Acórdão nº 979/12.0TVPRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelFERNANDO SAMÕES
Data da Resolução01 de Outubro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça – 1.ª Secção[2]: I. Relatório AA, BB, CC e DD, S.A., instauraram acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra EE, Ld.ª, todos com os sinais dos autos, pedindo que: a) fosse decretada a cessação do arrendamento por resolução, com a condenação da ré na entrega do locado imediatamente, livre e devoluto; b) fosse a ré condenada no pagamento às autoras das rendas vencidas e não pagas, no valor de 190.598,50 € (cento e noventa mil, quinhentos e noventa e oito euros e cinquenta cêntimos), e as vincendas até entrega do locado, bem como dos correspondentes juros de mora à taxa legal; c) fosse a ré condenada a pagar às autoras, por via de todos os custos e demais despesas ou encargos, bem como os prejuízos sofridos pelas autoras e por estas suportados, por via da presente acção.

Para tanto, alegaram, em resumo, o seguinte: Celebraram com a ré um contrato de arrendamento, em 1/6/2005, que teve por objecto o imóvel que identificaram, destinado ao exercício da actividade comercial e industrial ou de serviços, mediante o pagamento da competente renda que aquela deixou de pagar a partir de Julho de 2011 até Setembro de 2012, no total de 190.598,50 €.

A partir de Fevereiro de 2012, a ré permitiu a ocupação do locado por sociedade terceira, com a mesma tendo celebrado contrato de sublocação de todo o imóvel ou de cedência do mesmo, sem autorização e contra a vontade manifestada em sentido oposto pelas autoras.

Nessa medida subsistem motivos para a resolução do aludido contrato, à luz do prescrito no art.º 1083.º, n.ºs 2, al. e) e n.º 3, do Código Civil, com a consequente procedência dos pedidos deduzidos.

A ré, regularmente citada para os termos da acção, citação essa repetida na sequência da procedência de recurso de revisão intentado por aquela, não apresentou contestação.

Face à ausência de contestação, foi proferido despacho a considerar confessados os factos alegados na petição inicial.

Em sede de alegações, no âmbito do disposto no art.º 567.º, n.º 2, do CPC, a ré suscitou a excepção do caso julgado, posto que, já após a instauração da presente lide, foi declarado o seu estado de insolvência e, na acção de verificação ulterior de créditos que correu por apenso, foi proferida sentença homologatória de transacção celebrada entre as partes relacionada com as rendas em causa na presente acção; mais adiantou que sempre a presente acção deveria ser julgada extinta, em face da sentença que decretou a sua insolvência, desde logo atenta a jurisprudência uniformizadora fixada pelo Ac. n.º 1/14, do STJ; devendo ainda as autoras ser condenadas como litigantes de má fé, com pagamento duma indemnização a seu favor não inferior a 1.500,00 €, face ao seu comportamento processual de pretenderem a apreciação das pretensões deduzidas no articulado inicial, mesmo após ter sido regularizada a problemática atinente ao pagamento de rendas, tudo em face do ocorrido no aludido processo de insolvência.

Por sua vez, as autoras, para além de defenderem a procedência dos pedidos que formularam na acção, responderam ao aduzido pela ré nas alegações no que concerne à matéria de excepção conducente à extinção da instância, pugnando pelo seu não acolhimento, bem assim pela não verificação de litigância de má fé da sua parte.

Seguiu-se sentença, onde se decidiu: - julgar extinta a instância na parte correspondente ao pedido de condenação da ré no pagamento das rendas vencidas desde Julho de 2011, atento o que havia sido decidido no âmbito do processo de verificação ulterior de créditos; - julgar procedente o pedido de resolução do contrato de arrendamento por falta do pagamento de rendas, com a consequente condenação da ré a entregar o locado às autoras, livre e devoluto.

Inconformada com essa decisão, a ré interpôs recurso de apelação, o qual foi apreciado e decidido pelo Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 7/2/2019, tendo deliberado nos seguintes termos: “Pelo exposto, embora sendo de acolher parcialmente os fundamentos a sustentar a apelação interposta pela Ré, decide-se julgar procedente o pedido formulado na acção pelas Autoras de resolução do contrato de arrendamento em causa nos autos, com consequente despejo do locado, ainda que com fundamentação distinta da seguida na decisão recorrida”.

Ainda irresignada, a ré interpôs recurso de revista e apresentou a respectiva alegação com as seguintes conclusões: «A) Conforme resulta do Douto Acórdão ora colocado em crise, a sua decisão baseia-se no disposto no artigo 665° n° 2 do CPC e daí que os seus fundamentos sejam totalmente diversos dos que resultam da decisão da primeira instância.

  1. Antes de ser proferida a Douta Decisão ora colocada em crise, cada uma das partes deveria ter sido ouvida pelo prazo de dez dias conforme resulta do nº 3 do artigo 665° do CPC, tramitação esta obrigatória e que foi "in casu" omitida pelo que, contrariamente àquilo que resulta do seu teor, não foi garantido o contraditório.

  2. Tem a Recorrente de concluir que o Douto Acórdão ora recorrido pronunciou-se sobre questões que não poderia tomar conhecimento sem que previamente a notificasse, acabando pois por consubstanciar uma "decisão surpresa" não permitida pelo nº 3 do artigo 3º do CPC.

  3. Daí ter a Recorrente de arguir a nulidade do Douto Acórdão ora recorrido, ao abrigo do disposto nos artigos 666º nº I e 615º nº 1 al. d) do CPC.

  4. Do Douto Acórdão ora recorrido está provado que: - a presente acção deu entrada em Juízo no dia 08.10.2012; - a Recorrente foi declarada insolvente a 26.11.2012. por sentença transitada em julgado a 21.03.2013, conforme decorre do doc. nº 8 junto ao requerimento apresentado pela Recorrente a 09.03.2017, referência 14165884.; - As Recorridas pretenderam ver os seus créditos reconhecidos no processo de insolvência respectivo, através da propositura de uma acção de verificação ulterior de créditos, na qual unicamente reclamaram o pagamento das "rendas vencidas desde Julho de 2001 até hoje…"; - A Recorrente e as Recorridas celebraram um acordo tendente ao pagamento de tais rendas, o qual foi judicialmente homologado.

  5. Estes quatro pontos obrigam forçosamente a extinção, "in totum", da presente instância e não somente no que tange ao pedido de pagamento das rendas.

  6. Estando o pagamento das rendas judicialmente acordado e regularizado no processo de insolvência, deixa de existir causa de pedir, pelo que tem de obrigatoriamente "falecer" o consequente pedido de restituição da coisa locada.

  7. Não é concebível uma "autonomização" do pedido de restituição do locado quando existe um acordo de regularização das rendas, sancionado por Sentença, que se encontra a ser cumprido.

  8. A Recorrente persiste que a presente acção judicial deveria ainda ter sido extinta a partir do momento em que a sentença que declarou a insolvência da Recorrente transitou em julgado a 21.03.2013, por força do preceituado nos artigos 88º nº 1 e 108º nº 4 al. a) do CIRE bem como do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n° 1/2014 o qual dispõe que “Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu eleito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287.º do CP.C " J) Desta forma, todo o processado a partir da data de tal trânsito, requerimento das Recorridas de 20.06.2016, referência 10897024 inclusive, deverá ser anulado e declarado de nenhum efeito, nulidade esta que expressamente se invoca para todos os demais efeitos legais.

  9. E a comprovar que este também era o entendimento das Recorridas está o facto destas terem e bem, instaurado uma acção ulterior de verificação ulterior de créditos para exigir o pagamento dos créditos/rendas em dívida.

  10. E assim, estavam igualmente obrigadas a recorrer a uma acção de despejo, como apenso ao processo de insolvência, com fundamento na alegada sublocação do locado, pois a tal não as coartava o disposto no artigo 108º nº 4 al. a) do CIRE.

  11. É manifesto de que as Recorridas estavam adstritas a invocar no processo de insolvência os demais factos que, para além do pagamento das rendas, poderiam resultar no incumprimento e consequente resolução do contrato de arrendamento, dado que os mesmos, repete-se, já não se encontravam englobados nos pressupostos da predita alínea a) do nº 4 do artigo 108° do CIRE.

  12. A realidade é que voluntariamente não o fizeram, contentando-se assim com o acordo atingido na já supra mencionada ação ulterior de verificação de créditos.

  13. Resta referir adicionalmente que as Recorridas conformaram-se com o teor, aprovação e homologação do plano de recuperação, contra ele não reagindo.

  14. Desta forma, a prossecução da presente acção sempre estaria vedada às Recorridas por força do disposto no artigo 233º nº 1 al. c) do CIRE, pois é certo que, como estas bem sabem, o plano de recuperação da Recorrente assentava e assenta unicamente na exploração do locado cuja resolução do arrendamento ora se dirime.

  15. Com efeito, pelo facto da peticionada resolução do contrato de arrendamento contender com o cerne do plano de recuperação aprovado e homologado, sempre estariam as Recorridas impedidas de invocar tal resolução face às naturais restrições que resultam do plano de recuperação.

  16. E caso tal se não entenda, o que por mera cautela se admite, as Recorridas ao apresentarem o seu requerimento de 20.06.2016. referência 10897024 a requerer a prossecução desta lide sempre consubstancia um manifesto abuso de direito não permitido de acordo com o disposto no artigo 334º do CC pois acomodaram-se e não "atacaram" a homologação judicial do mesmo plano de recuperação pelos credores aprovado.

    S)Desta forma, a presente lide teria de ser extinta nos termos do artigo 277º al. e) do CPC, por manifesta inutilidade superveniente da lide.

  17. O Douto Acórdão "a quo" violou o...

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