Acórdão nº 1574/13.1TBFIG.C2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA DA GRAÇA TRIGO
Data da Resolução03 de Outubro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. AA intentou acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB e CC, pedindo (além do mais, já objecto de sentença de parcial extinção da instância por ilegitimidade activa, decidida em sede de audiência prévia – cfr. fls. 378v-379): a) A declaração de resolução, por não cumprimento de encargo, da doação feita pela A. ao 1º R. na escritura de partilha e doações outorgada em 9 de Fevereiro de 1989 e lavrada a fls. 39v. a 42v., do livro 12-F, na Secretaria Notarial de …, relativa aos prédios inscritos na matriz sob os artigos 3…4 e 3…88, descritos na Conservatória do Registo Predial da … sob os números 1…3 e 3…8, respectivamente, da freguesia de ..., e decretado o cancelamento dos registos e inscrições relativos àqueles prédios efectuados a partir daquela escritura; e, b) A condenação do 1º R. a indemnizar a A., em quantia a fixar judicialmente […] d) A condenação dos RR. a restituir-lhe, livres de ónus ou encargos, os prédios inscritos na matriz sob os artigos 3…4 e 3…88, descritos na Conservatória do Registo Predial da … sob os números 1…3 e 3…8, respectivamente, da freguesia de …, bem como em sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento; […] Subsidiariamente: g) A anulação, por existência de uma condição resolutiva a favor da A., da compra e venda dos prédios inscritos na matriz sob os artigos 3…4 e 3…88, descritos na Conservatória do Registo Predial da … sob os números 1…3 e 3…8, respectivamente, da freguesia de …, efectuada através de escritura de compra e venda outorgada em 28 de Março de 2006 e lavrada a fls. 12, 12v., 13, 13v. e 14, do livro 25-A, no Cartório Notarial de DD, na comarca em que foi proposta a acção, e decretado o cancelamento de todos os registos e inscrições efectuados a partir daquela escritura e relativos àqueles prédios, e ordenada a sua restituição à A. Alegou para tanto que: em Fevereiro de 1989, na sequência do óbito do marido, EE, e da respectiva habilitação de herdeiros, foi outorgada escritura de partilha e doações nos termos da qual a A. doou ao 1º R., seu filho, duas verbas, que lhe tinham sido previamente adjudicadas, correspondentes aos dois identificados imóveis; que tal doação foi feita com a condição de o donatário cuidar da doadora na saúde e na doença, com todos os cuidados próprios à sua idade, designadamente no que dissesse respeito à sua alimentação, vestuário, tratamentos médicos, farmacêuticos e hospitalares, reservando a faculdade de considerar resolvida a doação feita ao donatário faltoso; o donatário aceitou aquela doação sujeita àquele encargo e com aquela faculdade de resolução; o 1º R. não cumpriu o seu dever de prestar, pois não cuida da doadora nem quando esta está de boa saúde nem quando está doente, nem lhe presta os cuidados próprios da sua idade, não lhe fornece nem a auxilia na alimentação, e não acompanha nem financia os tratamentos médicos, farmacêuticos e hospitalares de que a A. vai tendo necessidade; o donatário foi instado pela doadora a cumprir, sabendo que, se se mantivesse em tal situação de incumprimento, a A. lançaria mão da faculdade de resolução da doação; aqueles cuidados têm sido assegurados por terceiros e, sem eles, a A. há muito teria perecido, pelo que perdeu o interesse que tinha na prestação; entretanto, aqueles imóveis foram registados a favor do 2º R. porque o 1º R. foi responsável por um acidente de viação e a seguradora propôs contra o mesmo uma acção para exercitar o seu direito de regresso, a que se seguiu o respectivo processo executivo para o pagamento coercivo da quantia exequenda de cerca de € 36.000, e o 1º R., com o intuito de evitar a efectivação daquela responsabilidade, acordou com o 2º R. a transferência daqueles prédios para este, apesar de, na realidade, nenhum negócio terem querido realizar, tratando-se de uma simulação, continuando o 1º R., de facto, a ser proprietário e possuidor daqueles seus bens; com aqueles negócios pretendia também o 1º R. obstar a que o seu património fosse afectado pelos efeitos da resolução da doação que a A. muito provavelmente iria peticionar, dado o incumprimento em que vinha incorrendo; o 2º R. teve perfeita consciência do prejuízo que causaria à A. com aqueles negócios simulados; pelo facto de o 1º R. não cumprir o encargo em que ficou constituído, a A. teve que se socorrer da ajuda de terceiros para se alimentar, vestir e assegurar os tratamentos médicos de que foi necessitando, o que, além do mais, provocou nela tristeza e angústia.

O 2º R. contestou, tendo, além do mais, impugnado toda a factualidade e afirmado que a venda foi real; assiste-lhe a tutela de terceiro de boa fé, pois sendo adquirente oneroso, no momento da aquisição desconhecia, sem culpa, o vício do negócio nulo ou anulável, sendo que a declaração de nulidade ou a anulação do negócio jurídico não prejudica os direitos adquiridos, sendo o registo da aquisição anterior ao registo da acção de nulidade. A A. replicou, mantendo a sua posição Houve intervenção principal provocada de terceiros, FF e GG, como credores hipotecários, na veste de associados dos RR., tendo aqueles feito seus os articulados do 2º R. Foi depois HH, filha da A., nomeada sua curadora provisória, nos termos e ao abrigo do art. 17º do Código de Processo Civil. A fls. 581 foi proferida sentença que julgou improcedente a acção, absolvendo os RR do pedido.

Inconformada, a A. interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, pedindo a alteração da decisão relativa à matéria de facto e a reapreciação da decisão de direito.

Por morte da A. foi deduzido incidente de habilitação; por decisão de fls. 688 foram habilitadas para ocuparem o seu lugar na presente acção as herdeiras II e HH.

Por acórdão de fls. 698 foi alterada a redacção do facto provado B) e, a final, foi proferida – com um voto de vencido e com fundamentação essencialmente diferente a respeito do regime de tutela dos terceiros adquirentes – a seguinte decisão: “Pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente, assim se revogando parcialmente a sentença recorrida, e, em consequência: a) decreta-se a resolução da doação dos dois prédios ao 1º R, e ordena-se o cancelamento dos registos de inscrição de aquisição da propriedade sobre tais prédios a favor do 1º R.; b) no demais se mantendo a sentença apelada.” 2.

Vem a A. habilitada HH interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões: “1. À condição resolutiva a que se sujeita uma doação são aplicáveis os artigos 270.º, 272.º, 274.º, 275.º e 276.º, todos do Código Civil.

2. Os efeitos da verificação da condição operam retroactivamente, à data da doação, pelo que os bens doados revertem para a doadora livres de quaisquer ónus ou encargos que o donatário tenha entretanto constituído sobre os mesmos, já que todos os actos de disposição se consideram ineficazes.

3. E esta ineficácia opera automaticamente com a resolução da doação, sendo oponível a terceiros ainda que estes tenham o seu direito previamente registado, na medida em que o que esses terceiros adquiriram foi um direito condicional.

4. Sabendo o “comprador” da existência do encargo de um dos prédios, ditam as regras da experiência que sabia também da existência desse mesmo encargo sobre o outro prédio, objecto da mesma escritura, até porque foi ele que forneceu os documentos ao Cartório Notarial e tratou de todas as formalidades, ao que era essencial deter a escritura de doação onde consta a cláusula resolutiva.

5. Sem prescindir: se o donatário, aquando da transmissão dos bens doados a terceiro, eventualmente não o informou da existência de tal cláusula resolutiva, trata-se de uma questão que se cinge à relação entre o vendedor e o comprador, ao nível da boa fé na negociação dos contratos com a consequente obrigação de transmissão de elementos essenciais ao negócio e que podem influir na vontade de contratar.

6. A doadora é terceira relativamente a este negócio, estando sempre a sua situação acautelada pela escritura de doação com a aposição da cláusula resolutiva.

7. Seja como for, a questão dos terceiros (relativamente à doadora e ao donatário) só releva para apuramento da responsabilidade por perda ou deterioração dos bens.

8. Ou seja, a restituição dos bens pelos terceiros, é um...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
1 temas prácticos
1 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT