Acórdão nº 1025/18.5T8PRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Junho de 2019
Magistrado Responsável | BERNARDO DOMINGOS |
Data da Resolução | 19 de Junho de 2019 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Relatório[1] AA, na sua qualidade de avalista de livrança em branco subscrita por “BB, Lda. “ e em que é tomador “ Banco CC, S.A. “ [[2]], propôs a presente acção declarativa de simples apreciação negativa, pedindo, a final, se declare que o Réu não tem direito a preencher a aludida livrança (caução) em branco, por se mostrar prescrito o seu direito cambiário.
Subsidiariamente, caso o Banco Réu não tenha procedido ao preenchimento da livrança em branco até à data da prolação da sentença, deve ser julgado procedente o pedido de revogação do mandato de preenchimento da livrança em branco, com fundamento em justa causa.
Para tanto, invocou a Autora, no essencial, que a obrigação causal ao título de crédito em apreço e a cargo da sociedade subscritora “ BB, Lda. “ se tornou exigível ou vencida a 24.01.2012, data em que a mesma sociedade foi declarada insolvente.
Destarte, em razão das disposições conjugadas do artigo 91º do CIRE e dos artigos 43º e 77º da LULL e em conformidade com o pacto de preenchimento firmado entre as partes (cláusula 7ª), teria o Banco que, nessa data, proceder ao preenchimento da livrança e que nela apor como data de vencimento a aludida data de 24.01.2012, ou, no limite, até ao dia 24.01.2015, ou seja, três anos após aquele vencimento, sob pena de, não o fazendo, não só tornear a prescrição cambiária (impedindo a avalista de se fazer valer com sucesso de tal excepção ao manter até quando lhe aprouver a livrança em branco, ou seja, sem data de vencimento), como, ainda, sujeitar os obrigados cambiários a uma vinculação perpétua, dependente apenas do livre arbítrio do tomador/Banco quanto ao preenchimento e accionamento do título, agindo, assim, de má-fé e incorrendo em preenchimento abusivo da livrança, à luz do preceituado no artigo 10º da LULL.
Por outro lado, ainda, a entender-se que a cláusula 7ª do pacto de preenchimento – cláusula que foi predisposta pelo Banco e a que a Autora, tal como os demais obrigados cambiários, se limitou a aderir – pode valer com esse sentido ou interpretação, isto é, de que o Banco/tomador a pode preencher, nomeadamente quanto ao seu vencimento, quando lhe aprouver -, essa cláusula contratual geral será proibida por lei, nos termos conjugados dos artigos 12º, 15º, 16º, 18º, al. j), 20º, 21º, al. a) do DL n.º 446/85 de 22.10 (LCCG), na medida em que o interesse prosseguido pela proibição legal é o de acautelar a posição da avalista, ora Autora, atenta a sua qualidade de consumidora final na relação com o banco/empresário.
Por último, e no caso de o Banco não ter procedido ao preenchimento da livrança até à prolação da sentença, justifica-se, pelas mesmas razões que sustentam o preenchimento abusivo do título, revogar o mandato por si conferido ao Réu para o preencher, com fundamento em justa causa, nos termos do artigo 1170º, n.º 2, do Cód. Civil.
* Citado, o Réu “ Banco CC, S.A. “ invocou que, permanecendo a livrança em apreço por preencher, a obrigação não se pode considerar prescrita na estrita medida em que esse prazo só se inicia a partir da data de vencimento (artigos 70º, 75º e 77º, da LULL).
Por outro lado, não estando a livrança preenchida até à data, o que inviabiliza o exercício do direito cambiário (que não existe ou, ao menos, não é eficaz), não pode ocorrer a prescrição do direito cambiário, sendo certo que a prescrição só se inicia quando o direito poder ser exercido (artigo 306º, n.º 1, do Cód. Civil).
Mais, ainda, alegou que do próprio pacto de preenchimento não resulta que tenha sido convencionado qualquer prazo para o preenchimento da livrança no que se refere à data de vencimento, sendo certo que, verificado o incumprimento da relação subjacente, o Banco pode – está autorizado a – preencher a livrança, mas não está obrigado a fazê-lo, sendo irrelevante, para o efeito de indicação da data de vencimento da livrança, o incumprimento do contrato ou a data da declaração de insolvência da mutuária operada no dia 24.01.2012.
Por outro lado, sustentou, ainda, que, em face da natureza do aval enquanto garantia autónoma e independente em face da relação subjacente e como garantia objectiva do pagamento do título, pagamento este que não ocorreu, não é admissível ao dador de aval revogar a sua obrigação cambiária perante o portador do título.
Concluiu, assim, pela improcedência da causa.
* A Autora respondeu em réplica, mantendo, no essencial, a posição e as pretensões já antes vertidas na sua petição inicial.
Em resposta, Banco Réu pugnou pela inadmissibilidade legal do dito articulado de réplica, à luz do preceituado no artigo 584º do CPC.
* Foi proferido despacho que julgou inadmissível a réplica oferecida pela Autora (despacho que se mostra transitado em julgado) e designou data para a realização de audiência prévia.
Realizada a audiência prévia, foi, em sequência, proferido despacho saneador-sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo o Réu dos pedidos contra si formulados.
* Inconformada com a decisão proferida, veio a Autora interpor recurso de apelação.
Apreciando a apelação o Tribunal da Relação do Porto, julgou o recurso improcedente, «confirmando o saneador-sentença proferido, ainda que por fundamentos não integralmente coincidentes».
* Novamente inconformada com esta decisão, veio a A. interpor recurso de revista, tendo rematado as suas alegações com as seguintes Conclusões: 1. A recorrente prestou o seu aval em livrança caução em branco subscrita pela sociedade BB, Ldª, em garantia das obrigações emergentes de um crédito (abertura de crédito) concedido pelo recorrido a esta sociedade; 2. A sociedade BB, Ldª foi declarada insolvente por douta sentença de 24.01.2012 (facto assente 6), tendo-se, nessa data, por força do art 91º do CIRE, vencido a obrigação emergente do contrato de abertura de crédito de €50.000,00; 3. A recorrente escreveu duas cartas ao apelado (DOC 4 e 5 da pi) invocando a prescrição do aval (por já terem decorrido mais de 3 anos sobre a data de 24.01.2012 - art 70º LULL) e revogou o mandato de preenchimento da livrança em branco para o caso de ainda não ter sido preenchida, pelas mesmas razões que fundamentaram a invocação da prescrição; 4. O recorrido sustentou, por carta (DOC 6 da pi) - e mais tarde no art 58º da douta contestação - que pode preencher a livrança em branco para além do prazo de 3 anos contados da data em que se venceu a obrigação subjacente (que é a data de 24.01.2012), apondo uma data de vencimento que impossibilita a invocação com êxito da prescrição cambiária.
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A divergência de entendimentos jurídicos fundamentou a propositura da presente ação.
*** Da verificação do pressuposto de admissão do recurso: não verificação de dupla conforme 6. De acordo com o disposto no art.671º nº 3 do CPC não se verifica uma hipótese de “dupla conforme” quando as decisões das Instâncias antecedentes fundamentarem juridicamente a questão ou questões submetida a sua apreciação de modo “essencialmente diferente”.
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É o caso - as questões que se submetem à douta apreciação de Vªs Exªs emergem de uma apreciação jurídica diferente das Instâncias anteriores, que embora cheguem ao mesmo resultado (improcedência da ação), fazem-no por caminhos jurídicos diferentes.
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A 1ª Instância entendeu que não podia apreciar os pedidos formulados na p.i. por falhar o pressuposto que permitiria apreciá-los: a inserção de uma data de vencimento na livrança.
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A 2ª Instância viu as coisas de modo diferente, entendeu que a não colocação da data de vencimento no título cambiário não constitui obstáculo já que o que importa apreciar é se a inércia do portador do título ao não preencher a livrança com data de 24.01.2012 (ou no limite com a data de 24.01.2015) legitima a invocação da prescrição da ação cambiária pela recorrente.
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A douta sentença de 1ª Instância diz ainda que o portador da livrança não pode apor uma data de vencimento que “juridicamente não tenha sustento”, vale por dizer, entende que deve indicar a data de vencimento da obrigação (24.02.2012) ou uma data (entre 24.01.2012 e 24.01.2015) que não impeça a invocação da prescrição.
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E que se completar a livrança de modo a impedir a invocação da prescrição age em abuso de direito.
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A Relação já entende de maneira diferente: sustenta que o pacto de preenchimento não obriga a considerar a data de 24.01.2012 ou uma data entre 24.01.2012 e 24.01.2015, por não existir na Lei Portuguesa norma que limite temporalmente o preenchimento da livrança e não resultar da interpretação do pacto de preenchimento a obrigatoriedade do recorrido colocar uma data entre 24.01.2012 e 24.02.2015.
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Desta divergência de posições entre a 1ª e a 2ª Instância resulta o seguinte: (i) se o recorrido preencher a livrança com data posterior a 24.01.2015 (isto é, com uma data que permita tornear a prescrição cambiária prevista no art 70º LULL) e a executar, o Mº Juiz que proferiu a sentença julgaria abusiva a inserção de uma data que obstasse à invocação da prescrição (ii) os Mº/ªs Juízes Desembargadores/as que apreciaram a apelação não entenderiam assim e considerariam lícita a aposição de uma data de vencimento posterior a 24.01.2015.
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Quanto à convenção de preenchimento da livrança, a 1ª Instância considerou não se aplicar a LCCG por a recorrente não ser parte no contrato de crédito e não ser consumidora ao passo que a 2ª Instância concluiu pela sua aplicação, decidindo, no entanto, pela não violação das normas da LCCG invocadas.
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Conclui-se assim pela existência de diferente fundamentação jurídica nas decisões antecedentes, pelo que deve o recurso de revista ser admitido, por não existir “dupla conforme”.
*** Subsidiariamente, Da verificação dos requisitos de admissibilidade da revista excecional 16. A questão que se traz à apreciação deste Tribunal cremos estar pouco tratada ou é mesmo nova (pelo menos nunca a vimos tratada): saber se a data de vencimento de uma livrança caução em branco subscrita para titular uma determinada obrigação subjacente deve coincidir com a data de...
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