Acórdão nº 27908/15.6T8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelROSA TCHING
Data da Resolução16 de Maio de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 2ª SECÇÃO CÍVEL I. Relatório 1. AA intentou ação declarativa com forma comum contra BB, peticionando a condenação desta no pagamento da quantia de € 334.900,00, acrescida de juros de mora à taxa legal, vencidos e vincendos desde 31/1/2013 e até integral pagamento.

Alegou, para tanto, e em síntese, que: Entre 2001 e 2012 emprestou à R. a quantia total de € 334.900,00; No Verão de 2012 interpelou a R. para que a dívida começasse a ser amortizada; Após várias insistências por parte do A., a R. assinou, no escritório da Dr.ª CC, advogada, uma declaração em que reconheceu que devia ao A. a quantia de € 89.400,00; Posteriormente, em 17/10/2012, a R. reconheceu que, para além da quantia supra referida, devia ainda ao A. a quantia de € 250.000,00, tendo preenchido e aceite uma letra de câmbio nesse valor a favor do A., mais subscrevendo uma declaração onde constava o reconhecimento da dívida ao A. no valor de € 250.000,00, e sendo acordado que a letra teria o seu vencimento em 31/1/2013; Tendo os originais dos documentos ficado no escritório da referida advogada, a R. aproveitou-se de uma distração da mesma e, sem sua permissão, subtraiu tais documentos.

  1. A R. apresentou contestação. Excecionou a ineptidão da petição inicial. Negou a factualidade alegada pelo A. e, invocando que este faltou manifestamente à verdade, concluiu pela improcedência da ação e pela condenação do A. como litigante de má-fé, em indemnização a seu favor não inferior a € 5.000,00.

  2. O A. respondeu, concluindo pela improcedência da ineptidão da petição inicial e do pedido de condenação por litigância de má fé.

  3. Proferido despacho saneador, nele julgou-se, para além do mais, improcedente a invocada exceção de ineptidão da petição inicial.

    Foi proferido despacho que fixou o objeto do litígio, elencou os factos assentes e enunciou os temas de prova.

  4. Realizada a audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que julgou a presente ação parcialmente procedente e, em consequência, condenou a R. a pagar ao A. a quantia de € 103.227,56, acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legal de 4% ao ano, a contar da citação e até integral pagamento, absolvendo a ré da parte sobrante do pedido.

  5. Inconformada com esta decisão, dela apelou a ré para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão proferido em 04.10.2018, com um voto de vencido, julgou improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.

  6. Inconformada, de novo, com esta decisão, dela interpôs a ré recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo as suas alegações com as seguintes conclusões que se transcrevem: (i) Os fundamentos apresentados para a decisão padecem de ambiguidade e ausência de apreciação critica e fundamentada na apreciação de prova documental e testemunhal.

    (ii) Não podia ter sido dado como provado o facto "2 - O A. emprestou à R. BB valores que totalizam € 103.227,56 (cento e três mil, duzentos e vinte e sete euros e cinquenta e seis cêntimos), quantia a que a R. se obrigou a restituir".

    (iii) A decisão recorrida padece de erro e omissão na apreciação critica e fundamentada de documentos juntos aos autos, designadamente de extracto de conta bancária do A. a fls. 136 e ss e que determinam entendimento diferente quanto à apreciação dos demais documentos juntos, designadamente de cópias de cheques juntas aos autos, o que determina a nulidade da decisão recorrida.

    (iv) A prova testemunhal referida na sentença como consubstanciando prova da existência de empréstimos sucessivos entre o Recorrido e a Recorrente surge contraditada por documentos juntos aos autos, sendo que nenhuma testemunha se referiu à forma como tais cheques foram emitidos, quanto ao seu desconto pela Ré ou se existira acordo entre o A. e a Ré para que as quantias descontadas devessem ser reembolsadas.

    (v) Foi ignorado o depoimento da testemunha DD, que, sendo casado com a Recorrente confirmou não ter a mesma recebido qualquer empréstimo do Recorrido ou qualquer outra quantia que não fosse do seu salário.

    (vi) Os extractos bancários e cheques juntos a fls. 136 e ss dos autos diziam respeito a uma conta onde eram depositados valores em numerário resultantes de pagamentos de serviços prestados pela EE, Lda. a seus clientes, e que não lhes eram facturados, verificando-se fuga à cobrança e pagamento dos correspondentes impostos, o que foi explicado pela Recorrente em declarações de parte.

    (vii) Essa é a razão de ser dos depósitos na conta bancária do Recorrido serem praticamente todos efectuados em numerário, nunca excedendo os € 10.000,00 de forma a não levantar suspeitas, tendo em atenção as normas legais relativas à prevenção de branqueamento de capitais, que impunham aos bancos o reporte de depósitos ou movimentações em numerário de valores superiores àquela quantia.

    (viii) Os valores que seriam levantados por via de cheque eram usados para pagamento a fornecedores que não pretendiam factura e aos trabalhadores, na parte que mensalmente lhes era paga "fora da folha" o que é comum nas empresas de construção civil como era o caso da EE, Lda.

    (ix) A Recorrente nunca fícou com nenhuma quantia titulada pelos cheques de fls 136 e ss. juntos aos autos, sendo dinheiro normalmente levantado e usado para efetuar pagamentos relativos à EE, Lda, tendo explicado de forma séria e credível o procedimento existente naquela empresa quanto a esse aspecto, em sede de declarações de parte.

    (x) Tal é evidenciado pela forma como os cheques eram emitidos, ou seja ao portador, sendo que possuindo a Recorrente conta bancária na mesma instituição (Banco Espírito Santo) era e é prática bancária descontar-se cheque sem necessidade do mesmo ser depositado, o que era aproveitado pelo A.; (xi) Não é de crer segundo as regras da experiência comum que a Recorrente pouco mais de um ano de estar a trabalhar na empresa EE, Lda auferindo um salário mínimo de € 399,00 mensais, mediante contrato de trabalho a termo certo, lhe fosse mutuado pelo Recorrido, gerente da sociedade, a título pessoal quantia acima de € 31.973,23, ou seja, quase 6 vezes o seu salário anual, quando tal impunha o seu reembolso muito para além até do vinculo laboral existente com aquela empresa.

    (xii) Não é de crer porque razão não transferiria o Recorrido o valor que mutuava à Recorrente para a conta bancária desta em vez de socorrer-se a cheques ou a dinheiro.

    (xiii) É completamente inverosímil que o Recorrido emitisse dois cheques ao portador, na mesma data, se as quantias nele apostas se destinavam à Recorrente, o que ocorreu em Outubro e Novembro de 2004, conforme resulta da análise dos cheques juntos aos autos ainda quando a Recorrente era uma administrativa com vínculo precário à empresa.

    (xiv) Surge nada conforme com as regras de experiência comuns que no mês de Julho de 2012 tenha o Recorrido mutuado à Recorrente, uma simples funcionária administrativa a quantia de € 24.100,00, por via de três cheques emitidos ao portador com esparsos dias de diferença, e para mais havendo valor alegadamente em divida elevado anterior.

    (xv) E muito menos é de acreditar que o Recorrido mutuasse valores à Recorrente, sua funcionária, ficando com a sua conta a negativo em cerca de € 1.371,19, conforme extracto bancário conta n.° 01…02 de 29/06/2012 a 29/07/2012.

    (xvi) Nenhum motivo válido ou concreto é indicado pelo Recorrido para mutuar quaisquer valores à Recorrente, muito menos a quantia de € 103.227,56 ou mesmo os € 334.900,00 que o mesmo diz ter mutuado à Recorrente, ao logo de mais de 11 anos, alegando apenas que a mesma tinha algumas dificuldades económicas que, aparentemente, ao logo do tempo nunca foram ultrapassadas a fazer crer na tese do Recorrido.

    (xvii) Nenhum sentido faz alegar o Recorrido que a Recorrente tinha dificuldades financeiras, mutuando-lhes valores de forma recorrente, e já devendo valor elevado, permitisse a aquisição pela Recorrente em 2008 de um veículo automóvel Ford S-Max, adquirida a leasing pela EE, Lda e exigisse o pagamento das respetivas prestações mensais no montante de € 333,61, o que foi efectuado pela Recorrente por via de transferências bancárias mensais para a mesmíssima conta bancária de onde eram emitidos os cheques ao portador, evidenciando que aquela conta, documentada nos autos a fls 136 e ss mediante extracto bancário, apesar de ser titulada por Recorrido servia propósitos da própria EE, Lda.

    (xviii) Aliás, analisando-se extractos bancários, para além dos depósitos em numerário, facilmente se constata que não era conta que o Recorrido usasse para fins pessoais, não se registado ali o depósito do seu salário, ou pagamentos pessoais como água, eletricidade, telefone ou mesmo supermercado.

    (xix) Nenhum sentido faz e não é de acreditar na versão do Recorrido.

    (xx) Na ausência de prova produzida pelo A. para precisamente aferir (ou não) da existência de um contrato de mútuo conforme se impunha, o Tribunal recorrido chamou à colação "as regras da experiência comum" para chegar à "presunção" que as quantias descontadas pela R. por via de cheques ao portador só poderiam ser empréstimos do A. àquela, posição com a qual a R. não pode concordar.

    (xxi) Nos termos do Acórdão do STJ de 06/07/2011, Proc. 3612/07.6TBLRA.C2.S1 disponível em www.dgsi.pt, a titulo de exemplo, "as regras de experiência não são meios de prova, mas antes raciocínios, juízos hipotético de conteúdo genérico, assentes na experiência comum, independente dos casos individuais em que se alicerçam, com validade, muitas vezes, para além do caso a que respeitem, adquiridas em parte, mediante a observação do mundo exterior e da conduta humana, e, noutra parte, mediante investigação ou exercício científico de uma profissão ou industria...

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