Acórdão nº 14647/14.4T8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelROSA TCHING
Data da Resolução02 de Maio de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 2ª SECÇÃO CÍVEL I. Relatório 1. AA propôs, contra BB, CC, DD, EE - Averiguação e Gestão de Sinistros, Lda, e FF - Companhia de Seguros. SA, ação com processo comum, pedindo a condenação dos réus a pagarem-lhe a quantia de € 41.510,65, acrescida de juros, à taxa legal, desde 26/12/2013, correspondente ao valor que lhe foi atribuído, a título de indemnização decorrente de acidente de viação, e por si não recebido em consequência da atuação dos réus.

2. Contestaram os réus BB, CC, DD e FF - Companhia de Seguros. SA, impugnando a responsabilidade imputada e concluindo pela improcedência da ação.

3. Efetuado julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente, condenando os réus, BB, CC e DD a pagarem à autora a quantia peticionada, acrescida de juros, absolvendo as demais rés do pedido.

4. Inconformadas, com esta decisão, as rés CC e DD dela interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão proferido em 15.09.2018, decidiu conceder provimento a ambos os recursos e alterando, nesta parte, a decisão recorrida, julgou a ação improcedente quanto às rés /apelantes, absolvendo as mesmas do pedido, mantendo em tudo o mais a sentença recorrida.

  1. Inconformada com esta decisão, veio a autora dela interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem: «A) O Douto Acórdão não está juridicamente correcto, considerando a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal da l.

    a Instância e confirmada definitivamente pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa; B) Com efeito, não considerou a relação contratual existente entre a ora Recorrente e as Recorridas; C) Nesse sentido, ficou provado que a Recorrente AA passou procuração forense a favor da Recorrida Dra. CC e que a Recorrida Dra. DD aceitou e fez uso de um substabelecimento aparentemente emitido pela Dra. CC, ambas colegas de escritório; D) Tal relação contratual, sob a forma de mandato, impunha a subsunção dos factos ao regime da responsabilidade contratual regulada pelo art.° 798.° e seguintes do Código Civil e não da responsabilidade por factos ilícitos do art.° 483.° e seguintes do mesmo Código, como sucedeu, o que consubstancia erro na determinação da norma aplicável; E) Ainda que se considerasse existir concurso aparente de responsabilidades, sempre deveria prevalecer no caso concreto, a responsabilidade contratual sobre a responsabilidade por factos ilícitos (extracontratual), nos termos do que tem vindo a ser decidido na mais avisada jurisprudência (Ac. STJ de 07.02.2017, Proc.º 4444/03.8TBVIS.C1.S1); F) O referido erro tem implicações directas na análise e decisão ora impugnada, designadamente, no que respeita aos pressupostos da ilicitude e da culpa, que têm diferenças significativas num ou noutro regime da responsabilidade; G) A ilicitude na responsabilidade por factos ilícitos consubstancia-se no dever geral de não ofender direitos e bens alheios (neminem laederé) e na responsabilidade contratual, a ilicitude decorre do incumprimento dos deveres obrigacionais assumidos pelo contrato; H) Na culpa, a prova incumbe ao lesado na responsabilidade por factos ilícitos e presume-se na responsabilidade contratual; I) Dos factos provados resulta de forma clara e evidente a prática de actos ilícitos e culposos por parte das ora Recorridas, que o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa não deu a devida e necessária relevância; J) Nesse sentido, note-se, por exemplo, quanto à Recorrida CC, os factos provados n.° 9, 13 e 20, dos quais resulta sumariamente que a Advogada nunca informou a sua Cliente do andamento dos autos e, quando recebeu o cheque a ela destinado correspondente à indemnização de acidente de viação, entregou-o a um terceiro, o Réu BB; K) Já quanto à Recorrida DD vejam-se os factos provados n.° 16, 17, 21 a 23, dos quais resulta que a Advogada, na posse de um substabelecimento e, portanto, em representação da ora Recorrente, logrou proceder ao levantamento de um cheque na FF, o qual posteriormente foi descontar no Banco, através da sua conta, quantia que entregou integralmente a terceiro, o Réu BB; L) Releva ainda quanto à Dra. DD o facto de que entre o acto de levantar o cheque na FF e o desconto do mesmo no Banco, surgiu o nome da Recorrente no verso do cheque, a título de endosso, o qual era falso e a própria sabia ou tinha que saber, circunstância que a não impediu de prosseguir com a sua demanda; M) Nenhuma das Recorridas fez prova de qualquer facto susceptível de ilidir a presunção da sua culpa; N) Mesmo que se admitisse, especialmente no caso da Recorrida DD, que a fonte da sua responsabilidade decorre de factos ilícitos, todos os seus pressupostos se verificam no caso sub judice; O) Pelo que, a decisão de absolvição configura um erro de julgamento, pois dela decorre uma flagrante desconformidade entre o seu conteúdo absolutório e a matéria de facto na qual assentou; P) Acresce que, o Douto Acórdão na ponderação dos pressupostos da ilicitude e da culpa, exige (ou assim parece) a verificação de requisitos que a lei não determina, como seja, o enriquecimento das lesantes e a prova pela lesada da motivação daquelas, o que configura uma violação do art.° 483.°, n.° 1 ou do art.° 798.° do Código Civil; Q) Os factos provados revelam de forma insofismável a actuação ilícita e culposa das Recorridas pelo que, em prol da justiça, impõe-se decisão que a reconheça e declare, com as inerentes consequências legais.

    Termos em que, e nos que doutamente serão supridos, deve o presente recurso ser julgado procedente e provado e o Acórdão recorrido revogado e substituído por outro que condene as Recorridas no pedido formulado pelo Autora e que conforme a decisão às conclusões atrás formuladas e suas consequências».

    Requereu, ao abrigo do disposto no art.° 680.°, n.° 1 do Código de Processo Civil, a junção de 1 (um) documento – fotocópia do despacho de pronúncia proferido em 18.04.2018, no Proc.° nº 1164/15.4TDLSB do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, e que pronunciou as ora recorridas como arguidos -, alegando, para tanto, tratar-se de um documento superveniente à instauração da ação (29.12.2014) e da própria interposição do recurso de apelação (06.11.2017).

  2. A ré, DD, respondeu, terminando as suas contra alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem: «1. Ao contrário do alegado pela Recorrente o Douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, que decidiu absolver as Rés do pedido contra elas formulado, não merece qualquer reparo ou censura, encontrando-se devidamente fundamentado.

  3. Com efeito, o Douto Acórdão recorrido veio considerar que atenta a matéria dada como provada, que não mereceu qualquer censura pelo Tribunal superior: reputa-se tal factualidade claramente insuficiente para, seja em que termos de ilicitude ou de culpa, fundamentar a condenação das apelantes. Provado, efectivamente, não haver sido recebida pela Recorrente a quantia em causa, por do respectivo montante se ter indevidamente apossado o R. BB não resultou, todavia, sequer minimamente demonstrado que para tal haja contribuído, ainda que a título de negligência, a actuação daquelas.

  4. Não assiste razão à Recorrente quando pretende, à revelia da factualidade por si alegada, reconduzir a actuação da Ré DD a uma situação geradora de responsabilidade civil contratual, na qual a culpa se presume (art. 799.º CC).

  5. Não só tal nunca foi alegado, como não existe matéria de facto provada que permita atestar que a Ré DD actuou como mandatária substabelecida da Autora.

  6. Os factos provados 21 e 22 atestam que existe um substabelecimento e alguém que se apresentou na FF munida do mesmo, mas nada mais do que isso.

  7. A Ré CC rejeita ter elaborado o referido substabelecimento e nenhuma identificação foi solicitada a quem se apresentou com o mesmo.

  8. Acresce que, a Autora não outorgou procuração à Ré DD, nem sequer esta conheceu alguma vez a Autora (facto provado 4. “A Autora outorgou Procuração Forense a favor das Advogadas Dr.ª CC, ora Ré, Dr.ª GG e Dr.ª HH (…); facto provado 5. “O escritório da Ré Dr.ª CC, Dr.ª GG e Dr.ª HH, à data, encontrava-se no mesmo espaço em que se encontrava a Sociedade EE”; facto provado 9. “Desde a realização da Audiência de Julgamento a Autora não foi informada pelas Mandatárias constituídas do andamento do processo”).

  9. Resultando assim da matéria provada que a Ré DD nunca praticou qualquer acto enquanto Advogada da Recorrente, que justifique a aplicação do instituto da responsabilidade civil contratual.

  10. Recorde-se que por confissão do Réu BB resultou desde logo a seguinte matéria como provada no despacho saneador: 1. A co-Ré CC entregou ao Réu o cheque de indemnização da Autora, emitido pelo co-Réu FF, Companhia de Seguros, S.A., no valor de 41.510,65 Euros; 2. O Réu procedeu ao desconto do cheque emitido pelo co-Réu FF, Companhia de Seguros, S.A., no valor de 41.510,65 Euros, datado de 26-12-2013, solicitando à co-Ré DD que o fizesse, por esta ser titular de conta junto do Banco II, em 27 de Dezembro de 2013 (data constante do documento de fls. 74 – documento 11 junto pela Autora).3. A co-Ré DD entregou ao Réu BB a totalidade do montante titulada pelo cheque. 4. O Réu não procedeu à entrega de qualquer valor à Autora.

  11. Ou seja, apenas ficou provado que a Ré DD descontou o cheque em questão e que entregou a quantia em causa ao Réu BB, não existindo outra matéria dada como provada que evidencie que a mesma teve intervenção directa e consciente em toda esta situação que levou ao enriquecimento ilícito do Réu BB.

  12. A única intervenção da Ré DD nos factos é a vertida nos artigos 17 e 18 dos factos provados, que dá conta da ajuda pedida pelo Réu BB à Ré DD (“solicitando à co-Ré DD que o fizesse, por esta ser titular de conta junto do Banco II, em 27 de Dezembro de 2013 (data constante do documento de fls. 74 – documento 11 junto pela Autora)”, tendo a...

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