Acórdão nº 109/17.1T8ACB.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Outubro de 2019
Magistrado Responsável | FERNANDO SAMÕES |
Data da Resolução | 01 de Outubro de 2019 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça – 1.ª Secção[2]: I. Relatório AA, residente na Rua ...., n.º ..., ......, intentou a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra BB, residente na Rua....., A..., ......., pedindo que seja declarada a incapacidade da testadora na data da outorga do testamento e, consequentemente, seja o mesmo anulado, tudo com as legais consequências.
Para tanto, alegou, em resumo, que a testadora, sua mãe, de quem seria a única e universal herdeira caso não existisse testamento, quando o outorgou não detinha faculdades mentais de memória, inteligência e vontade necessárias à compreensão do acto, nem tal era possível em face da demência de que padecia, não sabendo o que estava a fazer, nomeadamente que estava a tirar uma parte do seu património à filha e a beneficiar uma pessoa que mal conhecia.
A ré contestou, impugnando a generalidade dos factos alegados e invocando que a testadora a instituiu sua herdeira testamentária por forma a compensá-la do não recebimento da totalidade das importâncias mensais que lhe eram devidas pela autora, relacionadas com os cuidados que prestou à sua mãe, em cumprimento do contrato de prestação de serviços celebrado entre autora e ré. Concluiu pela validade do testamento e pela improcedência da acção.
Na audiência prévia realizada, foi proferido despacho saneador tabelar, foi identificado o objecto do litígio e foram enunciados os temas da prova, sem reclamações.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, onde se decidiu julgar a acção improcedente e absolver a ré do pedido.
Inconformada, a autora interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Coimbra, o qual foi apreciado e decidido por acórdão de 8/5/2019, tendo concluído com o seguinte dispositivo: “Em face de tudo o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em, revogando a sentença recorrida e na procedência da Apelação, julgar a acção procedente e, consequentemente, em anular, por incapacidade da testadora (artº 2199º do CC) o testamento outorgado em 27 de Julho de 2015 por CC, lavrado de fls. ....verso do Livro para testamentos e escrituras de revogação de testamentos n.º ....do Cartório Notarial de DD em.....” Não conformada, desta feita, a ré interpôs recurso de revista e apresentou a respectiva alegação com as seguintes conclusões: «1.Vem o presente recurso de revista do douto acórdão do Tribunal da Relação que revogou a sentença proferida pelo tribunal de primeira instância e na procedência da apelação, julgou a acção procedente e, consequentemente, anulou, por incapacidade da testadora (art.º 2199º do Cód. Civil) o testamento outorgado em 27 de Julho de 2015 por CC, lavrado de fls. ....verso do Livro para testamentos e escrituras de revogação de testamentos n.º .... do Cartório Notarial de DD em .....
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O douto acórdão recorrido alterou a decisão quanta à matéria de facto dada como provada na primeira instância, passando a dar como provados, além do mais, os seguintes factos: “16) A falecida testadora, devido à referida doença mental, não dispunha de capacidade para tomar decisões acerca da disposição do seu património.
17) Quando outorgou o testamento, a falecida, devido à “Demência de Corpos de Lewy”, de que era portadora, não detinha faculdades mentais, necessárias à compreensão do acto que praticava e a manifestar conscientemente a sua vontade, não podendo, designadamente, saber que assim estava a tirar uma parte do seu património à filha e a beneficiar a Ré.
18) A falecida tinha, por reporte à ocasião em que outorgou o testamento, desde há anos, perturbações da memória imediata e recente, humor depressivo e “Demência de Corpos de Lewy”, o que com o decorrer dos anos se agravou.”.
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A aqui recorrente não se conforma com o douto acórdão recorrido, manifestando-se, ainda, inconformada com a alteração da matéria de facto, porquanto, no seu modesto entendimento, os supra descritos pontos dados como factos provados, encerram matéria de Direito e não matéria de facto.
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A matéria dos pontos supra referidos conclui pela incapacidade da testadora quando, na verdade, não se vislumbra na demais matéria de facto dada como provada, factos claros e concretos que conduzam a tal conclusão. Ao contrário, na matéria de facto dada como não provada vêm revelados factos concretos que, a terem sido dados como provados, é que poderiam conduzir a situação de incapacidade da testadora.
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Ao dar como provado que a testadora não dispunha de capacidade para tomar decisões acerca da disposição do seu património (ponto 16 matéria de facto dada como provada) ou dar como provado que a testadora não detinha faculdades mentais, necessárias à compreensão do acto que praticava (ponto 17 da matéria de facto provada) e, depois, concluir que “Resulta assim que a aludida CC, se encontrava incapacitada de entender o sentido da sua declaração e não possuía o livre exercício da sua vontade…” é, salvo o devido respeito, concluir duas vezes sem quadro fáctico suficiente para tais conclusões.
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Ao dar como provado que a testadora não detinha capacidades mentais ou que não dispunha de capacidade para tomar decisões é integrar o próprio conceito de incapacidade utilizando expressões valorativas e conclusivas que não encontram suporte factual na matéria dada como provada. É que, não fora a inserção de tais expressões, a matéria de facto dada como provada mostra-se insuficiente para se poder concluir pela incapacidade de testar por parte da testadora.
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Sem a inserção de tais expressões, valorativas e conclusivas, a matéria de facto dada como provada mostra-se insuficiente para se poder concluir pela incapacidade de testar por parte da testadora.
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Excluindo a factualidade descrita supra, como sendo matéria de direito, nenhum facto concreto se deu por provado que permita concluir que no momento da outorga do testamento a testadora se mostrava incapaz de o fazer por não saber ou não alcançar o sentido do seu acto, o sentido da sua declaração de vontade.
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O douto acórdão recorrido errou ao incluir proposições de direito na pronúncia de facto.
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A douta decisão recorrida violou o disposto nos artigos 342º, n.º 1, 349º e 2199º, todos do Cód. Civil e 607º, n.º 4, a contrario e 662º, n.º 1, ambos do Cód. Proc. Civil.
NESTES TERMOS e nos melhores de Direito, nos poderes conferidos a este Venerando Tribunal, deverá ser concedida a revista, o douto acórdão recorrido ser revogado e, em consequência, julgar-se a acção totalmente improcedente e válido e de plenos efeitos o testamento outorgado em 27 de Julho de 2015 por CC, lavrado de fls. 74 a 74 verso do Livro para testamentos e escrituras de revogação de testamentos n.º 4-A do Cartório Notarial de DD em.........., assim se fazendo JUSTIÇA.» A autora contra-alegou pugnando pela confirmação do acórdão recorrido.
O recurso foi admitido como de revista, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, modo de subida e efeito que foram mantidos pelo Relator no despacho liminar.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir o...
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