Acórdão nº 914/14.0TTLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Setembro de 2019

Magistrado ResponsávelFERREIRA PINTO
Data da Resolução11 de Setembro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo n.º 914/14.0TTLSB.L1.S1 (Revista)[1] – 4ª Secção Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I a).

Relatório[2]: AA intentou, em 19 de março de 2014, na Comarca de Lisboa, Instância Central, 1.ª Secção do Trabalho, J7, a presente ação declarativa emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de Processo Comum, contra “BB”, peticionando que: i.

Se qualifique como contrato de trabalho desportivo o contrato que celebrou com o Réu.

ii.

Se qualifique a carta de revogação do contrato como um verdadeiro despedimento ilícito promovido pelo Réu, condenando-se o mesmo a pagar-lhe a quantia global de € 102.703,45, assim discriminada: a.

€ 76.440,00, a título de retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao termo certo do contrato; b.

€ 6.370,00, a título de proporcionais de subsídio de Natal dos anos 2013 e 2014 e € 6.370,00 a título de proporcionais de subsídio de férias dos mesmos anos; c.

€ 10.670,00, das rendas pagas em ... e que seria encargo do Réu BB caso o contrato fosse cumprido; d.

€ 400,29, de eletricidade e de € 193,16, de gás natural gastos em ... e que seria encargo do Réu BB caso o contrato fosse cumprido; e.

€ 15.000,00, por danos não patrimoniais provocados pela revogação unilateral, sem justa causa e sem indicação de motivo.

  1. A este valor total de € 115.443,45 deverá ser deduzida a quantia ilíquida de € 12.740,00 que o Réu lhe pagou, atingindo, assim, o valor final de € 102.703,45.

    - Peticiona, subsidiariamente, caso se venha a considerar que o artigo 27º, da Lei n.º 28/98, de 26 de junho, não é inconstitucional, que o Réu seja condenado a pagar-lhe uma indemnização global e equitativamente fixada em € 51.003,45 [€ 76.440,00 + 6.370,00 + 6.370,00 – 51.700,00 + € 10.670,00 + € 400,29 + € 193,16 + € 15.000,00 - 12.740,00]; - Subsidiariamente, ainda, e caso o tribunal conclua pela aplicação do n.º 2 do artigo 27.º, da Lei n.º 28/08, deverá ser o Réu condenado a reintegrar o Autor, no seu posto de trabalho, com as mesmas condições contratuais previstas para a época desportiva 2013/2014, reintegração essa que deverá ocorrer no início da época desportiva imediatamente a seguir ao trânsito em julgado da sentença condenatória.

    iii. Mais peticiona o pagamento dos juros legais, desde a data da citação até integral pagamento.

    **** Tendo havido audiência de partes, as mesmas não se conciliaram.

    **** Notificado o Réu para, querendo, apresentar a sua contestação, apresentando-a alegou, em síntese, o seguinte: (i) Entende que o contrato relevante nos autos é um contrato de prestação de serviços; (ii) O autor nunca manifestou qualquer oposição ou discordância quanto aos acordos alcançados, mormente quanto à natureza dos vínculos celebrados; (iii) O autor exercia a sua atividade de forma autónoma; (iv) O autor não recebia ordens suas, nem estava inserido na sua estrutura hierárquica, limitando-se a cumprir as orientações do treinador, nas quais não tinha qualquer interferência; (v) Não estava, igualmente, sujeito a qualquer poder disciplinar.

    Concluiu pedindo que a ação seja julgada improcedente, e, consequentemente, seja absolvido de todos os pedidos contra ele formulados.

    **** O Autor respondeu à contestação, concluindo pela improcedência das exceções aí arguidas.

    **** Foi proferido despacho saneador, dispensando-se a realização de audiência preliminar, delimitou-se o objeto do litígio e dispensou-se a seleção da matéria de facto.

    **** Procedendo-se à realização do julgamento e tendo-se fixado a matéria de facto, foi proferida sentença, em 03 de maio de 2016, na qual se decidiu: “Julgar parcialmente procedente a ação e em consequência: a.

    Reconhecer que entre Autor e Réu vigoraram, nas épocas desportivas 2011/2012 e 2012/2013, contratos de trabalho desportivo, submetidos ao regime jurídico previsto na Lei 28/98, de 26 de junho; b.

    Declarar que o Réu promoveu, com efeitos reportados a 31 de julho de 2013, o despedimento ilícito do Autor; c.

    Absolver, no mais, o Réu dos pedidos.

    II Inconformados, Autor e Réu interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 03 de maio de 2017, julgou: 1.

    Improcedente o recurso interposto pelo Réu.

    1. Parcialmente procedente o recurso interposto pelo Autor.

      Em consequência: 3.

      Conferiu aos pontos de facto n.ºs 14, 30, 35, 42 e 43 a seguinte redação: 14) “O autor, ao longo da duração do contrato suprarreferido esteve inserido no Departamento de ... do réu, estrutura da qual faziam parte o Diretor CC, o treinador DD, o treinador-adjunto EE, o seccionista FF, um médico, um fisioterapeuta e um plantel de cerca de 16 jogadores”.

      30) “Ao longo da duração do contrato, o autor desempenhou a atividade de ... ao serviço do réu”.

      35) “Por ter ficado com o rótulo de “jogador dispensado” de um clube, o autor sentiu-se envergonhado”.

      42) “O autor com o rendimento que auferia no GG, suportava as despesas do seu agregado familiar, nomeadamente, arrendamento, água, luz”.

      43) “A celebração do contrato referido foi antecedida de negociação entre autor e réu, nunca tendo o Autor manifestado qualquer oposição ou discordância quanto ao seu conteúdo”.

    2. Aditou à matéria de facto os pontos nºs 47 a 51 com a seguinte redação: 47) “Em virtude da celebração do acordo referido em 1) o Réu BB suportava”: - Os custos da habitação do Atleta/Autor, em apartamento não partilhado”; - As despesas de água, luz e gás, desde que devidamente comprovadas”.

      48) “Durante a vigência do Contrato referido em 1), por cada época desportiva completa ao serviço do BB, o Réu estava obrigado a proporcionar ao Autor duas viagens em classe económica (Lisboa-‑...-Lisboa)”.

      49) “Em ..., e durante a época desportiva 2013/2014, o Autor pagou a renda mensal de € 970,00 por uma casa situada no nº … da ..., pelo menos, nos meses de setembro, outubro e novembro 2013, janeiro, fevereiro, março, abril e maio de 2014”.

      50) “Em ... e durante a época desportiva 2013/2014, o Autor pagou, pelo menos, os seguintes valores de eletricidade: - Em setembro de 2013, o valor de Euros 36,395”. 51) “Em ... e durante a época desportiva 2013/2014, o Autor pagou, pelo menos, os seguintes valores de gás natural: - Euros 17,56 relativos a setembro de 2013.

    3. Mais se acordou: iv.

      Em recusar a aplicação por inconstitucionalidade do disposto do artigo 27º, n.º 1, da Lei 28/98, de 26 de junho; v.

      Em condenar o Réu “BB” a pagar ao Autor: · A quantia de sessenta e três mil e setecentos Euros (€ 63.700,00), por indemnização por danos patrimoniais; · A quantia de sete mil e quinhentos Euros (€ 7.500,00), a título de danos não patrimoniais; · Sobre estes valores são devidos juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento.

    4. Na parte restante acordou-se em manter a sentença recorrida.

      III Inconformado ficou, agora, o Réu “BB” que interpôs o presente recurso de revista.

      **** Como no acórdão recorrido se recusou a aplicar, por inconstitucionalidade, o disposto no artigo 27º, n.º 1, da Lei 28/98, de 26 de Junho, o Ministério Público interpôs recurso, aliás, obrigatório, para o Tribunal Constitucional[3], nos termos dos artigos 280º, da Constituição da República Portuguesa[4], 70º, n.º 1, alínea a), 72º, n.º s 1, alínea a) e 3, estes da Lei da Organização. Funcionamento e Processo no Tribunal Constitucional[5] - Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro.

      Por despacho do Exmo. Senhor Desembargador Relator, em 30 de junho de 2017, foi admitido o recurso interposto para o TC, consignando que após a descida do processo do TC, se pronunciaria sobre o recurso de revista interposto pelo Réu.

      Descido o processo do TC, foi admitido o presente recurso de revista.

      Ora, por acórdão proferido, em 14 de março de 2019, pelo Tribunal Constitucional, e já transitado em julgado, decidiu-se: - “Julgar inconstitucional, por violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição, a norma extraída do n.º 1 do artigo 27.º, da Lei n.º 28/98, de 26 de junho, segundo a qual a indemnização devida ao praticante desportivo, em caso de despedimento ilícito, não pode exceder o valor das retribuições que ao praticante seriam devidas se o contrato de trabalho tivesse cessado no seu termo”.

      Nos termos do artigo 80º, n.º 1, da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, a decisão do recurso faz caso julgado no processo quanto à questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade suscitada.

      Assim sendo, a decisão antecedente faz caso jogado nestes autos, não podendo ser reapreciada por este Supremo Tribunal de Justiça.

      **** O Réu “BB …” terminou a sua alegação com as seguintes conclusões; 1) “Entende o Recorrente que a decisão recorrida viola o disposto no art.º 27°, n.º 1, da Lei 28/98, disposição que não aplicou por sufragar a inconstitucionalidade da interpretação do n.º 1, do art.º 27°, tal como decidido no Ac. TC 199/09 de 01/06, por violação do art.º 13°, da CRP, no sentido de, em caso de despedimento ilícito, haver limites máximos indemnizatórios correspondentes às quantias auferidas, caso o contrato atingisse o seu termo.

      Ora, entende o Recorrente que não há qualquer violação do princípio da igualdade previsto no art.º 13°, da CRP porque não se tratam de situações iguais que merecem igual tratamento, tanto assim que o legislador previu a necessidade de uma regulamentação própria para um praticante desportivo profissional (viola, assim, também o Tribunal recorrido o disposto no art.º 9º, CT/09); por outro lado, o Acórdão do TC n° 199/09, de 01/06, não declara a inconstitucionalidade do art.º 27°, da Lei 28/98, mas antes considera inconstitucional a dimensão em que se prevê que a indemnização devida, em caso de rescisão com justa causa por iniciativa do praticante desportivo, "não pode exceder o valor das retribuições que ao praticante seriam devidas se o contrato de trabalho tivesse cessado no seu termo" (veja-se a este propósito o Ac. STJ de 25.3.15, disponível em www.dgsi.pt).

      2) Acresce que, o Acórdão recorrido violou o disposto...

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