Acórdão nº 341/13.7TBVNO-I.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Julho de 2019

Magistrado ResponsávelRICARDO COSTA
Data da Resolução11 de Julho de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 6.ª Secção I. Relatório 1.

AA intentou acção declarativa, sob a forma de processo comum, para separação e restituição de bens (art. 146º e ss do CIRE), pedindo a (i) separação do bem imóvel, identificado como verba n.º 8 no “Auto de Apreensão e Arrolamento” (art. 151º do CIRE) constante do apenso C do processo de insolvência em que foi declarada insolvente a “BB, Lda.”, da Massa Insolvente dessa “BB” e a restituição ulterior à esfera jurídica da “CC, S.A.”, tendo em vista o pagamento do Autor, e a (ii) suspensão da liquidação do activo da insolvente, relativamente ao bem objecto da acção, nos termos do art. 160º do CIRE, uma vez lavrado o protesto a que alude o art. 146º, 3, do CIRE, que igualmente se peticionou.

  1. Por despacho de 11 de Abril de 2018, que faz fls. 20, o tribunal de 1.ª instância admitiu a acção e ordenou a citação dos credores da insolvente nos termos do art. 146º, 1, do CIRE, assim como a suspensão da liquidação quanto à referida verba n.º 8, com notificação do Administrador da Insolvência.

  2. Em contestação, a credora “DD, S.A.R.L.” pugnou pela improcedência da acção, “devendo o imóvel identificado na petição e apreendido na insolvência (…) ser vendido da insolvência a que os autos (…) se encontram apensos”.

    Também contestando, a Massa Insolvente da “BB” refutou o peticionado e pugnou pela improcedência da acção por absolvição da Ré do pedido.

  3. O Tribunal de 1.ª instância, em sede de audiência prévia, realizou tentativa de conciliação e, perante a frustração de consenso, proferiu saneador-sentença nos termos do art. 595º, 1, b), do CPC, no qual decidiu: “(…) liminarmente indefiro a presente demanda cujo Autor é AA.

    Em consequência, a liquidação da Massa Insolvente de BB, Lda. prosseguirá os seus devidos termos, uma vez transitada em julgado a presente Decisão”.

    Usou da seguinte fundamentação: “A todo o direito corresponde ação que possa efetivá-lo, constituí-lo ou quanto muito reconhecê-lo (artigo 2.º, n.º 2 do CPC).

    Constrói-se a realidade jurídica em consonância com as realidades apuradas e firmadas nas sentenças, de acordo com a lei e com o direito, sendo as sentenças fonte imediata do próprio direito.

    A sentença proferida e acima identificada em 2 é clara no sentido que tornou ineficaz a relação de AA e o contrato de compra e venda de 04-11-2010, permitindo ao referido Autor a execução de crédito à custa daquele património, ou seja, o imóvel aqui apreendido como verba n.º 8.

    Decorre claro daquela sentença, decorre claro das regras do direito quanto à Ação Pauliana, de que a aqui insolvente manteve-se dona do referido imóvel (artigo 610.º e seguintes do CC e, ainda, artigo 818.º, 2.ª parte do mesmo diploma legal).

    Aqui chegados, tendo presente a interpretação daquela sentença, das também referidas normas legais citadas e dos subsequentes ensinamentos acerca da Ação Pauliana que a tese de mestrado de Cura Mariano mostra (Edição Almedina - facilmente adquirível no mercado).

    Resulta claro que a Ação Pauliana é meramente declarativa de uma realidade a qual está espelhada naquela sentença.

    Compaginando a referida sentença com a efetiva e definitiva apreensão da Massa insolvente (ponto 2 e 4 dos factos acima provados), resulta claro que ao Autor não é legítimo o uso do presente meio judicial para a procedência do ora peticionado; além do mais a pretensão em causa é impedida pelos termos impostos pelo artigo 141.º e seguintes do CIRE.” 5.

    Inconformado, o Autor interpôs o presente recurso per saltum, formulando as seguintes conclusões: A. Por sentença de 17/02/2014, devidamente transitada em julgado, proferida no Apenso D dos autos de insolvência principais, foi declarado: “a) ineficaz, em relação ao autor, AA, o contrato de compra e venda celebrado em 04-11-2010, entre a 1.ª ré, “CC, S.A.” e a 2.ª ré, “BB, Lda.”, que teve por objeto o prédio urbano, sito na E.N. ..., ..., ..., inscrito na matriz sob o artigo P ....º e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ... da freguesia de ...” e que “b) o autor pode obter pagamento do seu crédito à custa do dito prédio”.

    B. A ré Massa Insolvente, representada pelo Sr. A. I., devidamente notificada do teor da sentença em 04/03/2014, conformou-se com o teor da mesma e dela não interpôs recurso, pelo que a mesma transitou em julgado.

    C. O recorrente cuidava que conhecia os efeitos do caso julgado e que podia confiar nas decisões dos tribunais.

    D. Efetivamente, dispõe o artigo 619.º, n.º 1 do C.P.C. que “Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º”.

    E. Por sua vez, dispõe o artigo 621.º do C.P.C. que “A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga (…)”.

    F. Contudo, o recorrente andava iludido! G. Afinal, as sentenças dos tribunais, mesmo quando proferidas no mesmo processo, não são para cumprir! H. Efetivamente, em 27/03/2013, o recorrente intentou ação de impugnação pauliana contra as sociedades “CC, S.A.” e “BB – …, Lda.”, à qual foi atribuído o n.º 1563/13.6TBLRA, pelo extinto 3.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de ....

    I. A ação foi devidamente registada pelo autor na Conservatória do Registo Predial, pela Ap. n.º ..., de 2013/03/28.

    J. Logo em 04/04/2013 foi declarada a insolvência da sociedade “BB, Lda.”, ali 2.ª ré.

    K. Tendo sido nomeado Administrador de Insolvência, o Sr. Dr. EE. (cfr. sentença dos autos principais de insolvência).

    L. Assim, no dia 19/09/2013, foi o Sr. A. I. citado para os termos da ação pauliana intentada pelo recorrente, em nome da Massa Insolvente da sociedade “BB, Lda.”.

    M. O Sr. A. I. nomeado nos autos principais de insolvência não ofereceu contestação, N. Tendo, antes, requerido a tramitação por apenso da ação pauliana ao processo de insolvência, porque, no seu entendimento, “a ação, que foi intentada contra a insolvente, relativamente a um bem compreendido na Massa Insolvente, pode influenciar o valor da massa insolvente”. (cfr. requerimento com a ref.ª Citius n.º 2654670 do Apenso D) O. A ação de impugnação pauliana foi, assim, tramitada por apenso aos autos principais de insolvência, constituindo o seu Apenso D. (cfr. conclusão com a ref.ª Citius n.º 8521625 do Apenso D) P. Nela, o tribunal proferiu sentença onde entendeu que “A mencionada venda foi realizada com a exclusiva finalidade de frustrar a satisfação do crédito do autor. As rés agiram com dolo direto – atuação com intenção ou propósito de causar dano ao credor (apesar de, quanto a este requisito, a lei se bastar com a negligência consciente, ou seja, com a representação da possibilidade de produção do resultado danoso) – qualificável como má-fé”, Q. Pelo que “o pedido do autor procede tão-somente na parte em que peticiona a declaração de ineficácia do contrato de compra e venda em discussão, de modo a que o mesmo possa obter o pagamento do seu crédito no património do adquirente (2.ª ré)”.

    R. O que o tribunal a quo parece ter esquecido é que o autor não é credor da massa insolvente da “BB, Lda.”, S. Mas da sociedade “CC, S.A.”, T. E que, sendo a ação pauliana uma ação pessoal, o recorrente pode executar o imóvel alienado como se ele não tivesse saído do património da devedora – a sociedade “CC, S.A.” []–, na medida do necessário para satisfação do seu crédito, sem sofrer a competição dos credores da adquirente – a massa insolvente da “BB, Lda.”.

    U. Efetivamente, a declaração de ineficácia do contrato de compra e venda em discussão, perante o ora recorrente, permite-lhe executar o bem alienado como se, hipoteticamente, o mesmo não tivesse saído do património do devedor.

    V. O tribunal a quo remete para os “ensinamentos acerca da Ação Pauliana que a tese de mestrado de Cura Mariano mostra” para justificar o indeferimento liminar da presente demanda.

    W. No entanto, o que Cura Mariano refere é que o facto de se utilizar a palavra “restituição”, não significa uma viagem de regresso entre patrimónios, mas uma reconstituição da garantia patrimonial do crédito do impugnante.

    X. Por via da insolvência da adquirente, foi o imóvel em causa apreendido para a massa insolvente, em 05/09/2013.

    Y. Aliás, como se escreveu na douta sentença proferida no apenso D, “Em face da declaração de insolvência da 2.ª ré, o processo próprio ao dispor do autor para obter a restituição ao património da 1.ª ré do imóvel em causa é o processo especial de restituição de bens, previsto no citado artigo 141.º do CIRE. É esse o meio próprio e único de reação contra uma apreensão indevida de bens em processo de insolvência. Por outras palavras, todo aquele que se sinta lesado pela apreensão de bens efetivada pelo administrador de insolvência ou, como no caso, pretenda a restituição do património a terceiro de bem apreendido para a massa insolvente, tem de recorrer necessariamente ao procedimento para restituição e separação de bens previsto no artigo 141.º a 148.º do CIRE. Tal procedimento constitui o único meio de reação contra a apreensão indevida em processo de insolvência”.

    Z. Pelo que, nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do artigo 141.º do CIRE, a presente demanda constitui o meio idóneo para o autor poder dar cumprimento à sentença que reconheceu o seu direito e obviar à venda do imóvel pela massa insolvente antes de ter obtido o pagamento do seu crédito à custa do dito prédio, AA. Pois que a sentença que julgou procedente a impugnação pauliana não pode ser executada se o bem que dela foi objeto integra a massa insolvente.

    BB. A declaração de ineficácia do contrato de compra e venda do prédio apreendido como verba n.º 8, aproveitando apenas ao autor (artigo 616.º, n.º 4 do CC), CC. É oponível a todos os credores da massa insolvente da “BB, Lda.”.

    DD. Só assim se justifica a apensação da ação pauliana aos autos de insolvência.

    EE. Se a ação...

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