Acórdão nº 141/17.5T9RGR.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Setembro de 2019

Magistrado ResponsávelGABRIEL CATARINO
Data da Resolução11 de Setembro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. – RELATÓRIO.

    - O Ministério Público, junto do Tribunal da comarca dos ..., Secção da ..., deduziu acusação contra AA, [...], ..., imputando-lhe a prática, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º nº 1 do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro (Lei da Droga – “LD”), nos termos dos factos constantes da acusação pública de fls. 273-277; - Com a prolação do despacho a que aludem os artigos 311º e 312º do Código de Processo Penal, foi recebida a acusação e designada data para audiência de discussão e julgamento (fls. 295 a 297); - Realizada a audiência foi proferida sentença, datada de 3 de Maio de 2019, em que e decretou (sic): “condenar o arguido AA pela prática, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º nº 1 do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro, na pena de sete anos de prisão.” - Dissentindo do julgado, recorre o arguido, tendo dessumido a fundamentação com que cevou a pretensão recursiva, no epítome que seguir se deixa transcrito.

    I.a). – QUADRO CONCLUSIVO.

    “1ª) Dá-se por integralmente reproduzida a matéria de facto acima transcrita.

    1. ) A incriminação do nº1 do artigo 21º do DL nº 15/93, de 22/01, visa proteger e tutelar sobretudo a saúde e a segurança públicas. É um crime de perigo na medida em que não exige para a respectiva consumação, a efectiva lesão dos bens jurídicos tutelados; crime de perigo comum uma vez que a norma protege uma pluralidade de bens jurídicos, designadamente de carácter pessoal – embora todos eles possam ser reconduzidos a um mais geral: a saúde pública; crime de perigo abstracto porque não pressupõe nem o dano nem o perigo de um dos concretos bens jurídicos protegidos pela incriminação, mas apenas a perigosidade da acção para as espécies de bens jurídicos protegidos.

    2. ) Para que se ponham em causa tais valores jurídicos de forma penalmente relevante, têm que estar reunidos vários elementos constitutivos. Conclui-se serem os seguintes, os elementos objectivos deste tipo de ilícito: - Não possuir autorização emitida pelas autoridades e nos termos que constam no Capítulo II do Decreto-Lei nº 15/93 de 22 de Janeiro; - Praticar qualquer uma das condutas descritas - cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver; - Tratar-se de plantas, substâncias ou preparações constantes nas tabelas I a III, publicadas em Anexo àquele diploma legal; - A posse do produto estupefaciente não se destinar ao consumo do agente 4ª) Por seu turno o artigo 25º do mencionado diploma legal estipula que “se nos casos previstos no art. 21º…, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou quantidade das plantas, substâncias ou preparações a pena é de: a) Prisão de 1 a 5 anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI;”. Ora; 5ª) No que concerne ao tráfico de menor gravidade, o mesmo fundamenta-se na diminuição considerável da ilicitude do facto revelado pela valoração conjunta de diversos factores, alguns deles enunciados, a título exemplificativo – conforme se vê do advérbio “nomeadamente”- na norma: meios utilizados, modalidade e circunstâncias da acção, qualidade ou quantidade das plantas, substâncias ou preparações, constituindo este preceito uma válvula de segurança do sistema destinado a evitar que situações de menor gravidade sejam tratadas com penas desproporcionadas ou que se utilize indevidamente uma atenuação especial.

    3. ) Por outro lado, a detenção de substâncias compreendidas nas tabelas I a IV anexas ao D.L. nº 15/93, de 22/1, para consumo próprio integra a prática de um crime de consumo de estupefacientes, do art. 40º, nº 2 (que o douto acórdão de fixação de jurisprudência nº 8/2008 decidiu que continuava em vigor), se a sua quantidade for superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias.

    4. ) Na verdade, nos termos do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 8/2008, fixou-se jurisprudência no sentido de que “não obstante a derrogação operada pelo artigo 28.º da Lei n.º 30/2000 de 29 de Novembro, o artigo 40.º n.º 2 do Decreto-Lei 15/93 de 22 de Janeiro, manteve-se em vigor não só quanto “ao cultivo” como relativamente à aquisição ou detenção, para consumo próprio, de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a IV, em quantidade superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias”.

    5. ) Caso em que estaríamos perante um ilícito meramente contraordenacional.

    6. ) Conforme o Supremo Tribunal de Justiça vem afirmando, a tipificação do referido artigo 25.º tem o objectivo de permitir ao julgador que, sem prejuízo do natural rigor na concretização da intervenção penal relativamente a crimes desta natureza (considerando a grande relevância dos valores postos em perigo com a sua prática e a frequência desta), encontre a medida justa da punição em casos que, embora porventura de gravidade ainda significativa, ficam aquém da gravidade do ilícito justificativo da tipificação do artigo 21.º do mesmo diploma e encontram resposta adequada dentro das molduras penais previstas no artigo 25.º, sendo, no fundo a necessidade de distinguir, afinal, o "verdadeiro tráfico" [grande e médio] do pequeno tráfico que actualmente se vê o STJ claramente assumir.

      Do caso judicie 10ª) Atentos os factos provados em 2.1 e 2.2 acima transcritos temos de reconhecer como afastado o cenário da mera contra-ordenação. Porém à luz da doutrina e jurisprudência expostas e; 11ª) Considerando os factos provados, as substâncias em causa e bem assim as quantidades, apesar de tudo pequenas, leva a concluirmos a prática pelo arguido do crime previsto e punido pelo artigo 25º, n.º 1 do D.L. n.º 15/93, de 22.01 e não de ter incorrido na prática, como autor material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21 da mesma lei, normas que o tribunal recorrido violou e devem merecer interpretação conforme lhes é dada no presente recurso. Assim; 12ª) Deverá esse douto tribunal ad quem considerar revogando a decisão recorrida e substituindo-a por outra que condene o arguido pela prática de crime de um crime p. e p. pelo artigo 25º da mesma lei.

      Por mera cautela e sem prescindir; 13ª) Caso assim não se entenda e se mantenha a decisão de punir o arguido pela prática de um crime p. e p. pelo artigo 21, nº 1, do D.L. n.º 15/93, de 22.01 deva a pena ser reduzida para o mínimo legal de 5 anos. Senão vejamos; 14º) Cumpre determinar a pena concretamente aplicável ao arguido pela prática, do crime acima analisado, atendendo à pena abstratamente aplicável, aos critérios de escolha e medida da pena e às suas finalidades.

    7. ) Quanto às finalidades das penas, estabelece o artigo 40.º, n.º 1 do Código Penal que “A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.” 16ª) A pena tem por fundamento e limite a medida da culpa, não podendo ultrapassá-la (cfr. artigos 40.º, n.º 2 e 71.º, n.º 1 do Código Penal).

    8. ) Para a determinação da medida concreta da pena, nos termos do artigo 71.º do Código Penal, atender-se-á à culpa do agente e às exigências de prevenção, ponderando ainda todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando nomeadamente as circunstâncias previstas nas diversas alíneas do artigo 71.º, n.º 2 do Código Penal.

    9. ) Resulta do disposto no artigo 21.º, nº 1, do D.L. 15/93, de 22 de Janeiro, que a conduta do arguido é abstractamente punida com pena de 4 a 12 anos de prisão.

    10. ) O tribunal «a quo» ponderou indevida e incorrectamente na medida concreta da pena em desfavor do arguido, a confissão do mesmo e seu contributo DETERMINANTE para a descoberta da verdade material, como não ponderou correctamente o facto do arguido e da esposa serem consumidores de estupefacientes, destinarem parte importante e significativa do produto das vendas aos seus consumos e ainda terem decorrido mais de 5 (cinco) anos desde a última condenação do arguido por tráfico de menor gravidade. – cfr. pontos 5 e 7.3 dos factos provados 20ª) Importa ainda atender à intensidade do dolo, na forma directa e a gravidade das consequências a circunstância de o arguido também ser consumidor, valorar-se ainda o facto de contar com o relevante apoio dos seus familiares para se reinserir socialmente (cfr. Ponto 6, in fine dos factos provados) ponto sendo quanto a este medianas as necessidades de prevenção especial.

    11. ) Deste modo, considera-se adequada e justa a aplicação de uma pena de prisão em medida concreta nunca superior 5 anos (cinco anos), suspensa na sua execução por igual período.

      Nestes termos e no que mais doutamente se suprirá, deve o presente recurso merecer provimento e consequentemente deverá: A) Revogar-se a decisão recorrida e substituindo-a por outra que condene o arguido pela prática de crime p. e p. pelo artigo 25º do Decreto –Lei nº 15/93.

      Ou caso assim não seja entendido; B) Reduzir-se a pena de prisão aplicada ao arguido, ora recorrente, para 5 (cinco) anos, suspensa na sua execução.” (fls. 349 a 361) Em resposta, o Ministério Público, junto do Tribunal recorrido, pugna pela manutenção do julgado, nos termos das conclusões que se deixam transcritas.

      “1. O acórdão impugnado não merece qualquer censura, pois que não enferma de omissões, nulidades ou vícios.

      2. Os factos dados como provados integram o crime de tráfico de estupefacientes, p. e p., pelo art.º 21º, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22/1.

      3. A pena concretamente aplicada mostra-se equilibrada e justa.” Neste Supremo Tribunal de Justiça, o Ministério Público é de parecer, no segmento adrede, que (sic)...

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