Acórdão nº 5071/12.4TBVNG.1.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Julho de 2019

Magistrado ResponsávelROSA TCHING
Data da Resolução04 de Julho de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 2ª SECÇÃO CÍVEL I. Relatório 1. Por decisão singular do Tribunal da Relação do Porto, proferida em 23-07-2015, foi a ré AA Companhia de Seguros, S.A. condenada a pagar à autora a quantia de 1.620,00 euros, a título de indemnização por danos patrimoniais e a quantia de 11.250,00 euros, a título de indemnização por danos não patrimoniais, ambas acrescidas de juros de mora desde a citação até integral pagamento, tendo sido relegados para posterior liquidação o apuramento do valor dos danos peticionados sob as alíneas b) e c) do artigo 69 da petição inicial.

  1. Posteriormente veio a autora deduzir incidente de liquidação, pedindo que fosse fixada em €103.257,28, a indemnização devida pelos prejuízos por ela sofridos em consequência do encerramento do estabelecimento e em € 90.000,00, a indemnização pela perda de rendimentos de trabalho que iria auferir com a exploração do estabelecimento.

  2. A ré impugnou os factos alegados bem como os montantes indicados, tendo concluído pela improcedência do incidente.

  3. O pedido de liquidação no montante de 103.257,28 euros foi apenas admitido pelo valor de € 50.000,00, por ter sido esta a quantia peticionada em sede de petição inicial.

  4. Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou a presente ação parcialmente procedente e, em consequência, condenou a ré, companhia de seguros a pagar à autora: a) a quantia de 5.000,00 € pelos prejuízos concernentes ao encerramento do seu estabelecimento (salão de esteticista e cabeleireiro), perda do valor do próprio estabelecimento e das quantias nele investidas.

    1. a quantia de 10.000,00 € de indemnização pela perda de rendimentos de trabalho que iria auferir com a exploração do estabelecimento, cujo encerramento foi exclusivamente causado pelo acidente.

    2. juros de mora relativos a cada uma destas quantias, vencidos desde a citação da ré companhia de seguros e os vincendos até integral pagamento, calculados à taxa legal em vigor.

  5. Não se conformando com esta decisão dela apelou a autora para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão proferido em 23.10.2018, julgou parcialmente procedente o recurso e, alterando a decisão recorrida, fixou os seguintes montantes: 1) 31.513,68 euros, a título de indemnização pelos prejuízos peticionados sob a alínea b) do artigo 69 da petição inicial; 2) 24.000,00 euros, a título de indemnização pelos prejuízos peticionados sob a alínea c) do artigo 69 da petição inicial, mantendo em tudo o mais a decisão recorrida.

  6. Inconformada com esta decisão, dela interpôs a ré recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo as suas alegações com as seguintes conclusões que se transcrevem: «A. Vem o presente recurso interposto do douto acórdão do Tribunal a quo e é o mesmo apresentado na firme convicção de que os montantes indemnizatórios arbitrados à Apelada BB são excessivos e desproporcionais atenta a factualidade dada como provada.

    B. Salvo o devido respeito, que é muito, a Apelante entende que o Tribunal a quo fez uma incorrecta aplicação do Direito aos factos dados como provados.

    C. Em causa, no presente incidente de liquidação estavam em causa os gastos perdidos efectuados com a obtenção por trespasse e do alvará e das despesas de funcionamento; e os Rendimentos líquidos do trabalho que deixou de auferir nessa actividade profissional.

    D. No que aos gastos perdidos diz respeito, a decisão em crise revogou a decisão de Primeira Instância e considerou o valor de 30.000,00€ que a Apelada pagou pelo trespasse e 1.513,68€ de despesas.

    E. Sem que, contudo e sempre com o devido respeito, tivesse justificado e fundamentado a razão de revogar a decisão de Primeira Instância e melhor justificado as razões pelas quais entendeu fixar, a este título, o valor de 31.513,68€.

    F. O que, desde logo, constitui nulidade da decisão, por violação da alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º CPC, o que se invoca para todos os devidos efeitos.

    G. Sem prejuízo, a Apelante entende que a decisão agora em crise tem, salvo melhor opinião, um erro de pressuposto que é considerar o custo do trespasse como sendo um prejuízo imediato.

    H. Nem tudo a Apelada perdeu com o investimento que fez de 30.000,00€.

    I. Há todo um conjunto de máquinas, mercadorias, matéria-prima, produtos e mobília que tem um valor e que ficaram na posse e propriedade da Autora.

    J. Com efeito, a Apelada ao adquirir o trespasse, adquiriu uma universalidade composta por máquinas, mercadorias, matéria-prima, produtos e mobília e, além disso, de clientela.

    K. Donde, o custo que a Apelada teve com o trespasse não é, automaticamente, um prejuízo.

    L. Aliás, o que ficou relegado para liquidação ulterior não foi o custo do trespasse, mas sim os gastos perdidos efectuados com a obtenção por trespasse do estabelecimento.

    M. Donde, se impunha a prova do exacto empobrecimento da Apelada, o que não ocorreu, tanto mais que a prova desse prejuízo efectivo não se faz por referência ao preço do trespasse.

    N. Ora, não tendo sido feita prova dos custos perdidos, bem andou o Tribunal da Primeira Instância em recorrer ao previsto no artigo 566.º do Código Civil para determinar a equidade e melhor andou em fixar em 5.000,00€ tal quantum.

    O. Deste modo, em face do supra exposto, impõe-se a revogação da decisão proferida, repristinando-se a decisão do Tribunal de Primeira Instância de condenar no valor de 5.000,00€, por tal decisão se mostrar justa, equilibrada e equitativa, em face do que resultou provado e, especialmente, não provado.

    P. Quanto aos rendimentos líquidos do trabalho que deixou de auferir nessa actividade profissional, a decisão em crise, revogando a decisão de Primeira Instância, fixou o valor de 24.000,00€.

    Q. Acontece que, desde logo, padece tal douta decisão de nulidade, por violação do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 615.º CPC.

    R. Com efeito, a decisão de Primeira Instância condenou a agora Apelante no valor de 10.000,00€, por recurso à equidade, já que agora Apelada não logrou “fazer prova dos rendimentos que iria auferir na exploração do estabelecimento comercial durante o período de 5 anos”.

    S. Inconformada, a agora Apelada recorreu e fundamentou uma diferente liquidação do montante do dano por recurso às fórmulas de cálculo da IPP.

    T. Atentas as conclusões apresentadas pela agora Apelada no recurso por si apresentado, não poderia o douto Tribunal a quo desconsiderar a liquidação do dano efectuado por aquela, pelo que deveria ter o Tribunal a quo ter julgado o recurso improcedente, ao invés de decidir com um objecto diferente, como fez.

    U. Sem prejuízo, na determinação do valor de 24.000,00€, o Tribunal a quo considerou uma alegada perda de rendimento de 400,00€/mês, quando tal não se mostra provado.

    V. Com efeito, o que resultou provado em facto 53) é que a A. deixou de auferir de rendimentos líquidos do trabalho nessa actividade profissional, em quantia não superior a 400,00 € por mês” W. Sendo certo que, conforme resulta da fundamentação da sentença proferida em Primeira Instância, tal facto resultou apenas provado decorrente “precisamente do que foi já dado como provado em sede de “primeira” produção de prova, sendo que nesta sede, de liquidação, nada se provou, ie, não há evidências documentais nem evidência testemunhais”.

    X. Ou seja, a Apelada não fez prova do efectivo rendimento líquido do trabalho que deixou de auferir nessa actividade profissional.

    Y. Aliás, a referência aos 400,00€ decorre do que já havia resultado provado, mormente, quanto aos factos 35) Em princípios de 2009, a empresa onde trabalhava cessou actividade, entrando a A. numa situação de desemprego, auferindo subsídio de desemprego desde 03.06.2009 pelo menos até Junho de 2010 e 39) A A. durante os anos de 2008 a 2010 obteve um rendimento médio mensal de 400,00 € Z. É precisamente por isso que a decisão de Primeira Instância recorre à equidade e fundamenta a sua decisão nos seguintes termos: “Consequentemente, recorrendo a critérios de equidade, à factualidade dada como provada, isto é, que o contrato iria ter a duração de 5 anos e que a A. durante os anos de 2008 a 2010 auferiu um rendimento de 400,00 € mensais (pois que a A. não logra provar que iria retirar da exploração do estabelecimento comercial um rendimento mensal de pelo manos 1.500,00 €). Assim, tudo visto e com recurso à critérios de equidade, fixo o valor da indemnização no montante de 10.000,00 €” AA. Entende, por isso, a Apelante que a decisão em crise parte do pressuposto que a Apelada conseguiu dar como provado uma perda de rendimento de 400,00€, quando tal não se verificou.

    BB. Acresce que, mesmo com uma interpretação literal do que resultou provado, a decisão proferida não se mostra razoável já que teve em consideração o valor de 400,00€, quando esse é o valor máximo de um intervalo que vai de 0,00€ a 400,00€.

    CC. Em face do que antecede, deverá o douto acórdão ser revogado, nesta parte, e ser repristinada a quantia arbitrada em Primeira Instância de 10.000,00€.

    DD. Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 566.º do Código Civil».

    Termos em que conclui pela procedência do recurso.

  7. A autora respondeu, terminando as suas contra-alegações com as seguintes conclusões que se transcrevem: «1. O incidente de liquidação destina-se a obter a concretização do objeto de condenação da decisão declarativa, dentro dos limites do caso julgado, conforme resulta do Acórdão do STJ de 14-07-2009 (Proc. 630-A).

  8. Ora, na decisão singular proferida em 23-07-2015 pelo Tribunal da Relação do Porto, no que respeita ao pedido da alínea b), do artigo 69º, da p.i., foi decidido relegar para liquidação e indemnização relativa aos danos emergentes traduzidos no investimento que a Autora fez na abertura do estabelecimento comercial (designadamente despesas com o pagamento do trespasse e de rendas, remodelação e equipamentos das instalações, consumos de água e de energia), o qual perdeu, por ter de encerrar esse...

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