Acórdão nº 4022/06.0TCLRS.L2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelFÁTIMA GOMES
Data da Resolução01 de Outubro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório 1. Administração Conjunta AA instaurou acção declarativa contra BB, Lda.

pedindo a condenação da ré a pagar a diferença entre o valor pago pela A. à Ré - na sequência do cumprimento defeituoso do contrato de empreitada de infra-estruturas de construção civil, arruamentos, águas residuais domésticas e águas pluviais, a realizar no casal do [...] - celebrado entre Autora e Ré -, o valor dos trabalhos executados, o valor dos defeitos detectados na empreitada e ainda o valor pago pela reparação dos defeitos da rede de esgotos, na quantia total, incluindo juros vencidos, de €232.374,99, acrescida de juros vincendos até efectivo e integral pagamento.

A ré contestou e reconveio, pedindo a improcedência da acção e a condenação da autora a pagar à ré a quantia de € 147.300,00 acrescida de juros à taxa legal desde a propositura da acção até integral pagamento.

A autora apresentou réplica em que pugna pela improcedência da excepção de prescrição invocada pela ré e procedente idêntica excepção invocada pela autora e, em qualquer caso, improcedente a reconvenção.

Realizada audiência preliminar, a instância foi suspensa por acordo das partes, tendo em vista a realização de perícia extrajudicial.

Finda a suspensão da instância, sem realização daquela perícia, foi retomada a audiência preliminar na qual, a requerimento da autora, se determinou a suspensão da instância tendo em vista a realização da perícia configurada como motivo justificativo.

Em 24 de Junho 2010, as partes requereram a junção aos autos do Relatório Conjunto de Perícia de fls. 256-306, comprometendo-se a, oportunamente, se for o caso, vir apresentar um eventual acordo, isto sem prejuízo do prosseguimento dos autos.

A fls. 310 a autora esclareceu que pretendia proceder à junção do referido relatório como prova documental, uma vez que a perícia foi realizada extrajudicialmente.

Em 23 de Junho de 2014, no mesmo requerimento em que a autora requeria o andamento do processo, dava conta que teve conhecimento de que a ré se encontrava em fase de “Dissolução e Encerramento da Liquidação’’.

A fls. 383 o tribunal mandou juntar ao processo cópia da matrícula da ré, disponível nas bases de dados, o que foi feito.

Em consequência, apresentou a Autora requerimento no dia 13 de Janeiro de 2015, requerendo a substituição processual da Sociedade Ré pelos seus sócios liquidatários, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 162.º e ss. do Código das Sociedades Comerciais (CSC).

O tribunal ordenou então a notificação da autora para, ainda nos termos do artigo 162.º 163.º do CSC alegar "que a R. tinha bens e que esses bens foram partilhados entre os sócios, em detrimento da satisfação do seu crédito".

A autora veio, em resposta, requerer a Intervenção Principal da Sociedade Original CC, Lda.", bem como dos sócios gerentes liquidatários DD, EE, FF, GG, como Réus, segundo o disposto nos artigos 30.°, 1, parte final, 316.° e seguintes do C.P.C., admitindo ainda a intervenção dos sócios liquidatários atendendo a que a Ré "BB" tinha bens e os mesmos foram partilhados àqueles; e, caso assim não se entendesse, que fossem aqueles sócios demandados na acção nos termos dos artigos 158.° n.º 1 do C.S.C., 78.° do C.S.C, ou, no limite, artigo 1020.° do Código Civil, aplicável ex vi do artigo 2.° do C.S.C ..

Após tal requerimento veio a ser proferido despacho que, rejeitando a substituição da Ré pelos sócios liquidatários, determinou a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide (artigo 277.°, alínea e) do C.P.C).

Inconformada, a autora interpôs recurso para este segundo grau, tendo sido proferido, em 7.4.2016, Acórdão que anulou a decisão recorrida e ordenou que fosse proferida decisão em que se explicitasse com suficiência e clareza a matéria de facto que viesse a fundamentar a nova decisão.

Os autos baixaram ao primeiro grau e aí, em 10.10.2016, a autora requereu ao tribunal: a) Se digne admitir a intervenção dos sócios liquidatários atendendo a que a ré “BB’’ tinha bens e os mesmos foram partilhados àqueles; e, caso assim não entenda, b) Sempre sejam aqueles sócios demandados em acção nos termos dos artigos 158.º, n.º1, CSC, 78.º CSC, ou, no limite, artigo 1020.º CC, aplicável ex vi do artigo 2.º CSC, c) Se digne admitir a intervenção da sociedade CC, Lda., bem como os sócios gerentes liquidatários DD, EE, FF, GG, como réus, segundo o disposto nos art.s 30.º, n.º 1, parte final , 316 e seguintes do CPC.

Em 23.05.2018, foi proferida decisão que não admitiu o chamamento por extemporâneo e julgou de novo extinta a instância por inutilidade superveniente da lide ex art. 277.º, e), CPC.

Inconformada interpôs a autora competente recurso de apelação. Em 17.01.2019 o TRL julgou improcedente o recurso e confirmou a decisão impugnada.

Novamente inconformada a A. apresentou recurso de revista excepcional, distribuído à formação a que alude o art.º 672.º.

Esta formação veio a indicar, por acórdão, que atendendo à data da propositura da acção, não era aplicável ao recurso o regime do obstáculo dupla conforme, mandando os autos para serem redistribuídos.

  1. Nas conclusões da revista diz-se (transcrição): 1. O n.º 3 do art. 721º do Código de Processo Civil consagra a dupla conforme, sendo que é admitido excepcionalmente Recurso de Revista nos termos do artigo 672.º n.º 1, verificadas que esteja alguma das suas alíneas.

  2. Assim, nos termos das suas alíneas a) e b), para que seja admitida a Revista Excepcional, exige-se que a questão possa entrar em colisão com valores sócio-culturais e possa suscitar alarme social em que, nomeadamente, fique posta em causa a eficácia do direito e a sua credibilidade, por se tratar de casos em que há um invulgar impacto na situação da vida que a norma ou as normas jurídicas em apreço visem regular, ou em que exista um interesse comunitário que, pela sua peculiar importância, pudesse levar, por si só, à admissão da revista pelo facto de os interesses em jogo ultrapassarem significativamente os limites do caso concreto.

  3. Decidindo da forma que fez, não logrou o Tribunal da Relação de Lisboa apreciar as nulidades arguidas no âmbito do recurso interposto pela Recorrente e, bem assim, a admissão da intervenção da sociedade “CC, Lda”ou ainda a intervenção dos sócios como responsáveis pessoais, determinando-se, a final o prosseguimento dos autos, que sempre seria o que resultaria de uma boa aplicação do direito 4. Os interesses comunitários aqui em causa não são “apenas” aqueles que são inerentes à Recorrente enquanto representante de um grupo comunitário, porquanto importa aferir do impacto na comunidade em geral atento o reflexo de decisões que resultem de uma parca ponderação de valores e que, naturalmente, implica a degradação de tais interesses, quando não são atendidos os seus direitos.

  4. Não podemos perder de vista que nos presentes autos a Recorrente representa uma associação de moradores de um bairro de génese ilegal, cujo propósito reside na promoção de urbanização de lotes rústicos em avos indivisos a lotes urbanizados para construção, no interesse e mais valias para os respectivos proprietários com adiantamento das comparticipações de cada lote, para fazer face às despesas, os quais são, na sua maioria reformados e pessoas com baixos recursos económicos.

  5. Aliás, sempre se dirá que no âmbito de um outro processo, que correu os seus termos no Juízo Central Cível de ..., sob o n.º de Processo 2835/14.8TCLRS, no qual a ora Recorrente ali Autora também teve de recorrer a este douto Tribunal, foi proferido Acórdão da Formação, que admitiu a Revista Excepcional por se ter considerado estarem em causa interesses de particular relevância.

  6. O que se pode comprovar pela matéria sobre a qual versam os presentes autos: um pedido de condenação da Recorrida BB, Lda., no pagamento da diferença do valor pago pela ora Recorrente à Ré – na sequência do incumprimento parcial e do cumprimento defeituoso do contrato de empreitada de infraestruturas de construção civil, arruamentos, águas residuais domésticas e águas pluviais, realizado no casal do [..], celebrado entre as partes.

  7. Sucede que, em Junho de 2014, no decorrer do processo, teve a Recorrente conhecimento de que a Recorrida se encontrava em fase de Dissolução e Encerramento da Liquidação, contudo, sem existir qualquer publicidade da insolvência da Recorrida 9. E não pode deixar de se referir, nem pode passar despercebido que a Recorrida e os seus sócios bem sabiam que existia para com a Recorrente uma dívida que, embora não reconhecida judicialmente, era objecto destes autos, e assim, praticando o crime de falsas declarações, pois que fizeram constar da acta n.º 20 - a qual foi oportunamente junta aos autos que “em virtude da mesma não ter qualquer activo ou assivo, considera-se assim liquidada por unanimidade”, registaram imediatamente o encerramento da liquidação e cancelaram a matrícula da sociedade! 10. O certo é que, em momento imediatamente posterior -, 15 dias - foi criada a CC, na qual constava como Sócio Gerente, o Sr. GG, também Gerente da Recorrida entretanto extinta.

  8. Ora, como é por demais evidente, a consequente criação da sobredida Sociedade não passou de uma manobra de desresponsabilização da Sociedade Recorrida, uma vez que um dos sócios Gerentes da Recorrida, o Sr. DD, comunicou, num processo crime no qual a aqui Recorrente era Assistente e aquele Arguido, que “em consequência das dificuldades de sucesso económico da empresa BB, que geria com dois dos filhos mais velhos do primeiro casamento, esta empresa foi dissolvida. Em contrapartida, um daqueles filhos criou uma outra empresa de construção civil e serviços – CC -, empresa que absorveu a carteira de clientes da anterior empresa e onde o arguido passou a colaborar”.

  9. E não é demais referir que, estamos a falar de um processo crime que se iniciou no ano de 2002 sob o n.º 1228/02.4TALRS e que correu na Secção Criminal - J2 na Comarca de Lisboa Norte da...

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