Acórdão nº 1546/15.1T8CTB.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Setembro de 2019

Magistrado ResponsávelASSUNÇÃO RAIMUNDO
Data da Resolução10 de Setembro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – Relatório: Na Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco, Juízo Cível, Juiz 1, AA moveu contra BB, uma ação de prestação de contas, pedindo que o réu seja condenado a prestar contas referentes à administração do património de CC, na pendencia da procuração por esta outorgada. Pediu ainda que, caso se viesse a apurar saldo a favor da massa hereditária, o réu fosse condenado ao pagamento do respetivo montante.

Alega, em síntese, que em ... faleceu CC, fazendo parte do acervo hereditário, entre o mais, os montantes das contas bancárias que possuía na DD, S.A. e na EE da Beira Baixa (Sul), CRL.

A referida CC, em 02 de Setembro de 2009, passou procuração a BB, conferindo-lhe, entre outros, os poderes para movimentar qualquer conta à ordem ou a prazo de que aquela fosse titular junto das instituições bancárias “DD, S.A. e/ou EE da Beira Baixa (Sul), CRL, requerer e assinar cheques ou fazer levantamentos de qualquer importância em dinheiro, requerer e assinar extratos bancários e cadernetas de depósitos.

Tendo-se procedido à habilitação dos herdeiros de CC, a cabeça de casal, ora autora, vem aos autos com o referido pedido.

O réu contestou, tendo-se defendido por exceção e por impugnação, negando a obrigação de prestar contas.

Foi realizada a audiência prévia, onde foi julgada improcedente a arguida ineptidão da petição e se fixou o valor da causa em € 521 278,21, identificando-se o objeto do litígio e os temas da prova.

Após julgamento, foi proferida a sentença com a seguinte decisão: “«[…] julga-se procedente a pretensão da Autora, AA e das Chamadas, FF e GG, no sentido da obrigatoriedade de prestação de contas, por parte do Réu, BB, àquelas, da administração dos bens de CC, no período compreendido entre 02 de setembro de 2009 e ...

.” Inconformado com a decisão, o réu interpôs recurso de apelação no Tribunal da Relação de Coimbra, que julgou o recurso procedente e, em consequência, revogou a sentença recorrida, julgou a ação improcedente e absolveu o réu do pedido Tal decisão mereceu voto vencido da Exmª Desembargadora, 2ª Adjunta.

Inconformadas, a autora e a chamadas vieram interpor recurso de revista formulando as seguintes conclusões: I. O presente recurso interposto do douto Acórdão que decidiu revogar a sentença recorrida, julgando a acção improcedente, absolvendo o réu do pedido, isto é, que o Réu (ora Recorrido) não tem que prestar contas às Autoras (ora Recorrentes) nos termos previstos no artigo 941.º do Código de Processo Civil, no período compreendido entre 02 de Setembro de 2009 e ....

  1. Os fundamentos do douto acórdão ora recorrido são os que constam das páginas 14 a 18 e que passamos a transcrever: (…) III. Contudo, as ora recorrentes não concordam com a posição do douto acórdão ora recorrido, na medida em que se é verdade que o mandato se extingue por morte do mandante, nos termos do artigo 1174.º, a), do Código Civil (CC), não é menos verdade que o termo do mandato seja porque motivo for não extingue a obrigação do procurador prestar contas (artigo 1174.º, e), do CC).

  2. Por outro lado, a morte do mandante não extingue o direito dos herdeiros legais exigirem a prestação de contas ao procurador, sob pena daquele ficar com “um cheque em branco” no caso de sobreviver ao mandante, o que certamente iria dar acolhimento legal e subverter o espírito que preside ao contrato de mandato em caso de morte do mandante.

  3. Ou seja, o entendimento sustentado no acórdão ora recorrido, conduz à solução, no nosso entendimento perversa e insustentável de dar guarida a gestões danosas do procurador em caso de morte do mandante, visto que o procurador está isento de prestar contas a quem quer seja e fica a salvo de qualquer gestão danosa ou menos séria dos poderes que lhe foram conferidos, solução que sem dúvida defraudada e muito a teleologia do contrato de mandato.

  4. Com efeito, as recorrentes não podem estar mais de acordo com a posição de voto vencido da Sra. Desembargadora Sílvia Pires, referindo a este propósito na sua declaração de voto vencido (cfr. páginas 19 e 20 do acórdão ora recorrido) o seguinte: “Aliás, a prestação de contas pelo mandatário ocorre habitualmente no termo do mandato, como aliás refere expressamente a referida alínea d), do art.º 1161º, do C. Civil, pelo que caducado o contrato de mandato, pela morte da mandante, sobre o mandatário continua a recair o dever de prestar contas do mandato exercido, o qual deve ser feito perante os herdeiros do mandante, ou apenas perante o cabeça de casal, face aos poderes deste na administração da herança. Estamos perante a transmissão de um direito patrimonial do mandante para os seus sucessores, a que corresponde uma situação de pós-eficácia das obrigações, relativamente ao mandatário.

    Daí que não haja obstáculo a que as herdeiras da mandante falecida exijam do mandatário a prestação de contas relativas a mandato por este exercido.

    Seria, aliás, incompreensível que a morte da mandante viesse a isentar o mandatário do dever de prestar contas do mandato exercido”.

  5. Neste sentido, dir-se-á ainda que o dever de prestar contas não se extingue com término do contrato de mandato, nem mesmo nos casos em que se extingue por morte, sob pena de nestes casos em concreto o procurador ficar isento deste dever e, sabendo antecipadamente disso, poder defraudar o seu mandato de gerir o património com o maior zelo possível e exigível no interesse do mandante, pois sabe de antemão que caso sobreviva ao mandante jamais terá que justificar – leia-se prestar contas – a quem quer seja os actos de mérito ou danosos que provocar ao mandante (ou seus herdeiros) em benefício do próprio procurador ou terceiros que não o mandante, o que manifestamente é uma solução jurídica abstrusa e que defrauda os princípios básicos e finalidades do contrato de mandato, pelo que no caso em concreto o Recorrido/Réu tem a obrigação de prestar contas às Recorrentes Autora e Intervenientes.

  6. Ademais, também não colhe o segundo argumento do acórdão ora recorrido, segundo o qual o Recorrido/Réu não é obrigado a prestar contas nos casos em que o mandato não tenha tido reflexos no património do mandante.

  7. No caso vertente, e mais uma vez de encontro ao expendido pela Sra. Desembargadora Sílvia Neves, parece-nos evidente que o mandato em questão ao permitir a movimentação de contas bancárias e tendo sido alegado e demonstrado que houve vários levantamentos das contas bancárias da mandante, teve óbvios reflexos no património da mandante...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
1 temas prácticos
1 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT