Acórdão nº 22174/15.6T8PRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelTOMÉ GOMES
Data da Resolução30 de Maio de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório 1. AA (A.) instaurou, em 15/09/2015, uma ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB (R.), advogado, alegando, em resumo, que: .

O A., funcionário dos … em 11/05/1981, contratou os serviços do R., então advogado do Sindicato dos …, para responder a uma nota de culpa elaborada no processo disciplinar iniciado pelos … e tendente ao seu despedimento por alegada prática de infração disciplinar grave, consistente em violação do dever de lealdade; .

O A., por intermédio do R., respondeu à nota de culpa, mas os … despediram-no com alegada justa causa por decisão de 05/03/2012 que lhe foi notificada em 07/03/2012; .

Após as referidas notificações, o R., no exercício do mandato que lhe foi conferido, instaurou, em 17/05/2012, ação de impugnação judicial de despedimento contra os …, tendo sido proferida sentença, em 08/10/ 2012, a julgar procedente a exceção de caducidade invocada pelos … com a respetiva absolvição do pedido, por se entender que a ação fora proposta depois de passado o prazo legal de 60 dias, considerando-se ainda que o R. não utilizou o procedimento legalmente previsto para a oposição ao despedimento; .

Interposto recurso dessa decisão, a Relação confirmou a sentença recorrida por acórdão de 06/01/2014, do qual foi também interposto recurso para o STJ, que não foi admitido por decisão sumária de 12/05/2014.

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Dessa decisão foi então interposto recurso para o Tribunal Constitucional que, também por decisão sumária de 19/11/2014, não conheceu do seu objeto, tendo sido ainda indeferida a reclamação deduzida para a conferência contra esta decisão por acórdão de 24/01/2015.

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Durante os três anos que decorreram entre a entrada da ação em juízo e a prolação deste último acórdão, o R. nunca informou o A. dos factos antes relatados, violando assim o princípio da confiança em que deve fundar-se a relação entre advogado e cliente.

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Não teve assim o R. um comportamento profissional adequado às responsabilidades da função de advogado, não agindo por forma a defender os legítimos interesses do A. nem tratou com zelo e diligência a questão que lhe foi confiada, violando assim o disposto nos artigos 387.º, n.º 2, do CT e 83.º, n.º 1, 92.º, n.º 2, 95.º, n.º 1, alínea b) e 103.º, n.º 1, do EOA.

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Por virtude dessa atuação o A. sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais, perdendo de forma irreversível, a oportunidade de ser apreciada a ilicitude do seu despedimento.

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A procedência da sobredita ação iria conferir ao A. o direito a uma indemnização pelos danos causados, patrimoniais e não patrimoniais, e à reintegração na empresa, caso não optasse por uma indemnização por antiguidade, sem prejuízo do direito ao recebimento das retribuições que deixou de auferir desde o despedimento e até ao trânsito em julgado da sentença que decretasse o despedimento, nos termos dos artigos 389.º, n.º 1, 390.º, n.º 1, e 391.º, n.º 1, do CT.

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Assiste assim ao A. o direito de ser indemnizado com base nas disposições conjugadas dos artigos 483.º, 496.º, n.ºs 1 e 4, 798.º e 799.º, n.º 1, 1157.º e 1161.º, alíneas a) e c), do CC.

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A título de danos patrimoniais, o A. tem direito a ser indemnizado nos seguintes montantes: - € 64.800,00, correspondentes ao valor que receberia, em virtude da sua reintegração, desde março de 2012 a setembro de 2015, no total de 42 salários (€ 1.296,00 x 50 meses); - € 3.905,60, relativos aos juros vencidos sobre cada um desses salários, à taxa de 4%, e ainda os juros vincendos; - € 119.232,00 (€ 1.296,00 x 92 meses), correspondentes ao valor que receberia desde setembro de 2015 até à data da aposentação previsível para maio de 2023; - € 132.000,00 (€ 1.000,00 x 132 meses), equivalentes ao valor da pensão de aposentação que receberia desde a data previsível da aposentação até aos 77 anos de esperança média de vida. .

Em alternativa à reintegração, o A. teria direito a ser indemnizado, em virtude da perda de antiguidade, pelos seguintes montantes: - € 54.432,00, correspondentes ao valor que receberia, desde março de 2012 até ao trânsito em julgado da decisão de despedimento em fevereiro de 2015, no total de 42 salários (€ 1.296,00 x 42 meses); - € 3.280,70, relativos aos juros vencidos sobre cada um desses salários, à taxa de 4%, e ainda os juros vincendos; - € 60.264,00 (€ 1.944,00 x 31 meses), correspondente ao valor que receberia por cada ano completo de antiguidade ou fração dele.

- € 8.407,22, de juros vencidos sobre a precedente verba, além dos juros vincendos.

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Além disso, a compensação pelos danos não patrimoniais deverá ser fixada, por equidade, em valor não inferior a € 25.000,00.

Conclui o A. a pedir que o R. fosse condenado nos seguintes termos: a) – A título principal, por danos patrimoniais e não patrimoniais, presentes e futuros, a pagar-lhe a quantia de € 344.937,60 (€ 64.800,00 + € 3.905,60 + € 119.232,00 + € 132.000,00 + € 25.000,00), acrescida de juros, desde a data de entrada da ação em juízo, à taxa legal de 4%, sobre a importância de € 89.800,00 (€ 64.800,00 + € 25.000,00), até efetivo pagamento; b) – Em via subsidiária, pela perda da indemnização por antiguidade, a pagar-lhe a quantia de € 151.383,92 (€ 54.432,00 + € 3.280,70 + € 60.264,00 + € 8.407,22 + € 25.000,00), a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros, desde a data de entrada da ação em juízo, à taxa legal de 4%, sobre a importância de € 139.696,00 (€ 54.432,00 + € 60.264,00 + € 25.000,00), até efetivo pagamento; c) - Em qualquer dos casos das precedentes alíneas, a pagar-lhe as despesas totais a haver com mandatário judicial, decorrentes do presente processo, a liquidar em execução de sentença; d) – Ainda, subsidiariamente, a título de dano por “perda de chance”, a pagar-lhe 75% do valor de cada um dos pedidos formulados nas alíneas a) ou b), e c).

2.

O R. apresentou contestação a sustentar que: .

Não foi contratado pelo A., apenas prestando serviços próprios da advocacia, em regime de avença, ao Sindicato Nacional dos … de que o A. é associado; .

O referido Sindicato distribuiu o processo ao R. para resposta à nota de culpa, o que ocorreu com o seu acompanhamento de todo o processo disciplinar e com a presença na audição das testemunhas oferecidas; .

Mesmo conhecendo o R. a caducidade da ação e prevendo os constrangimentos que tal facto acarretaria, decidiu em 17/05/2012, propor ação comum para impugnação do despedimento e, na mesma linha, esgotar todas as instâncias de recurso, ainda que sem sucesso; .

É habitual os advogados do Sindicato não terem contato direto com os seus associados, sendo este assegurado pelos respetivos serviços, só havendo contato direto quando os associados o requerem a fim de esclarecer dúvidas sobre a propositura da ação.

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No caso presente, quem não agiu com diligência foi o A. que não subscreveu o formulário previsto nos artigos 98.º-C e 98.º-D do Dec.-Lei n.º 295/2009, de 13/10, sendo falso que ele não tenha sido informado das diversas fases do processo; .

O A. era detentor do número de telemóvel do R. e do seu contato fixo e não se coibiu de lhe ligar com frequência a perguntar pelo andamento do processo; .

Mesmo não sendo essas as regras do Sindicato, o R. atendeu sempre o A., prestando-lhe as informações pedidas e que entendia serem necessárias; .

Em 2013 o A. mandatou o R. para intentar nova ação contra os … e que correu termos no Tribunal de Trabalho de …, na qual obteve merecimento de causa e recebeu a quantia de € 4.426,19; .

O A. bem sabia que os factos de que veio a ser acusado na nota de culpa representavam uma violação gravíssima dos seus deveres como trabalhador, a qual impossibilitava, de forma irreversível, a manutenção do vínculo laboral.

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Em relação à alegada perda de chance, o dano que daí decorre não tem acolhimento na lei portuguesa, conforme jurisprudência do STJ.

Concluiu o R. pela improcedência da ação e pediu a condenação do A. como litigante de má-fé.

  1. Realizada a audiência final, foi proferida a sentença de fls. 506 a 522, de 04/10/2017, a julgar a ação totalmente improcedente. 4.

    Inconformado com essa decisão, o A. recorreu dela para o Tribunal da Relação do Porto, em sede de facto e de direito, tendo sido proferido o acórdão de fls. 605 a 630, de 13/09/2018, a julgar, por unanimidade, parcialmente procedente a impugnação da decisão de facto, mas mesmo assim improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

  2. Desta feita, veio o A. interpor revista normal e, subsidiariamente, de revista excecional ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC, tendo aquela sido rejeitada conforme o despacho exarado a fls. 701-702, de 13/02/2019, e esta admitida nos termos do acórdão de fls. 709-710/v.º, de 28/03/2019, por se considerar que a suscitada questão de perda de chance o exigia.

  3. Em sustentação revista interposta, o Reocorrente formulou as seguintes conclusões: 1.ª - Foi ilícita a conduta do R. perante o A., por força do não cumprimento, por aquele, dos deveres que para ele decorriam do EOA, então em vigor, e que assumiu perante o A.; 2.ª - O comportamento do R. impediu que o A. visse apreciadas, no processo de impugnação do despedimento, as razões pelas quais entendia dever o despedimento ter-se por ilícito.

    1. - Para além dos 36 factos dados por provados na sentença de 1.ª Instância e no acórdão recorrido, outro deveria ter-se também por assente, conclusão permitida, e imposta, pelos elementos constantes dos autos: o de que a pensão de reforma do A. seria, caso não tivesse sido despedido, de € 1.310,25 ilíquidos, em 30/09/2022; 4.ª - Em processos como o presente, em que há que fazer o chamado “julgamento dentro do julgamento”, in casu, do julgamento do processo laboral, neste é o R. a parte contra a qual deverá decidir-se, no caso de não se fazer prova de factos relevantes para a decisão, ou seja, é dele o ónus da prova; 6.ª - Os factos acusados na alínea a) da nota de culpa prescreveram, pois o exercício do poder disciplinar...

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