Acórdão nº 121/06.6TBOBR.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Julho de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Data da Resolução11 de Julho de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 1. AA instaurou uma acção contra BB e CC e mulher, DD, pedindo a declaração de nulidade absoluta, por simulação, do “negócio jurídico pretensamente titulado através da escritura pública “ de 13 de Dezembro de 2004, que a própria escritura fosse julgada nula e que fosse ordenado o cancelamento de todos os registos efectuados com base no referido negócio; subsidiariamente, que o mesmo negócio fossa declarado ineficaz, por nele ter sido intencionalmente declarada e aposta, por parte do representante da A.”, o primeiro réu, uma “afirmação falsa, em tudo contrária à vontade da A. e às instruções que dela havia recebido por força do mandato” que lhe havia conferido, correspondente à procuração de 14 de Setembro de 2004, arquivada no cartório juntamente com a escritura.

Alegou, por entre o mais, ter vivido em união de facto com o primeiro réu, desde 1994, “durante mais de dez anos”; que, em 2004, pensando em terminar com essa união e em apropriar-se dos seus bens, o referido réu a convenceu a passar-lhe várias procurações, umas para movimentar duas contas bancárias de que era exclusiva titular, mas onde eram depositados “os proventos da actividade económica” de ambos, e outra para vender a fracção autónoma “B” de um prédio de que era exclusiva proprietária, que o vendeu simuladamente ao segundo réu, CC, que, nomeadamente, não pagou preço algum pela compra fictícia.

Requereu ainda que, com a citação, se considerassem revogados os poderes que lhe conferiu pela citada procuração de 14 de Setembro de 2004 e o contrato de mandato associado.

Alegou também que em Junho de 2005 o réu BB lhe comunicou o fim da união de facto e a intimou a abandonar a casa, entretanto simuladamente vendida a CC CC e mulher, DD, negaram ter havido qualquer simulação e afirmaram terem dado de arrendamento a referida fracção ao primeiro réu. Em reconvenção, pediram que fossem declarados proprietários do prédio, entretanto transformado em duas habitações unifamiliares, por usucapião, e que a autora fosse condenada a abster-se de qualquer acto que prejudicasse o seu direito de propriedade.

Também contestou BB, alegando, nomeadamente, que a petição inicial era inepta e que “desde data anterior a 1994 que se dedica à compra e venda de terrenos e de casas e urbanizações de terrenos e venda de construções”, contestando a simulação e esclarecendo as vicissitudes por que passou a invocada fracção “B”: integra um prédio urbano que construiu num terreno comprado “unicamente para si próprio e no seu exclusivo interesse” e pago exclusivamente por si, cuja fracção “A” foi vendida a terceiros, fazendo seu o preço.

Alegou também que as contas bancárias só formalmente eram da titularidade da autora, pois na realidade eram suas.

A autora replicou, respondendo às contestações, incluindo a reconvenção.

Na sequência de despacho de citação, de 17 de Março de 2006, no qual o juiz entendera que deveria ser feita autonomamente a notificação para revogação das procurações, a autora viera requerer a notificação judicial avulsa do réu para que se considerassem revogadas as procurações; em 9 de Junho de 2006, o réu requereu a notificação judicial avulsa da autora, com a declaração de que não aceitava a revogação da procuração e do mandato; ao que se seguiu a instauração da acção nº 948/06.9TBOBR, pela autora.

  1. Pelo despacho de fls. 628-631, de que os réus CC e mulher, DD, interpuseram recurso de agravo, admitido a fls. 637 com subida diferida e sustentado a fls. 664, foi apensada a acção nº 948/06.9TBOBR, proposta pela ora autora contra BB, na qual pedira que se declarasse extinta a procuração de 14 de Setembro de 2004, em 13 de Dezembro de 2004, por esgotamento do objecto, ou, se assim se não entendesse, que se declarasse que fora validamente revogada e resolvido o correspondente contrato de mandato, em 10 de Abril de 2006, por notificação judicial avulsa. Subsidiariamente ainda, pediu que se julgasse revogada a procuração e resolvido o mandato com justa causa, tendo em conta os factos que alegara.

    A autora pedira ainda a condenação do réu no pagamento da “indemnização a liquidar”, pelos danos decorrentes do uso das procurações “em data posterior à extinção da respectiva validade”.

    O réu também tinha contestado esta acção. Alegara que a procuração lhe fora conferida livremente e desacompanhada de quaisquer instruções e conferida no seu próprio interesse, pelo que era irrevogável; que os actos praticados ao abrigo da procuração eram válidos; que o imóvel fora construído exclusivamente com meios seus, tal como o terreno fora por si comprado; que a acção devia ser suspensa, por prejudicialidade da acção nº 121/06.6TBOBR, até que esta última fosse julgada; que se esgotara o fim para o qual a procuração fora concedida, o que fazia com que a segunda acção não tivesse qualquer efeito útil e que a autora fosse parte ilegítima. Alegara ainda que “todos os montantes, valores ou acções das contas ...” referidos na procuração, conferida no interesse dos dois, eram sua pertença exclusiva; que o pedido de indemnização não tinha causa de pedir.

    A autora replicara e, também por convite do tribunal para concretizar os danos alegados na petição inicial, viera remeter para liquidação os danos decorrentes do uso das procurações.

    Na audiência preliminar, foram indeferidas as excepções de ilegitimidade e ineptidão da petição inicial, bem como a existência de prejudicialidade entre as duas acções.

    Pela sentença de fls. 1292, foi julgada parcialmente procedente a acção e improcedente a reconvenção. O tribunal decidiu: – declarar nulo o contrato de compra e venda da fracção autónoma B, identificada nos autos, outorgado no dia 13 de Dezembro de 2004 entre o réu BB, em representação da autora, e o réu CC, por simulação; – determinar o cancelamento dos registos correspondentes; – declarar extinta, por caducidade ocorrida em 13 de Dezembro de 2004 por “esgotamento do seu objecto”, a procuração de 14 de Setembro de 2004, conferida ao réu BB pela autora, e relativa à fracção autónoma “B”; – declarar extinta a partir de 14 de Abril de 2004, por revogação, a procuração datada de 14 de Setembro de 2004, relativa aos poderes sobre a conta ... do ...; – julgar improcedente o pedido de relegar para liquidação a determinação da indemnização pelos danos causados pela utilização das procurações; – julgar improcedente o pedido de declarar nula a escritura pública de 13 de Dezembro de 2004.

  2. Pelo Tribunal da Relação de Coimbra de fls. 1495, foram julgados os recursos de apelação e de agravo interpostos pelos réus. Foi decidido conceder provimento parcial ao recurso de BB e, portanto, decidido: – Negar provimento ao agravo interposto da decisão de apensação dos processos; – Alterar um quesito (o 17º), mantendo embora a resposta de “provado” e aditar questões á base instrutória, anulando a sentença e ordenando “a repetição do julgamento que não abranja a parte da decisão não viciada, podendo no entanto o tribunal a quo apreciar outros pontos da matéria de facto provada com a finalidade exclusiva de evitar contradições”; – Não conhecer do recurso de apelação interposto pelos réus CC e mulher, DD.

    Pelo despacho de fls. 1545, não foi admitido o recurso interposto a fls. 1540 por BB da decisão relativa à apensação de acções, decisão da qual reclamou, nos termos do (anterior) artigo 688º do Código de Processo Civil. A reclamação foi indeferida (por decisão de fls. 71, do apenso relativo à reclamação).

    A fls. 1780 foi proferida nova sentença, mantendo o decidido na anterior. Os réus recorreram, agora para o Tribunal da Relação do Porto., que, pelo acórdão de fls. 1202, negou provimento aos recursos.

  3. Os réus recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça. Nas alegações que apresentou, BB formulou as seguintes conclusões, que delimitam o objecto do recurso: «1. Vai o presente recurso interposto do douto acórdão do TRP que rejeitou o recurso da decisão sobre a matéria de facto, que implicava a reapreciação da prova gravada; 2. Segundo tem vindo a ser perfilhado pelo STJ, a rejeição da reapreciação da prova gravada constitui uma decisão ex-novo do Tribunal da Relação, pelo que não se verifica o impedimento processual recursivo da dupla conforme e o recurso interposto é o da revista normal; 3. O recorrente impugnou as respostas dadas aos pontos controvertidos 4º a 12°, 14° a 17°, 19°, 21°, 25° a 27° da base instrutória inicial (1º julgamento) e 41°, 42°, 60°, 65°, 75° e 81° da base instrutória aditada (2º julgamento), indicou os meios de prova que impunham decisão diversa, designadamente, os documentos e os depoimentos e, quanto a estes, por terem sido gravados, as passagens das gravações, com referência ao dia em que foram efectuadas, onde cada um está reproduzido, e indicou face a cada um dos pontos controvertidos, objecto do seu recurso, a decisão que, em seu entender deveria ter sido proferida.

  4. Entendeu o TRP que tal indicação não é suficiente e que, para cumprir o ónus, o recorrente deveria também ter indicado o segmento concreto da gravação que impunha (ou imponha) decisão diversa sobre o ponto da matéria de facto.

  5. Salvo o devido respeito, o entendimento perfilhado pelo TRP não encontra respaldo na letra e na teleologia da norma e decorre de uma concepção do processo e do exercício do direito ao recurso que vai além do necessário e exigido rigor, sacrificando o direito a uma decisão justa à conveniência do tribunal ad quem.

  6. Acresce que a conveniência da justiça está em avaliar e ponderar todos os depoimentos, no seu todo, convocados e assinalados pela parte recorrente, com vista a aquilatar o seu contributo para a prova dos pontos controvertidos.

  7. A reapreciação da prova gravada, porque contém a possibilidade da alteração da decisão sobre a matéria de facto e, consequentemente, a alteração da fundamentação e decisão jurídicas, impõe que a douta decisão proferida pelo TRP seja totalmente anulada.

  8. O douto acórdão proferido pelo TRP cometeu a nulidade...

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