Acórdão nº 613/13.0TVPRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Abril de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Data da Resolução30 de Abril de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 1. AA (2003) LTD instaurou uma acção contra BB, Lda, CC, Lda. e DD, pedindo a condenação solidária das rés no pagamento de € 250.000,00, com juros de mora vencidos desde 28/2/2013 (8.277,74) e vincendos, calculados à taxa dos juros comerciais, até integral pagamento.

Para o efeito, e em síntese, alegou ter celebrado um contrato de seguro “para cobertura dos riscos inerentes à perda ou avaria das mercadorias transportadas, vulgarmente designado por seguro de mercadorias ou de carga” com as empresas EE, Ltd., FF e GG (...); que em Dezembro de 2011 GG (...), sua segurada, celebrou com a primeira ré (BB, Lda), que subcontratou com a segunda ré (CC, Lda.), um contrato de transporte de mercadorias suas de Lisboa até ... (...); mercadorias que a segunda ré transportou, por camião com atrelado, mas cuja “perda total” veio a ocorrer, enquanto se encontravam à sua guarda, por terem sido roubadas, tal como o veículo que as transportava, que depois apareceu vazio; que o roubo se verificou estando o camião parado num local ermo, “sem qualquer vigilância”, tendo havido, portanto, culpa do motorista – “negligência grosseira e consciente e até (…) dolo eventual”; que “pagou à sua segurada a quantia de € 250.000,00” e pretende “exercer o seu direito de regresso contra os responsáveis (…), designadamente as 1ª ré e 2ª ré”, pois, por ter pago, ficou “sub-rogada nos direitos da segurada”; que a responsabilidade da terceira ré resulta da transferência da responsabilidade da segunda; que notificou as rés (por notificação judicial avulsa, reclamando o pagamento, sem êxito.

As rés contestaram separadamente.

A 3ª ré, DD, reconheceu a 2ª ré como sua segurada (seguro de responsabilidade civil resultante da actividade de transportadora de mercadorias), e afirmou, por entre o mais, que a apólice excluía expressamente situações de dolo ou de negligência grosseira, e que o limite máximo de indemnização por sinistro era de €250.000,00, com uma franquia de €250,00.

Todas recordaram que estava em causa um “transporte internacional de mercadorias por via rodoviária sujeito à Convenção Relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada” (Convenção CMR, assinada em Genebra em 19 de Maio de 1956, aprovada pelo Decreto-Lei nº 46235, de 18 de Março de 1965, e modificada pelo Protocolo de Genebra de 5 de Junho de 1978, aprovado, para adesão, pelo Decreto n.º 28/88, de 6 de Setembro); opuseram a prescrição do direito invocado pela autora (nº 1 do artigo 32º CMR), alegando que a mercadoria deveria ter sido entregue a 21 de Dezembro de 2011, que o prazo de prescrição se iniciaria a 21 de Janeiro de 2012 e que receberam as notificações judiciais avulsas que lhes foram dirigidas em data posterior ao termo do prazo de prescrição; sustentaram que, de qualquer forma, a segunda ré não podia ser considerada responsável pela perda das mercadorias (nº 2 do artigo 17º CMR) e que, ainda que fosse responsável, a indemnização deveria ser calculada de acordo com o artigo 23º da Convenção CMR. Defenderam-se também por impugnação.

A sentença de fls. 684 veio a considerar procedente a prescrição do direito de regresso invocado pela autora e, consequentemente, absolveu todas as rés do pedido.

Entendeu a sentença que o prazo de prescrição era de um ano (al. b) do nº 1 do artigo 32º da CMR), contado da data prevista para a entrega da mercadoria”, 21 de Dezembro de 2011; que, de qualquer forma, sempre as “concretas circunstâncias do caso, que se podem considerar extraordinárias”, eximiriam “o transportador da responsabilidade pela perda das mercadorias, por verificação de uma situação de força maior excludente da responsabilidade das transportadoras aqui RR., nos termos do disposto no artº 17º nº 2 da CMR e consequentemente da 3ª R.” Pelo acórdão de fls. 877, o Tribunal da Relação do Porto manteve “a decisão absolutória (…) relativamente às rés CC, Lda., (…) e DD, seguradora daquela”, mas porque CC, Lda. não tinha contratado com a segurada da autora e, quanto à ré DD, porque era a seguradora da ré CC, Lda.; e condenou a ré BB, Lda. a pagar à autora a quantia de € 91.870,95, com juros de mora, contados desde a citação até integral pagamento.

Para assim decidir, o Tribunal da Relação do Porto considerou que a pretensão da autora se devia qualificar como de sub-rogação e não como direito de regresso; e que a sub-rogação pressupõe o pagamento: “É por isso que, pressupondo a sub-rogação o pagamento por parte do terceiro, não pode deixar de entender-se que antes dele não há sub-rogação. Ou seja, o terceiro que paga pelo devedor só se sub-roga nos direitos do credor com o pagamento – enquanto o não fizer não é sub-rogado e, consequentemente, não pode exercer os direitos do credor”, escreveu-se no acórdão.

Logo, o prazo de prescrição só pode iniciar-se após o pagamento (nº 1 do artigo 306º do Código Civil), não tendo decorrido, nem quando a acção foi instaurada ou quando se realizou a citação, nem sequer “quando as rés receberam a notificação judicial avulsa remetida pela autora”.

Julgou portanto improcedente a excepção de prescrição.

Entendeu ainda a Relação que a ré BB, Lda. interveio no contrato como transitária contratada pela proprietária da mercadoria, GG (...) e, portanto, que é responsável perante a sua cliente pelo incumprimento do contrato de transporte nos termos do disposto no nº 1 do artigo 15º do Decreto-Lei nº 255/99, de 7 de Julho; valendo a limitação do montante indemnizatório prevista no nº 3 do artigo 23º da CMR para a respectiva segurada e, portanto, para a seguradora.

  1. A autora e a ré BB, Lda, recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça Nas alegações que apresentou, e na parte que relevam para o presente recurso, a autora formulou as conclusões seguintes: «(…) VIII. Inconformada com essa decisão, veio a Recorrente apresentar recurso de apelação, para o Tribunal da Relação Porto, que veio pronunciar-se sobre as questões levantadas pela ora Recorrente, embora com fundamentos substancialmente diversos da sentença recorrida, mantido a decisão absolutória ali proferida relativamente às rés HH e DD; julgado improcedente a exceção de prescrição invocada, revogando a sentença recorrida na parte em que absolve do pedido a Recorrida BB e, condenando esta no pagamento à Recorrente da quantia de €91.870,95 euros (9.400 Kg X 8,33 DSE X € 1,17329), acrescida de juros desde a citação até integrai pagamento.

    1. A ora Recorrida [recorrente], diversamente, entende que a indemnização arbitrada pelo douto acórdão deveria ter sido no sentido da reparação integral dos danos, nos termos do disposto no art. 29° da Convenção CMR e já não limitada à quantia de 8,33 DSE, estipulados pelo art. 23°, n°3 da mesma Convenção.

    2. Contrariamente ao estipulado no nosso ordenamento jurídico, que equipara o dolo e a mera culpa, para efeitos de responsabilidade civil contratual, no douto acórdão da Relação do Porto, veio a entender-se que apesar da Recorrida HH, quem executou de facto o transporte das mercadorias não ter efetivamente tomado todas as medidas para evitar eventos do género daquele que veio a ocorrer, mesmo assim veio a entender que a mera culpa não seria suficiente para a aplicação do disposto no art. 29° da Convenção CMR.

    3. Este Supremo Tribunal de Justiça, já por diversas vezes, se pronunciou sobre o que deve entender-se por falta equivalente ao dolo, para os efeitos do disposto no art. 29° da Convenção CMR, concluindo, nos mais recentes acórdãos, que essa falta não pode deixar de ser, manifestamente, face à legislação nacional, enquanto elemento do nexo de imputação do facto ao agente, a negligência ou mera culpa que, conjuntamente com o dolo, faz parte da culpa lato sensu.

    4. E, atentas as disposições conjugadas dos artigos 483°, n° 1, 487°, n° 2, 798° e 799°, n° 2, do Código Civil, na ordem jurídica portuguesa, a equiparação entre o dolo e a mera culpa estende-se à responsabilidade contratual.

    5. A questão está, assim, em saber se os terceiros a quem a Recorrida BB se socorreu para efetuar a prestação a que estava adstrita, ou seja, a Recorrida HH atuou com negligência ou mera culpa ou se, pelo contrário, tomou todas as cautelas que, nas exatas circunstâncias do caso concreto, lhe eram exigíveis para que o evento não ocorresse, com vista a afastar o disposto no art. 29° da Convenção CMR.

    6. Dúvidas não restam que a segurada da Recorrente acordou com a Recorrida BB, o transporte internacional de mercadorias a si pertencentes desde Lisboa, Portugal até ... (ponto 10 dos factos provados).

    7. A Recorrida BB, por sua vez recorreu à Recorrida HH para a execução material do transporte que havia celebrado com a segurada da Recorrente (ponto 11 dos factos provados).

    8. A 14 de Dezembro de 2011, foi emitido o documento de transporte, com o n° ..., tendo nessa mesma data a Recorrida HH, por instruções da Recorrida BB, levantado as mercadorias da segurada da Recorrente, as quais ficaram à sua guarda (pontos 3 e 14 dos factos provados).

    9. Ficou igualmente provado que as mercadorias não chegaram a ser entregues no destino, por perda total destas enquanto se encontravam à guarda da Recorrida HH (pontos 3 e 5 dos factos provados).

    10. Todas as partes aceitaram que o contrato de transporte celebrado entre a segurada da Recorrente e a Recorrida BB, está sujeito ao estipulado na Convenção relativa ao contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada, assinada em Genebra e aprovada pelo DL 46.235 de 18.03.1965, vulgarmente designada por Convenção CMR.

    11. Sendo que, e apesar de o Tribunal da Relação ter entendido que o contrato celebrado entre a segurada da Recorrente e a Recorrida BB, configure um contrato de comissão de transporte, sujeito ao regime constante do DL 255/99 de 7.7, por via do art. 15°, n° 1 do referido diploma legal, é remetido para a Convenção CMR, aplicável à Recorrida HH, enquanto transportador de facto, no caso dos presentes autos.

    12. Na verdade e, apesar, de em sentido lato, se aderir à...

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