Acórdão nº 8249/16.8T8PRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Setembro de 2019
Magistrado Responsável | FERREIRA PINTO |
Data da Resolução | 11 de Setembro de 2019 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Processo n.º 8249/16.8T8PRT.P1.S1[1] Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça - Relatório[2]I AA intentou no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Tribunal do Porto – Juiz 3, em 18/04/2016, a presente ação, com processo comum, emergente de contrato de trabalho, contra a Ré “BB” pedindo que, julgada procedente e provada, seja: - Declarada a procedência da justa causa, por si, invocada para a resolução do seu contrato de trabalho com a R. e, em consequência, seja esta, - Condenada a pagar-lhe: a. A indemnização de antiguidade prevista nos nºs 1 e 2 do artigo 396º do CT, calculada considerando 30 dias de retribuição base e diuturnidades, a qual ascende a € 30.542,00; b. As retribuições referidas e liquidadas no seu articulado, no total de € 3.806,75; c. Juros de mora calculados à taxa legal sobre as importâncias mencionadas nas alíneas a) e b), desde a citação e até integral e efetivo pagamento; d. Uma indemnização para ressarcimento dos danos não patrimoniais que lhe foram provocados, no montante de € 5.000,00.
Fundamentou o seu pedido alegando, em síntese, que foi admitida, por contrato de trabalho celebrado com a Ré, para desempenhar as funções de ..., ao qual, fruto de condutas, levadas a cabo pela Direção da Ré e subsumíveis à figura do assédio moral, pôs termo, por resolução, invocando justa causa.
Mais, alegou que sofreu danos morais com a conduta da Ré e, ser credora de determinados montantes, devidos na sequência do contrato.
**** Realizada a audiência de partes, não houve conciliação.
**** Tendo sido a Ré notificada para contestar, o que fez, alegou que não houve, por parte da sua Direção, qualquer intenção de desautorizar a Autora, nem esta foi efetivamente desautorizada, não tendo existido qualquer fundamento para resolver o contrato invocando justa causa.
Conclui que deve a ação ser julgada totalmente improcedente e, em consequência, ser absolvida do pedido; Ou, se assim se não entender, deve ser absolvida da indemnização peticionada.
**** Em sede de audiência preliminar, foi proferido despacho a ordenar a apensação a estes autos do processo nº 8817/16.8T8PRT-J2, no âmbito dos quais a aqui Ré peticionava, contra a ora Autora, o pagamento de uma indemnização devida pela não verificação de justa causa para a resolução do contrato de trabalho que as uniu.
Fixou-se à ação o valor de € 39.348,75, proferiu-se saneador tabelar e fixou-se o objeto do litígio e os temas de prova.
Realizada a audiência de julgamento, foi, em 18.12.2017, proferida a seguinte sentença: “Pelo exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência: a. Reconheço a verificação de justa causa para a resolução, levado a cabo pela Autora, AA, do contrato de trabalho que firmou com a Ré, “BB”, em 2 de janeiro de 2004; b. Condeno a Ré a pagar à Autora a quantia de € 30 542 (trinta mil quinhentos e quarenta e dois euros) a título de indemnização pela operada resolução do contrato de trabalho, à qual deverão acrescer juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação, até efetivo e integral pagamento; c. Mais condeno a Ré a pagar à Autora, a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia de € 5 000 (cinco mil euros); d. Absolvo a Autora e a Ré do restante peticionado; e. Condeno a Autora e a Ré nas custas do processo, na proporção de dez por cento para a primeira e de noventa por cento para a segunda.” II Inconformada com esta decisão, a Ré interpôs recurso de apelação que, por acórdão de 07.12.2018, foi julgada procedente e, consequentemente, revogada a sentença recorrida e a Ré absolvida de todos os pedidos formulados contra ela pela Autora.
Acresce que a matéria de facto foi alterada, tendo a Relação eliminado totalmente o ponto 56) e eliminado parcialmente o ponto 57), tendo este ficado, após, com a seguinte redação: - 57) “Como consequência do sucedido, a situação tornou-se penosa para a Autora, no plano psicológico e emocional, e perturbado da sua vida privada e familiar”.
Como fundamento desta decisão consta no acórdão recorrido o seguinte: “No caso em apreço, afigura-se-nos que estamos perante um típico conflito laboral que se gerou por causa da atual Direção ter pretendido reorganizar os serviços e ter conhecimento do que se passava na Ré. Direito legítimo da mesma, compreendido no seu poder de direção, e de forma alguma impeditivo da continuação da relação laboral, estabelecida com a Autora, não se vislumbrando que os factos provados permitam imputar-lhe qualquer objetivo final ilícito ou eticamente reprovável, o que obsta a que o conflito laboral, em causa, possa ser enquadrado na figura do assédio moral.
Logo, não tendo a A. logrado provar, como lhe competia, os factos consubstanciadores do assédio moral e dos danos morais (alegadamente) por si sofridos, só resta declarar que o contrato de trabalho foi resolvido pela mesma, sem justa causa, procedendo, deste modo a apelação, com prejuízo da apreciação da última questão, supra enunciada.
Tudo porque, no caso, a resposta àquela questão, colocada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, supra transcrito, é positiva. Está indemonstrada uma situação de assédio moral, tendo o contrato de trabalho sido resolvido sem justa causa.” III Inconformada ficou, agora, a Autora que interpôs recurso de revista.
Termina a sua alegação com as seguintes conclusões: 1. “O acórdão sob recurso considerou que os atos praticados pela Recorrida, pelo menos aparentemente, subsumem-se aos poderes de direção e de organização de empresa, que lhe cabem, “dentro dos limites do contrato de trabalho firmado entre as partes e das normas que o regem” (n/sublinhado).
Ora 2. Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/3/2014, citado nestas alegações, importará na análise do caso considerar os deveres secundários e os deveres acessórios de conduta das partes no âmbito da relação obrigacional complexa que é o contrato de trabalho.
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Tais deveres, ainda segundo o mencionado acórdão, revestem “natureza instrumental/auxiliar no tocante à realização positiva do fim da relação obrigacional (…) mediante a proteção dos interesses das partes conexas com o contrato que, à luz dos princípios da boa-fé e da confiança, mereçam tutela” e que, em função do seu âmbito é possível reconduzir às categorias de “deveres de proteção da pessoa e/ou património da contraparte”, “deveres de lealdade” e “deveres de esclarecimento”.
Posto isto 4. A Recorrente foi admitida pela Recorrida para dirigir toda a atividade da instituição (direção e coordenação), tendo sob a sua responsabilidade toda a estrutura de serviços da instituição, que geria (factos 2, 3, 4, 6 e 7).
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Agia sob as ordens da Direção, que lhe atribuíra autoridade total por delegação (facto 5).
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A Recorrente tinha uma carreira profissional de 32 anos, tinha 55 anos à data dos factos, tinha como habilitações literárias o curso superior de …, concluído em ..., e uma Pós-Graduação em “...”, concluída já ao serviço da Recorrente na ..., Faculdade de ...(factos 14, 15, 16 e 17).
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A Direção da Recorrida em exercício iniciara funções em 1 de Janeiro de 2015 e pretendia reorganizar os serviços da instituição (factos 68 e 69).
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A Recorrente, admitindo que um tal propósito pudesse colidir com o seu posto e cargo, e para evitar conflitos, manifestou, aquando da eleição e no início de funções, que estava disponível para encarar a sua não continuidade, o que foi declinado pela nova direção (v. facto 9).
Mas 9. Em resposta à carta da Recorrente de 15 de Abril de 2015, a Recorrida, oralmente, perguntou-lhe quanto pretendia que lhe fosse pago e, obtida a informação, por escrito, deixou-a sem resposta (factos 10, 12 e 13).
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As anteriores Direções tinham uma intervenção residual na direção executiva da instituição, daí terem contratado um Diretor/Diretor Geral com o poder e a autoridade que os factos apurados evidenciam.
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A nova direção entendeu ser um órgão mais executivo e começou a ocupar o “espaço” da ..., começando a competir com esta, sem qualquer articulação, na execução de várias e, progressivamente, cada vez mais tarefas.
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Ao ponto de (facto 54) o Presidente da Direção exprimir por escrito a colaboradores o seu pensamento de que “… nós temos de saber de tudo e muitas vezes, para não dizer sempre, antes da ...” numa autêntica expressão de desconsideração e de desconfiança relativamente a esta.
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Na mesma comunicação aponta à Recorrente ao dizer aos colaboradores “nada disto pode ser decidido pela ... sem conhecimento da direção” (facto 54).
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Resulta demonstrada a atividade para que a Recorrente foi contratada e, com mais detalhe a que desenvolvia, sendo certo que a mesma, em princípio, devia exercer as funções correspondentes a tal atividade, nos termos do nº 1 do artº 118º do Código do Trabalho.
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Nunca a Recorrida encarregou a Recorrente de exercer, temporária ou definitivamente, funções não compreendidas na citada atividade, nas condições definidas no artº 120º do Código do Trabalho ou noutras.
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A Recorrida entendeu que a instituição deixara de precisar de um diretor geral e, como tal, a Recorrente deixaria de o ser, não se dignando informá-la, propor-lhe ou definir o que pretendia que ela fizesse no futuro.
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No que se pode qualificar de “decisão surpresa”, com toda a propriedade, a direção da Recorrida, que partilhava a sala de trabalho com a Recorrente, comunicou-lhe, numa reunião de coordenação, que a instituição não precisava de uma ... e que ela o deixaria de ser (facto 22).
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Sem sequer a informar previamente, deu-lhe conhecimento da sua decisão, nessa reunião, diante de 10 pessoas cuja atividade era até então dirigida pela Recorrente, que tomaram conhecimento da destituição ao mesmo tempo que esta.
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Para além da desconsideração, do desrespeito, da má educação e da deslealdade da atitude da Recorrida, releva o desprezo dos membros da direção desta ao informarem os presentes que a Recorrente passaria a ser ..., sem que soubessem dizer que...
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