tribunal a quo permitiu justamente o que a lei pretendeu evitar com a consagração do princípio indemnizatório, isto é, que o Recorrido ficasse enriquecido à custa da Recorrente, uma vez que, em 2019, este receberia desta o mesmo valor que tinha declarado valerem os mesmos objectos em 03.08.2007 (Ponto 2 dos Factos provados), ou seja, volvidos mais de 11 anos.

    8ª. E ainda ficaria o salvado (Ponto 25 dos Factos provados), cuja necessidade de determinação do respectivo valor nem sequer foi considerado pelas decisões precedentes, não se tendo o julgador pronunciado sobre questão que deveria apreciar, nulidade prevista na al. d) do nº1 do artº 615º do CPC que aqui se invoca ao abrigo da al. c) do nº1 do artº 674º do CPC.

    E conclui pelo provimento do recurso.

  9. O Recorrido contra-alegou, concluindo pela improcedência do recurso.

  10. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

    1. Delimitação do objeto do recurso Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pela Ré/ora Recorrente decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito às seguintes questões: - a omissão de pronúncia; - da indemnização.

    2. Fundamentação.

  11. Factos dados como provados pelas instâncias (após a reapreciação da matéria de facto feita pelo Tribunal da Relação de Lisboa) 1.1.

    O Autor é proprietário da embarcação de recreio de matrícula ..., com o conjunto de identificação n°..., denominado "...", construído em 2002.

    1.2.

    Em 03.08.07, o A. celebrou com a R. um contrato de seguro do ramo Marítimo para a embarcação de recreio "...", titulado pela apólice 84/24375.

    1.3.

    À data de 21.11.14, o A. mantinha válido e eficaz o contrato de seguro celebrado com a R., nos termos e condições expressos na Acta Adicional n.°8 à apólice n.°..., tendo procedido ao pagamento do prémio respeitante ao período compreendido entre 03.08.14 e 03.08.15.

    1.4.

    A apólice abrange o seguinte relativamente ao "...": Casco, máquinas e pertences - €31.900,00 Sonda - €2.500,00 Rádios - €500,00 Radares - €2.500,00 Piloto Automático - €1.000,00 GPS-€600,00 Outros-€1.000,00 Responsabilidade Civil - €250.000,00 1.5.

    A embarcação era utilizada pelo Autor para passeios com família e amigos.

    1.6.

    Na derradeira vez que utilizou o ..., o Autor procedeu à amarração da sua embarcação no Cais ..., de braço dado com a embarcação "..." com cabos à proa e à ré.

    1.7.

    No dia 21.11.14, por volta das 17:45, no cais de ..., a embarcação ... estava quase submersa e adornada, com o casco virado contra a embarcação "...".

    1.8.

    Pelas 17.30, o Autor recebeu um telefonema de ... a dizer que a embarcação estava a afundar-se, tendo-se de imediato dirigido para o local.

    1.9.

    Com a ajuda de diversas pessoas, o Autor tentou salvar a embarcação, puxando-a para o lado oposto do adorno, com cabos presos à embarcação "...".

    1.10.

    Logo que o "..." começou a rebocar o "...", este afundou-‑se de imediato.

    1.11.

    Nesse dia e àquela hora, o vento estava forte, do quadrante Norte, o que determina ondulação acima do normal no Cais ....

    1.12.

    Rebocada a embarcação do fundo do mar, verificou-se que a mesma ficou com os seguintes equipamentos danificados: - motores - GPs - Sonda - Rada - Piloto automático - Frigorífico - Motor de sanita conversor - Carregador de baterias - Baterias em gel - Bomba de esgoto - Radio - Antena - Balsa de saco 1.13.

    Todo este equipamento carece de ser substituído.

    1.14.

    A borda falsa à ré de bombordo da embarcação e a cabine ficaram com...

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