Acórdão nº 3589/15.6T8CSC-A.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelTOMÉ GOMES
Data da Resolução19 de Junho de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório 1. AA (A.) instaurou, em 01/09/2015, contra BB (R.) uma ação declarativa, sob a forma de processo especial, a pedir a cessação ou, subsidiariamente, a redução para montante insignificante da pensão de alimentos no valor mensal de € 1.500,00, atualizada para € 1.607,00, que aquele se obrigou a prestar a esta no âmbito do processo de divórcio por consentimento que levou à dissolução do respetivo casamento em 12/04/2007.

Alega, para tanto, a superveniência de vicissitudes várias com repercussão na esfera patrimonial de cada uma das partes de que resultaram, para o A., a impossibilidade de prestar aquela pensão e, para a R., a desnecessidade da mesma, sustentando, em síntese, que: .

Quando tal prestação foi acordada, o A. auferia um rendimento mensal de € 7.022,00, decorrente da profissão que exercia; .

Porém, ante a iminência de despedimento coletivo em virtude da inevitável reestruturação da respetiva entidade patronal, o A. celebrou, em 30/06/2015, um acordo de cessação do seu contrato de trabalho, passando a auferir um subsídio de desemprego mensal de € 1.048,20 com a duração de 3 anos e que seria reduzido para € 943.38 a partir de janeiro de 2016; .

Assim, o A., auferindo agora um rendimento mensal de € 1.260,70, incluindo o sobredito subsídio de desemprego e o rendimento mensal que obtém pela renda duma moradia, mas suportando despesas mensais no total de € 2.823,95, não dispõe sequer dos meios suficientes para fazer face às necessidades da sua sobrevivência e aos problemas de saúde que, entretanto, lhe sobrevieram; .

Por outro lado, a R., com formação universitária na área da …, para além de nunca ter tentado retomar a sua atividade profissional, dissipou ainda dois imóveis que tinha em seu nome no …, abdicando da renda mensal de € 600,00 que recebia pelo arrendamento de um deles, e comprou o imóvel onde vive em …, desde 2010, no valor aproximado de € 300.000,00.

2.

Frustrada a tentativa de conciliação, a R. apresentou contestação, em que impugna a situação de insuficiência económica superveniente alegada pelo A., contrapondo-lhe a sua situação de carência da pensão em causa e concluindo pela improcedência da ação.

3.

Realizada a audiência final, foi proferida a sentença de fls. 418 a 441/v.º, de 13/02/2018, a julgar a ação totalmente procedente, decretando-se a imediata cessação da obrigação alimentar devida pelo A., em especial, a cessação do pagamento da pensão de alimentos acordada entre as partes em março de 2007. 4.

Inconformada, a R. recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, em sede de impugnação de facto e de direito, tendo sido proferido o acórdão de fls. 489 a 505/v.º, de 10/01/2019, a julgar parcialmente procedente a apelação, reduzindo a pensão mensal em causa para o valor de € 845,00, com efeitos a partir da propositura da presente ação, sujeita a atualização anual em função do índice de inflaçâo verificado no ano anterior.

Tal acórdão foi aprovado com um voto de vencido, no sentido do não provimento do recurso e da consequente confirmação da sentença recorrida, por considerar que o mesmo deveria ser rejeitado quanto à impugnação da decisão de facto, dada a inobservância do ónus impugnativo exigido pelo artigo 640.º do CPC, e que se mantinha assim inalterada a factualidade provada de que a Recorrente fazia depender a solução de direito, para além de que tal factualidade ser de molde a implicar a cessação da obrigação alimentar impendente sobre o A.. 5.

Desta feita, vem agora o A. pedir revista para o que formulou as seguintes conclusões: 1.ª – O presente recurso versa sobre matéria de direito - erro de julgamento; 2.ª - O Recorrente não se conforma com o vertido no acórdão recorrido, em que se decidiu condenar o mesmo no pagamento vitalício de uma pensão de alimentos no valor mensal de € 845,00, com efeitos a partir da data de propositura da ação e com atualização anual em função do índice de inflação verificada no ano anterior; 3.ª - O recurso deduzido pela R. em 1ª instância foi manifestamente extemporâneo, não tendo esta cumprido, em momento algum nas suas alegações de recurso, nem sequer minimamente com o ónus que lhe é imposto pelo artigo 640.º, n.º 1, do CPC; 4.ª - A R., nesse recurso, também não cumpriu com os ónus de impugnação e de conclusão estatuídos no artigo 639.º, n.º 1, do CPC; 5.ª - Assim, o requerimento de interposição de recurso deveria ter sido indeferido, rejeitando-se o recurso quanto à impugnação da matéria de facto e de direito, mantendo-se a sentença proferida em 1.ª instância e confirmando-se a decisão que declarou a cessação da obrigação de pagamento de alimentos por parte do ora Recorrente; 6.ª - O Tribunal “a quo”, face às conclusões apresentadas pela R. em sede de recurso da 1.ª instância (pontos E3, F3, G3 e H3), considera que “estas conclusões não visam a alteração de qualquer ponto da decisão de facto, através da reapreciação de meios de prova. O que a Recorrente questiona é a valoração, que foi feita na decisão recorrida, dos factos julgados provados, em especial dos que respeitam à capacidade de o Recorrido continuar a prestar-lhe alimentos. Ou seja, não está em causa qualquer alteração adicional da matéria de facto relevante para a decisão, mas a fundamentação conclusiva da decisão”; 7.ª - Contudo, das conclusões E3, F3 e G3 referenciadas pelo Tribunal “ a quo” resulta claramente o contrário: a) - Conclusão E3: “E3. Ora a matéria de facto dada como provada na decisão em recurso, com o devido respeito, merece censura, devendo ser alterada, revogando-se “in totum”, posto que o tribunal “a quo” faz uma errada interpretação dos factos (…)” b) - Conclusão F3: “F3. Pelo que se requer que seja efetuada a reapreciação da matéria de facto (…)”; c) - Conclusão G3: “G3. De acordo com o disposto no art.º 685.º-B, n.º da lei adjetiva, quando se impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, além dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, quais os concretos meios probatórios, constantes no processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham uma decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.” 8.ª - Mal andou o Tribunal “a quo” ao concluir que a R. pretendia a reapreciação da fundamentação da decisão do Tribunal de 1.ª instância; 9.ª – E também ao considerar que as circunstâncias, em especial a situação económico-financeira do A., se alteraram; 10.ª - O A. não dispõe de capacidade económica para suportar, vitaliciamente, o pagamento da quantia de € 845,00 à R. a título de pensão de alimentos; 11.ª - Dos factos assentes nos autos resulta claro que as escolhas realizadas pela R. ao longo dos anos o foram em seu estrito benefício financeiro, sem qualquer planeamento ou preocupação com o futuro: i) - Ao longo de mais de 10 anos realizou uma poupança significativa face aos seus rendimentos e despesas efetivamente tidas; ii) - A R. adquiriu uma casa em valor superior ao que podia, só por si, suportar, iii) - A R. alienou património imobiliário que lhe dava um rendimento fixo e estável; iv) - A R. recebeu e não investiu € 45.000,00 que recebeu na sequência da alienação do seu património imobiliário; v) - A R. recusou até propostas de trabalho; 12.ª - Mal andou o Tribunal “a quo” ao não valorar devidamente estes factos; 13.ª - O Tribunal “a quo” retira ainda conclusões infundadas e ao arrepio da prova produzida nos autos, quer quanto à capacidade de o A. poder pagar as suas despesas, tal como elas se encontram, bem como uma pensão de alimentos de € 845,00 durante 113 meses, quer quanto a uma pensão de invalidez que o A. não aufere, nem sabe quando e se vai auferir, bem como quanto a um suposto complemento de reforma cujos elementos não constam dos autos e que o Tribunal “a quo” até reconhece “não terem sido melhor esclarecido”; 14.ª - As conclusões retiradas pelo Tribunal “a quo” colidem com a prova produzida e assente nos autos; 15.ª - O A. não dispõe de meios para manter o pagamento vitalício de uma pensão de alimentos de € 845,00 à R.; 16.ª - A declaração de voto é integralmente subscrita pelo A., porque da mesma resulta a correta e adequada aplicação do direito aos factos dados como provados nestes autos; Pede o Recorrente que seja revogada a decisão recorrida e substituída por outra que declare a cessação do pagamento da pensão alimentar em causa, desde a data da propositura da ação.

6.

A Recorrida apresentou contra-alegações a sustentar a confirmação do julgado, juntando ainda o documento de fls. 552-557, tendente a provar que o A. obteve o capital de € 233.983,27 pela venda dum imóvel mediante escritura pública outorgada em 27/11/2018.

Cumpre apreciar e decidir.

II – Delimitação do objeto do recurso Atentas as conclusões do Recorrente, em função das quais se delimita o objeto do recurso, as questões assim suscitadas são as seguintes: i) – Saber se o recurso de apelação padece de extemporaneidade, por não lhe aproveitar o prazo complementar de 10 dias, dada a inobservância do ónus impugnativo quanto à decisão de facto, por parte da R./apelante; ii) – Saber se, não obstante isso, tendo-se mantido inalterada a decisão de facto, será de manter também a decisão de direito da 1.ª instância pelo facto de a impugnação desta, então deduzida pela Apelante, estar exclusivamente dependente da procedência da impugnação daquela decisão de facto; iii) – Subsidiariamente, saber se a decisão ora recorrida incorreu em erro de direito na qualificação dos fatos dados como provados, no respeitante à alteração superveniente das condições económicas do A. e da R. para efeitos da pretendida cessação ou redução da pensão alimentar em causa.

Como foi referido, a R./Recorrida veio juntar com as respetivas contra-alegações o documento de fls. 552-557, sob a pretensão de que fosse tido em conta, na presente revista, que o A. obteve, entretanto, o capital de €...

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