Acórdão nº 2968/16.6T8PNF.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelABRANTES GERALDES
Data da Resolução03 de Outubro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I - AA - Comp. de Seguros, S.A.

, intentou a presente ação com processo comum de declaração contra BB e CC, casados entre si, e contra o seu filho DD, pedindo a condenação solidária no pagamento da quantia de € 34.074,87 e juros de mora vencidos até 4-11-16, no montante de € 348,74, e vincendos.

Alegou que no dia 20-7-15, pelas 16,15 h, na localidade e freguesia de …, …, ocorreu um acidente, no qual interveio o veículo ligeiro de mercadorias, com a matrícula ...-...-TS, pertencente a EE, Ldª, e conduzido por FF, e o motociclo Honda, com a matrícula ...-...-GO, pertencente aos RR. BB e CC, conduzido pelo filho de ambos, o 3º R. menor, DD, imputando o mesmo acidente à culpa efetiva e exclusiva deste.

Em consequência do acidente, a A. suportou a reparação dos danos sofridos pelo veículo ...-...-TS, no montante de € 1.879,00, e pagou ao menor transportado no veículo GO, GG, a quantia de € 30.000,00, para o ressarcir de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreu na sequência do acidente; suportou ainda o pagamento da quantia de € 2.225,25 a título de tratamentos e reembolso de despesas ao pai do menor GG.

A responsabilidade civil por danos decorrentes da circulação do motociclo ...-...-GO encontrava-se transferida para a A.

O R. DD conduzia o motociclo GO com autorização dos seus pais, sendo que apenas estava habilitado para a condução de motociclos com potência não superior a 11kw e aquele detinha 21,3kw.

Os RR. contestaram, alegando que, atendendo às circunstâncias do local e do acidente, o condutor do GO não foi culpado pela ocorrência do acidente.

Desde 30-4-15 que o DD encontra-se habilitado com a carta de condução da categoria A1, que permite a condução de motociclos de cilindrada não superior a 125 cm3 e potência até 11kw. Ora, o veículo GO tinha uma cilindrada inferior a 125kw, em concreto, é de 124 cm3, concluindo pela improcedência da ação.

Procedeu-se a julgamento, tendo sido proferida sentença que julgou a ação totalmente improcedente e, em consequência, absolveu os RR. do pedido.

A A.

apelou e a Relação julgou a ação procedente e condenou os RR. no pedido.

Os RR. interpuseram recurso de revista em que suscitaram as seguintes questões essenciais: - Nulidade por falta de fundamentação da condenação dos 1º e 2º RR. ao abrigo do alegado dever de vigilância sobre o 3º R., seu filho; - Se a habilitação legal para conduzir que o R. DD detinha impede o exercício do direito de regresso, como se decidiu no Ac. do STJ de 30-10-14, relativamente a um caso de caducidade da licença de condução; - Ponderação casuística das circunstâncias ligadas à condução sem a habilitação legal, como se decidiu no Ac. do STJ de 28-4-16, abdicando de uma interpretação literal do preceituado no art. 27º, nº 1, al. d), do DL nº 291/07; - Verificação casuística do nexo de causalidade entre a falta de habilitação legal e o acidente, excluindo a responsabilidade do R. DD pelo acidente que não ocorreu pelo diferencial de potência, nem pela falta de experiência na condução; - Falta de prova de que os progenitores do 3º R. sabiam que o mesmo já havia andado mais vezes com o veículo; - Falta de prova de factos que revelem a existência de culpa in vigilando dos 1º e 2º RR., sendo que os factos apurados afastam a presunção de culpa dos mesmos RR.

Houve contra-alegações.

Cumpre decidir.

II – Factos provados: 1. No dia 20-7-15, cerca das 16h 15m, na localidade e freguesia de …, …, no entroncamento, em ângulo reto, da R. da Ribeira na R. da Presa, ocorreu um embate entre o motociclo de marca Honda, com a matrícula ...-...-GO, pertencente aos RR. BB e mulher e tripulado pelo filho de ambos, o R. DD, e o veículo ligeiro de mercadorias de marca Citröen, modelo Berlingo com a matrícula ...-...-TS, pertencente a EE, Ldª, e conduzido por FF.

  1. Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 1.

    , o motociclo GO circulava na R. da Presa no sentido D… …/P… e, a determinado momento, surgiu na via onde seguia o motociclo GO, o veículo TS conduzido por FF que naquele momento acedia à R. da Presa, apresentando-se pela direita, atento o sentido de marcha do motociclo GO.

  2. O veículo TS procedia da R. da Ribeira em direção à R. da Presa, na qual pretendia ingressar e voltar a sua esquerda, no sentido de D… I… e o motociclo GO circulava na R. da Presa, em direção a L…, pela metade direita da rua.

  3. Assim que o veículo TS entrou na R. da Presa o seu condutor parou e imobilizou o veículo na perpendicular em relação ao eixo da via, ocupando parte da hemi-faixa de rodagem afeta ao sentido de marcha do sentido D… I…/P… .

  4. Quando se encontrava com o veículo parado na R. da Presa, o condutor do veículo TS efetuou um gesto com a mão, dando indicação ao condutor do motociclo GO para seguir em frente.

  5. A R. da Presa descreve ali uma reta de boa visibilidade, em bom estado de conservação.

  6. Na R. da Ribeira não havia qualquer sinalização a retirar a prioridade ao condutor do veículo TS.

  7. O condutor do veículo TS parou ao chegar ao dito entroncamento, a fim de se inteirar do trânsito a circular nesta rua, depois do que avançou lentamente, e quando atravessava a hemi-faixa de rodagem da R. da Presa em que acabava de ingressar foi embatido, a meio da sua lateral esquerda, pela dianteira do motociclo GO.

  8. O condutor do motociclo GO avistou o veículo TS parado e nem tentou contorná-lo pela sua dianteira, pela outra meia faixa de rodagem e nem sequer travou.

  9. O condutor do motociclo GO circulava a uma velocidade não inferior a 60km/h.

  10. O R. DD havia conduzido poucas vezes o motociclo que tripulava.

  11. O sinistro ocorreu num entroncamento de uma estrada municipal, que estabelece a ligação entre a cidade de ... e as freguesias de ..., …, …, … .

  12. A R. da Ribeira surge num local escondido, desnivelado em relação à estrada principal, da qual é difícil a perceção da sua existência, uma vez que surge num ângulo reto, por detrás de um muro e a uma cota de terreno inferior ao nível da cota da estrada principal.

  13. A R. da Ribeira tem pavimento em pedra (paralelos), com algum asfalto no imediato local de acesso à R. da Presa, delimitado por muros em pedra, com uma largura aproximada de 3 metros, sendo o entroncamento em causa com uma das estradas mais movimentadas do concelho de … que estabelece a ligação de … com as freguesias de …, …, … e … .

  14. Na berma da estrada principal foi colocada e existe uma linha longitudinal contínua, que continua no local de entroncamento das vias em causa e, em frente ao caminho, existe um espelho por forma a permitir àqueles que, provindos do caminho, pretendam aceder à estrada principal, assegurando o acesso à mesma, desde que nenhum veículo aí circule, por forma a evitar acidentes.

  15. O proprietário do motociclo GO, o R. BB, transferiu para a A. a responsabilidade civil por danos emergentes da sua circulação, por meio de contrato de seguro titulado pela apólice 75…8, válido e eficaz à data do sinistro.

  16. No assento de trás do motociclo GO era transportado, como passageiro gratuito, GG, de 16 anos de idade, …, amigo do R. DD, o qual, na queda e projeção, sofreu fratura do rádio à direita, secção do extensor do terceiro dedo da mão esquerda e fratura da clavícula esquerda.

  17. No local do acidente foi assistido pelos bombeiros que o imobilizaram em plano duro e com colar cervical e foi transportado para o CH… (Centro Hospitalar … e …, mais conhecido por Hospital …), onde foi radiografado, recebeu tratamento, ficou internado no Serviço de Ortopedia e foi sujeito a fixação percutânea com dois fios de Kuntchner e sutura do tendão extensor e imobilização dos dois membros superiores.

  18. Teve alta hospitalar em 22-7-15 e foi seguido em consulta externa da ortopedia, tendo retirado o material de osteossíntese cerca de 30 dias depois. Realizou cerca de 40 sessões de Medicina Física e de Reabilitação (MFR) e fisioterapia na Clínica … e teve alta clínica, curado, em 3-12-15.

  19. Os pais do menor GG, por intermédio do seu advogado, e a A. acabaram por fixar a indemnização ao menor na quantia de € 30.000,00, sendo € 11.000,00 pelo dano biológico, € 11.000,00 pelo dano moral e repercussão na vida, € 6.000,00 por despesas com tratamentos e € 2.000,00 pelo auxílio de 3ª pessoa, indemnização que a A. pagou.

  20. A A. pagou ainda € 1.592,84 de tratamentos hospitalares e € 407,41+€ 225,00 de reembolsos ao pai do GG, HH.

  21. A reparação dos danos causados no veículo TS importou na quantia de € 1.879,00 que a A. pagou.

  22. O R. DD é filho dos RR. BB e CC, com quem vivia na mesma morada, aos seus cuidados e sob a sua guarda, proteção e vigilância.

  23. À data do sinistro o R. DD tinha 16 anos de idade e era solteiro e … .

  24. O R. DD estava habilitado, desde 30-4-15, a tripular veículos a motor da categoria A1, ou seja veículos de duas rodas (motociclos) de cilindrada não superior a 125cm3 e potência não superior a 11 kw.

  25. O motociclo GO era da marca HONDA, modelo NSR-125R, com motor de propulsão a gasolina, com 124 cm3 de cilindrada e potência de 21,3 kw.

  26. O motociclo GO é do R. BB, que o tinha comprado duas ou três semanas antes da ocorrência do sinistro para sua utilização própria.

  27. O R. DD tinha e tem um outro veículo a si destinado e que o utilizava - o ciclomotor da marca Macal, modelo Minareli, de matrícula ...-JZ-..., com 50 cm3 de cilindrada - sem qualquer necessidade de utilização do motociclo GO.

  28. À data do sinistro, o R. BB encontrava-se no estrangeiro, em …, …, onde permaneceu pelo período de uma semana e a R. CC não viu o filho a sair de casa com aquele motociclo, pois estava fora de casa quando tal aconteceu.

  29. Os RR. BB e esposa não sabiam que o motociclo GO estava a ser utilizado naquele dia.

  30. Por carta de 2-8-16, a A. solicitou aos RR. o reembolso das quantias pagas, mas eles recusaram.

    Entre os factos considerados não provados contam-se os seguintes: - (O R. DD) tripulava o GO com autorização e permissão de seus pais, que lho emprestaram para ir dar um passeio com o amigo GG, do qual regressavam, permissão e empréstimo que já...

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