Acórdão nº 20/16.3GGVNG-I.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Julho de 2019
Magistrado Responsável | LOPES DA MOTA |
Data da Resolução | 11 de Julho de 2019 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
ACÓRDÃO Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1.
AA, arguido, identificado nos autos, preso preventivamente, apresenta petição de habeas corpus, subscrita pelo seu advogado, com o fundamento previsto no artigo 222.º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Penal (CPP), nos seguintes termos (transcrição): «O arguido AA vem acusado, como autor material, em concurso efetivo e na forma consumada, na prática de um (1) crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, e 24.º, al. b) e c), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-C, anexa ao citado diploma legal, de um (1) crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º 1, al. c), do RJAM por referência ao art. 3.º, n.º 1, do RJAM, e de um (1) crime de branqueamento de capitais, previsto e punido pelo artigo 368.º-A, n.º 1 e 3, do Código Penal.
Está em situação de preso preventivo juntamente com BB, CC, DD, EE e FF, este último em GG.
Estão ainda constituídos arguidos outros 16 arguidos que estão em liberdade e que para o caso não são relevantes.
Após a Acusação ter sido proferida, o arguido BB requereu a abertura da fase de instrução nos termos e para os efeitos do artigo 287.º do CPP.
Proferida a decisão instrutória, o Tribunal de Instrução Criminal do Porto decidiu pronunciar para julgamento o arguido BB por todos os crimes pelos quais vinha indiciado, juntamente com todos os restantes arguidos nos exatos termos da acusação.
Todavia, o arguido EE requereu também a abertura de instrução que não foi aceite pelo Mma. Juíza por ser intempestiva.
Ora, inconformado com o despacho do Mma. Juíza que decidia intempestiva a abertura de instrução veio o arguido EE interpor recurso do despacho para os Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação do Porto.
Nesta sequência, o Tribunal da Relação do Porto, decidiu considerar o requerimento de abertura de instrução tempestivo, julgando parcialmente provido o recurso interposto pelo arguido EE – cfr. doc. 1 que se junta.
Com efeito, o Tribunal da Relação do Porto determinou, em consequência, a revogação do despacho requerido e, por sua vez, ordenou que “o juízo de instrução criminal, 1.ª secção, juiz 3, do Porto profira novo despacho a apreciar o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo recorrente tendo por base que: - o prazo de vinte dias para se pedir a instrução se iniciou em princípio em 27/12/2018 e que o prazo, também em princípio, findou em 16/01/2019, com o acréscimo de três dias úteis acima referido; tudo sem prejuízo de se poder analisar se a notificação não foi enviada em 24/12/2018 mas sim posteriormente ou se a notificação do advogado do recorrente ocorreu em data posterior a 27/12/2018, sem que nada evidencie que esta última dilação ocorreu por sua responsabilidade.” Ora, considerando a decisão do Venerando Tribunal da Relação do Porto que determina que o juiz de instrução criminal profira novo despacho a apreciar o requerimento de abertura decisão instrutória e, em consequência, a repetição do debate instrutório e a prolação de nova decisão instrutória, entendemos que o prazo de duração máxima da prisão preventiva, relativamente ao arguido AA, foi excedido.
Neste sentido, sublinhe-se, que à ordem do presente processo o arguido foi sujeito à medida de coação de prisão preventiva em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido a 15/12/2017.
Saliente-se também que o presente processo foi declarado de especial complexidade.
Ora, na sequência da admissão parcial do recurso interposto pelo arguido EE, a repetição da instrução acarreta a violação do prazo de duração máxima da prisão preventiva do arguido AA.
Senão vejamos: Nos termos e para os efeitos do artigo 215.º, n.º 1, al. b), e n.º 3, do CPP, o prazo máximo da prisão preventiva é elevado para um ano e quatro meses, uma vez que a instrução é admissível e uma vez que o presente processo é de especial complexidade.
Ora, tal como decorre do art.º 307º, nº 4 do CPP a circunstância de a instrução ter sido apenas requerida por um arguido não prejudica o dever de o juiz retirar da instrução as consequências legalmente impostas a todos os arguidos, nomeadamente relativamente ao próprio requerente.
Pese embora tal não esteja consagrado explicitamente na lei, afigura-se-nos que a melhor solução é aplicar neste contexto as normas paralelas às dos recursos, formuladas nos arts. 402.º e 403.º do CPP.
Com efeito, impõe o art.º 402.º, nº 2, a), do CPP que o recurso “interposto por um dos arguidos, em caso de comparticipação, aproveita aos restantes”.
Quer isto dizer, que impondo-se a um arguido a repetição da instrução então, por maioria de razão, tem de se admitir essa repetição da instrução a todos os arguidos.
Aliás de acordo com Acórdão de fixação de Jurisprudência do STJ proferido em 19/10/1995 “requerida a instrução por um só ou por algum dos arguidos abrangidos por uma acusação, os efeitos daquela estendem-se aos restantes que por ela possam ser afectados, mesma que a não tenham requerido”.
Impõe-se, pois, que o juiz de instrução retire para esta situação as devidas consequências legais impostas a todos os arguidos promovendo a uniformidade da decisão e o princípio da igualdade.
Está constitucionalmente consagrado, no artigo 13.º da CRP o princípio da igualdade, pelo que todos os arguidos em face do Acórdão proferido pela Relação do Porto têm de ter igual tratamento.
Por outro lado, não se pode negar a existência da compartição a que se refere paralelamente o artigo 402.º do CPP, uma vez que tal resulta fortemente indiciado da douta acusação.
Mas mesmo que assim não se entenda, não podemos esquecer que, sendo a acusação deduzida contra vários sujeitos, existe conexão, para efeitos processuais, entres os ilícios, pelo que in casu não se pode impedir de forma alguma a aplicação paralela do artigo 402.º do CPP.
Quer isto dizer que a admissibilidade de abertura de instrução por um arguido implica necessária e seguramente com a defesa do requerente, pelo que este tem de ver o seu direito de defesa salvaguardado.
Mais acresce que com a abertura de instrução um arguido pode apresentar novos factos, logo, o juiz de instrução terá de apreciar esses factos de acordo com o princípio da vinculação temática.
Com efeito, o princípio da vinculação temática assegura que atuação do juiz de instrução respeite o âmbito da instrução definido pelo requerimento de instrução.
Ora, se um arguido ampliar o âmbito da instrução através do requerimento de abertura de instrução, então o arguido requerente terá obrigatoriamente de se pronunciar sobre esse requerimento.
Acontece que após o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, a Mm. Juiz de Instrução proferiu o despacho que se junta como doc. 2.
Ora, salvo devido respeito, não pode A Mm. Juiz de Instrução determinar a separação de processos pois o fundamento invocado para a separação de processos não poderá colher.
De facto, não existe nenhum grave risco para a pretensão punitiva do Estado se não se fizer a separação de processos.
Pelo contrário, para se poder fazer um julgamento justo e em que se assegurem todas as garantias de defesa dos arguidos deverá o processo ser mantido como foi desde a sua génese, uno, como um todo.
É que a abertura da instrução por parte do arguido EE não causa nenhum grave risco para a pretensão punitiva do Estado.
Ela pode é acarretar uma modificação na pronúncia de todos os arguidos.
A separação de processos não pode funcionar como uma válvula de escape para colmatar erros ou vícios ocorridos durante o processo.
A pretendida separação de processos mais não é que uma tentativa de manter presos os arguidos apesar de se ter ultrapassado o prazo máximo de prisão preventiva.
Assim, não se pode aceitar, in casu, a separação de processos Pelo exposto, a repetição da instrução, nomeadamente do debate instrutório e a prolação de nova decisão instrutória, afeta necessariamente o arguido AA.
Do mesmo modo, a repetição da instrução acarreta a violação do prazo imposto pelo artigo 215º nº 1 al. b) e nº 3 do CPP, de duração máxima da prisão preventiva do arguido AA.
Concluímos, pois, que o prazo de prisão preventiva esgotou-se no dia 15 de Abril de 2019, extinguindo-se deste modo tal medida de coação.
Assim, vem o arguido requerer assim a sua imediata libertação, devendo este ficar sujeito a medida de coação não privativa de liberdade.
Nestes termos e face ao supra exposto vem o arguido, muito respeitosamente, requerer a V.Exa. que se digne a considerar extinta a medida de coação de prisão preventiva por excessiva na sua duração e a ordenar a libertação imediata do arguido AA, devendo este ficar sujeito a medida de coação não privativa de liberdade.» 2.
Da informação prestada pela Senhora Juiz do processo, a que se refere o artigo 223.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, sobre as condições em que foi efectuada e se mantém a prisão, consta o seguinte (transcrição): «Os arguidos AA e HH, entre outros arguidos, foram detidos em flagrante delito no dia 14 de Dezembro de 2017, pelas 11.30 horas e 09.00 horas, respectivamente (cfr. fls. 5178 a 5186 e 4989 a 5047) e sujeitos ao interrogatório judicial nos termos do art. 1410 do C.P.P. no dia 15/12/2017 (cfr. fls. 5441, 5442, 5445, 5446, 5463, 5464, 5475, 5482 a 5554).
Na sequência desse 1.º interrogatório judicial, foi-lhes aplicada a medida de coacção da prisão preventiva, pela prática fortemente indiciada e reiterada de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 21.º nº 1 do D.L. n.º 15/93 de 22/1, com referência às Tabelas I-A, I-B e I-C, para acautelar o indiciado perigo de continuação da actividade criminosa (cfr. fls. 5499 a 5551).
Os arguidos deram entrada no E.P. do Porto no dia 16/12/2017 (cfr. fls. 5644 e...
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