Acórdão nº 4702/15.9T8MTS.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Data da Resolução19 de Junho de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I - RELATÓRIO AA, viúva, e seus filhos, BB, CC, e DD, intentaram acção com processo comum, contra EE, S.A., com sede na Av. … nº …, … …, efectuando os seguintes pedidos: “- Requer-se que a ré, EE S.A., seja condenada a pagar ao Banco FF (Portugal) SA, a quantia de € 48.365,32 correspondente aos créditos hipotecários – nº101.9…97 e nº101.9…05, à data do óbito do falecido GG, com quem a autora foi casada, sendo que, uma vez que o crédito continua a ser pago pelos autores, ao Banco FF (Portugal) SA que à data já acumula o valor 6.684,23€, sendo que, a ré terá de pagar o montante que à data do trânsito da presente acção os autores tiverem pago ao Banco referido, cujos créditos estavam garantidos pelo seguro ramo vida através das apólices identificadas.

- Para além do dano patrimonial supra citado, deve ainda esta ré ser condenada no pagamento aos autores de todos os danos patrimoniais tidos na sequência do não pagamento pela ré das supra mencionadas quantias, desde logo na quantia de 1.500,00 € conforme o alegado no item 50 entre outros, e ainda deverá ser condenada a ressarcir os autores em quantia não inferior a 7.500,00 €, de todos os danos de natureza não patrimonial atento o alegado nos itens 51 a 56 entre outros.

- Mais se requer, que todas as quantias sejam acrescidas dos respectivos juros de mora vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento.” Alegaram, em síntese, que a 1ª autora, juntamente com GG, com quem era casada, tinha contraído em 1998 um empréstimo junto do Banco FF (Portugal), S.A., anteriormente designado HH Portugal, S.A. No âmbito desse contrato subscreveram um seguro do ramo vida, junto da ré. O GG faleceu em 10 de Outubro de 2013, mas a seguradora não aceitou pagar o montante da dívida junto daquele Banco (€48.365,32), invocando que o falecido tinha prestado falsas declarações aquando da celebração do contrato de seguro.

Mais alegaram que antes da celebração do contrato de seguro não foram explicadas as cláusulas, tendo-se limitado o falecido a subscrever as propostas.

Contestou a ré seguradora, invocando a anulabilidade do contrato de seguro, por ter sido deliberadamente omitida a situação clínica pré-existente do segurado e no mais impugnando os factos alegados pelos autores e pugnando pela improcedência da acção.

Após convite do tribunal nesse sentido, vieram os autores requerer a intervenção principal provocada do Banco FF (Portugal), incidente que foi admitido.

O interveniente, que incorporou por fusão a sociedade HH Portugal, S.A. apresentou articulado, invocando ser um terceiro de boa-fé na relação contratual estabelecida entre os mutuários e a ré, pelo que não poderá ver o seu direito prejudicado por alegadas falsas declarações daqueles a esta e pedindo que a acção seja considerada procedente, e, consequentemente, a ré condenada a pagar ao interveniente os montantes que se encontrem em dívida quanto ao contrato de mútuo com hipoteca consigo celebrado.

Após convite do tribunal nesse sentido, veio o interveniente responder à matéria de excepção invocada pela ré na sua contestação, invocando a caducidade do direito de invocação de tal anulabilidade.

Igualmente vieram os autores responder a tal matéria, invocando o decurso do prazo de um ano para invocação da referida anulabilidade do contrato.

Foram autores e ré notificados para esclarecerem se, na sequência do envio da carta junta aos autos com a petição inicial, datada de 5 de Setembro de 2013, em que a ré, dirigindo-se à 1ª autora, invocou a anulabilidade do contrato de seguro, por omissão do dever de declaração inicial do risco, continuaram a ser pagos pela 1ª autora e recebidos pela ré, os prémios de seguro, referentes ao seguro em causa.

Nessa sequência, veio a ré dizer que todos os prémios recebidos, quer com data anterior, quer com data posterior a 05.09.2013, foram devolvidos ao tomador do seguro, na medida em que a partir dessa data a apólice foi anulada por omissão do dever de declaração inicial de risco.

Veio ainda a ré responder à invocada excepção de caducidade de invocação do direito de invocação da anulabilidade, pugnando pela sua improcedência.

Foi proferida sentença em 13.03.2018 (fls. 263-279) com o seguinte dispositivo: “Com fundamento no atrás exposto julgo a presente acção parcialmente procedente e em consequência:

  1. Condeno a ré EE, S.A. a pagar ao interveniente Banco FF (Portugal), S.A., a quantia em dívida à data de hoje, referente ao contrato de mútuo com hipoteca celebrado entre o interveniente e a primeira autora e seu falecido marido.

  2. Condeno a ré a pagar aos autores as quantias que estes continuaram a suportar (a pagar ao interveniente), desde a data do óbito do marido da primeira autora até à data de hoje, em montante a liquidar em ulterior incidente de liquidação.

  3. A tais quantias acrescerão os juros de mora vencidos e vincendos, desde a data da citação para a presente acção e até efectivo e integral pagamento.

  4. Absolvo a ré do restante peticionado”.

    A ré EE, SA interpôs recurso de apelação e a Relação, por acórdão de 15.01.2019, julgando a apelação procedente, revogou a sentença recorrida e absolveu a ré do pedido.

    Não se conformando com aquele acórdão, dele recorreram os autores, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES: 1ª - Não merecendo censura a decisão proferida em 1º instância, a Relação deveria ter confirmado que a ré/seguradora não tinha fundamento para invocar a anulabilidade do contrato e que, ainda que se verificasse tal fundamento, tal direito havia caducado.

    1. - Os autores/recorrentes não acompanham, assim, o julgado e decidido pelo acórdão da Relação, pois, contém erro de interpretação dos artigos 24°, 25° e 26° do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (Lei 72/2008, de 16/04).

    2. - Não deverá, desde logo, o contrato de seguro ser anulado, pois não se provou que o tomador de segurado tenha agido dolosamente, ocultando informações na fase negocial, afastando-se a aplicabilidade do nº 1 do artigo 25º do citado diploma legal, não podendo a ré/seguradora que aceitou o contrato, e provada a ausência de dolo, prevalecer-se da eventual omissão de resposta a pergunta do questionário (não provado), nos termos da aliena a), do nº 3 do artigo 24º.

    3. - Não se tendo provado que foi o falecido marido da 1ª autora/recorrente quem preencheu o questionário médico em questão, nem se apurou que o mesmo tenha ocultado qualquer informação para o preenchimento do mesmo, e que o tenha feito omitindo deliberadamente a sua situação clínica prévia quando subscreveu a proposta de seguro em Abril de 2012, inexistem factos que possam consubstanciar o incumprimento doloso ou negligente referido no artigo 24º nº 1 do Regime Jurídico do contrato de seguro (Decreto-Lei 72/2008, de 16/04), pelo que o contrato de seguro em causa não é anulável (afastando-se, assim, a norma do artigo 25º da citada Lei, tendo ainda por referência o artigo 253º do C.C.).

    4. - Não se provou que o falecido marido da 1ª autora, tanto nos preliminares, como na formação do contrato, tenha utilizado ou usado de artifícios e sugestões para induzir em erro a ré seguradora encontrando-se, assim, afastado, um dos requisitos do dolo - artigo 253º do C.C.

    5. - A ré/seguradora não provou que o tomador do seguro tenha usado de artifícios ou embustes aquando da celebração do contrato, ou seja, não conseguiu provar a relevância que as informações omitidas tinham para a apreciação do risco ou mesmo para a vontade de contratar e a consciência que o falecido marido da 1ª autora tinha dessa mesma relevância.

    6. - Na ausência do “dolus malus”, a que reporta especificamente o nº 1 do artigo 25º do RJCS, fica igualmente afastada a possibilidade de invocar a anulabilidade do contrato de seguro.

    7. - É sobre a ré seguradora que pendia o ónus de provar o erro, a sua relevância e a existência de dolo (nº 2 do artigo 342º do Código Civil), mormente, no que ao erro diz respeito, aferir se o mesmo foi factor determinante da declaração negocial emitida – essencialidade do elemento sobre que incidiu o erro – e se o falecido marido da 1ª autora conhecia ou devia conhecer essa essencialidade - requisitos comuns de anulabilidade exigidos para o erro-vício e para o erro na declaração, por remissão do artº 251º para o artº 247º, ambos do Código Civil.

    8. - Ou seja, cumpria à ré/seguradora não só alegar, mas também demonstrar factos que sustentassem as alegadas omissões ou inexactidões dolosas praticadas pelo segurado, aquando da declaração inicial do risco prestada, relevantes para apreciação do risco, e a respectiva essencialidade para a celebração do negócio jurídico, no caso, o contrato de seguro.

    9. - Ainda que se tenha provado que à data em que o falecido marido da 1ª autora subscreveu a proposta já sabia que era possuidor de um quadro clínico que não era normal face à descrição constante do relatório médico (ponto 40) - não se provando que foi o falecido marido da 1ª autora a preencher tal questionário e que foi o mesmo a responder negativamente a todas as questões omitindo deliberadamente a sua situação clínica -, a verdade é que não está provado que, não fora o erro provocado, o contrato não teria sido celebrado.

    10. - O que ficou assente e dado como provado no ponto 41 dos factos provados foi uma alternativa, isto é, provou-se que a ré seguradora se soubesse ou conhecesse, à data da contratação do seguro a situação clínica do falecido marido da 1ª autora, não teria aceite o seguro ou, em alternativa, sujeitá-lo-ia a um sobre prémio, o que, por si só, é suficiente para a improcedência da excepção de anulabilidade, por falta de prova da essencialidade do erro.

    11. - Nesse sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 08-11-2018 – processo 399/14.1TVLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt: “VI. Subsumidos os factos ao direito, na demonstração de que se a seguradora tivesse conhecimento que o segurado, omitiu declarações relevantes para apreciação do risco, outrossim, que ao conhecê-las não teria aceitado celebrar o seguro...

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