Acórdão nº 3341/15.9T8LRA.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA ROSA TCHING
Data da Resolução19 de Junho de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 2ª SECÇÃO CÍVEL I. Relatório 1. AA e BB, instauraram ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra Banco CC, SA, pedindo a condenação do réu a restituir-lhes a quantia de € 250.000,00, acrescida de juros à taxa legal para as operações comerciais, contados desde a data da citação e até integral e efetivo pagamento.

Alegaram, para tanto e em síntese, que: São clientes do banco réu há mais de 15 anos e são investidores não qualificados.

Em outubro de 2004, tinham no banco réu um depósito a prazo no montante de € 200.000,00.

Seduzidos pelos funcionários deste banco, os autores, em 19.10.2004, aceitaram subscrever quatro obrigações SLN .... 2004, no valor de € 50.000,00, cada uma, no valor global de € 200.000,00.

O boletim de subscrição foi colocado na frente do autor marido, já preenchido à mão, e este limitou-se a assiná-lo, julgando que se tratava de uma variante de um depósito a prazo, só que mais bem remunerado.

Os autores só subscreveram os títulos supra mencionados porque lhes foi afiançado pelo banco réu que o retorno das quantias subscritas eram garantidas pelo próprio Banco, que se tratava de um produto sem risco, com melhor remuneração do que um depósito a prazo e que podia ser resgatado a qualquer altura, apenas com uma penalização nos juros, como sucede com os depósitos a prazo.

Os funcionários do banco tinham perfeita consciência de que os autores, em circunstância alguma, aceitariam subscrever obrigações subordinadas.

Não foi dada aos autores uma nota informativa da operação.

Em abril de 2006, o autor recebeu um telefonema de um funcionário do banco réu, dando-lhe conhecimento de que tinha um produto seguro e bem remunerado e que tomara a liberdade de subscrever por ele uma obrigação de € 50.000,00.

Os autores nunca chegaram a assinar qualquer contrato de subscrição.

A CC SA não pagou as obrigações SLN .... 2004, na data do seu vencimento, em 24 de outubro de 2014.

2. Citada, a ré contestou, pugnando pela improcedência da ação e pela sua absolvição do pedido.

3. Realizada audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou a presente ação parcialmente procedente e, consequentemente, condenou o Banco CC, SA « a pagar aos Autores AA e BB, a quantia de duzentos mil euros (€ 200.000,00), acrescida de juros remuneratórios fixados para a conta de depósitos n.º 0000000, vencidos no período compreendido entre 19 de Outubro de 2004 e 25 de Outubro de 2014, deduzidos os juros semestrais recebidos pelos Autores e relativos àquela subscrição de obrigações SLN .... 2004, acrescendo ao valor final juros de mora, calculados à taxa legal civil, contados desde a data da citação e até integral pagamento».

4. Inconformados com esta decisão, dela apelaram os autores para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão proferido em 22 de Novembro de 2018, julgou procedente a apelação e, revogando a sentença recorrida, na parte em que absolveu o réu da obrigação de indemnizar os autores pelo dano para eles decorrente da subscrição da obrigação SLN 2006, decidiu aditar à condenação já efetuada na sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância o seguinte: «Mais se condena a ré a pagar aos autores a quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), acrescida de juros remuneratórios fixados para o período compreendido entre 8 de Maio de 2006 e a data da propositura da acção, deduzidos os juros que os autores receberam referentes à Obrigação SLN 2006, acrescendo ao valor final juros de mora, calculados à taxa legal civil, contados desde a data da citação e até integral pagamento».

5. Inconformado com esta decisão, dela interpôs o banco réu recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo as suas alegações com as seguintes conclusões que se transcrevem: « 1) Mantém-se apenas em discussão a determinação e demonstração de eventual dano que os AA possam ter, ou não sofrido pela subscrição de uma obrigação SLN 2006, porquanto esta obrigação não se tinha vencido à data de propositura da presente acção e por não ter sido alegado quanto ao reembolso, ou não, do capital investido na respectiva data de vencimento – sendo apenas esse o objecto deste recurso! De facto, 2) Os AA. nunca alegaram qualquer facto relativo ao não reembolso desta Obrigação SLN 2006, fosse na sua petição inicial fosse em articulado superveniente, como, ao invés, um tal facto não consta tão pouco do elenco de factos provados, ao contrário do que sucede para as Obrigações de 2004 – vide facto 45)! 3) O douto acórdão em crise vem a adoptar posição sobre a natureza da responsabilidade do Banco enquanto intermediário financeiro, traduzida na responsabilidade pré-contratual do mesmo.

4) A responsabilidade pré-contratual pressupõe a violação de boa fé na negociação de um contrato ou na sua formação! Ou seja, é, por definição, uma responsabilidade que a existir se refere a direitos gerais impostos pela boa-fé e ordem pública, pré-contratuais! 5) A responsabilidade contratual pressupõe o incumprimento de um dever que emerja de contrato! E com isso pressupõe necessariamente a pré-existência de um contrato, com um regime convencional e/ou legal aplicáveis! 6) Uma solução de responsabilidade mitigada, não nos parece que seja critério eficaz ou válido sequer, em face da incompatibilidade entre uma responsabilidade cujo acto ilícito dependa de contrato ou que seja prévia a este! 7) A actividade de intermediação financeira é sustentada no estabelecimento de duas (ou mais) relações contratuais paralelas, 8) Sendo que a principal, relação de cobertura, é a de intermediação financeira propriamente dita, sujeita a direitos e deveres gerais, aplicáveis à actividade de intermediação em geral, e sujeita a um regime extenso e exaustivo de capacidade para o exercício da actividade, de informação sobre as mais variadas circunstâncias dessa actividade, de defesa de mercado, etc...

9) Ao abrigo desse contrato, depois, o intermediário poderá prestar um dos serviços elencados no art.º 289º nº 1 e 290º do CdVM – também eles enquadráveis contratualmente, desta vez no âmbito dos chamados contratos de execução.

10) Em causa nos autos está a especial relação de mandato estabelecida por força da prestação dos serviços de intermediação de recepção e transmissão de ordens, no caso ordens de subscrição de uma obrigação SLN 2006! 11) O dever de informação, ou, por contraposição, o direito à informação decorre do regime legal aplicável assim ao contrato de intermediação, e bem assim ao contrato associado ao concreto serviço de intermediação que o intermediário financeiro presta.

12) Ou seja, esta prestação é devida a título de crédito a uma prestação contratual acessória do serviço de recepção e transmissão de ordens - existe apenas e só por força do contrato! 13) É, por isso, uma prestação de natureza contratual, ainda que com origem legal! 14) Assim, o incumprimento de uma tal obrigação de informar, a implicar responsabilidade, será claramente uma responsabilidade contratual, e não uma responsabilidade pré-contratual! 15) A decisão recorrida violou assim, por errónea interpretação o disposto nos art.ºs 227º e 798º do Código Civil.

Por outro lado, 16) É hoje pacífico que no caso de incumprimento de obrigações contratuais, e ressalvadas as situações de resolução do contrato – que aqui igualmente não se colocou por qualquer forma -, esse dano deverá ser fixado de acordo com o chamado dano de incumprimento, o interesse contratual positivo – nos termos do art.º 562º do Código Civil.

17) Ora, se não resulta dos autos qualquer tipo de incumprimento, concretamente no que se refere à Obrigação de 2006, desde logo não poderemos, nesta sede, determinar sequer a existência do dano, e muito menos do seu valor! 18) Daí a necessidade de os AA. alegarem a verificação do incumprimento, por ser determinante na existência de dano, e por outro, alegarem igualmente o valor que teria ficado por reembolsar, para determinação do montante do dano! 19) Nada disso foi feito nos autos, e portanto, não podemos afirmar a existência de qualquer dano, e muito menos o valor de um suposto dano! Sem prejuízo do alegado, E ainda que assim se não entenda, 20) Sempre a invocação do interesse contratual negativo como critério de determinação da indemnização, por força de uma alegada responsabilidade pré-contratual tornando-se distinta da indemnização fixada pelo interesse contratual positivo, obrigaria a que se alegasse e provasse um qualquer dano, como obrigaria a que se alegasse e provasse um respectivo montante! 21) Pois que se o interesse contratual negativo corresponde à situação patrimonial em que o credor estaria acaso não tivesse contratado – o que restou igualmente por alegar! 22) Ou seja, dos autos resulta qualquer dano relativo à obrigação SLN 2006, ainda que calculado pelo interesse contratual negativo, até porque ele sempre será diferente do mero valor investido! 23) Por esse motivo, violou a decisão recorrida o disposto no citado art.º 562º do Código Civil».

Termos em que conclui pela procedência do presente recurso, e por via dele pela revogação do douto acórdão recorrido e sua substituição por outro que absolva o Banco-Réu do pagamento de 50.000,00€ e respetivos juros de mora, relativos à subscrição de uma obrigação SLN 2006.

6. Os autores responderam, terminando as suas contra-alegações com as seguintes conclusões que se transcrevem: « A. Deverá ser mantido na íntegra o douto acórdão recorrido, por se tratar de um brilhante aresto, bem elaborado e melhor fundamentado.

  1. Afigura-se como um facto público e notório o modus operandi do Banco réu nas relações que mantinha com os seus clientes.

  2. Tal modus operandi, em ordem ao seu financiamento consistiu, como é do conhecimento comum, em seduzir meros aforradores com produtos financeiros com remuneração superior à comummente praticada por outros operadores financeiros.

    D.E, em ordem a esse desiderato, convencerem tais aforradores que os produtos vendidos eram...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT