Acórdão nº 174/17.1PXLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelLOPES DA MOTA
Data da Resolução26 de Junho de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACÓRDÃO Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1.

AA, arguido, com a identificação dos autos, interpõe recurso do acórdão de 28 de Novembro de 2018 do Tribunal da Relação de Lisboa que, dando provimento ao recurso do Ministério Público e negando provimento ao por si interposto do acórdão de 18 de Junho de 2018 do tribunal colectivo do Juízo Central Criminal de Lisboa (Juiz 9) da Comarca de Lisboa, que, considerando que este agira com excesso do meio utilizado em legítima defesa, lhe havia aplicado uma pena de 10 anos de prisão, pela prática, como autor material e na forma consumada, de 1 (um) crime de homicídio, previsto e punido pelo artigo 131.º do Código Penal, modificou a matéria de facto dada como provada em 1.ª instância, afastando os pressupostos da legítima defesa, e, em consequência, agravou, para 12 anos, a pena de prisão aplicada.

  1. Pedindo a «anulação» do acórdão recorrido, «por violação do princípio da livre convicção, do princípio da imediação e do princípio da presunção da inocência», e defendendo que a condenação deve ser «por homicídio simples, com excesso de legítima defesa em pena não superior a oito (8) anos de prisão», apresenta o arguido motivação de recurso, concluindo (transcrição): «1 O douto Acórdão de primeira instância leva a sua capacidade de síntese a resumir desta forma o caso "sub judice": Do exposto a nível de prava testemunhal resulta que há duas versões distintas quanto ao modo como terão ocorrido os factos Uma versão próxima dos factos descritos na pronúncia.

    A outra colocada à versão dos factos relatada pelo arguido.

    Qual foi a que convenceu o Tribunal? A versão doo arguido AA, Não por aquilo que até ao momento foi descrito a nível de prova testemunhal, mas essencialmente por causa das declarações da testemunha BB e de outros elementos objectivos do processo que serão mencionados" (fim de citação - fls. 18 - 2a coluna in fine) 2. Enunciada e circunscrita, pois, de forma fácil a questão essencial "sub judice", importa agora reter qual foi a decisão do Tribunal da Relação, "a quo", 3. E a resposta será identicamente fácil, após todo o manancial de argumentação, douto que seja, aduzido: O Tribunal de segunda instancia em juízo final sobre a questão de facto optou, perante aquelas duas únicas versões distintas do modo como terão ocorrido os factos - pela versão próxima dos factos descritos na pronúncia, E aqui nos encontramos no presente recurso, 4. Preocupado em não ser enfadonho com a chamada a esta motivação do que todos bem conhecemos o que deve ser entendido neste princípio, bastará aqui afirmar a concordância com a pesquisa, histórica e hermenêutica trazida pelo Acórdão recorrido de fls. 23,2o coluna até fls. 26, um bocadinho antes do "in fine", uma vez que se trata de jurisprudência adquirida e assente por todos nós (juristas).

  2. Assim sendo, no entanto, importa apenas afirmar que este princípio de livre convicção do julgador assenta profundamente e decorre de outro princípio - o da imediação.

  3. "Somos ainda, forçados a salientar que, de forma absolutamente legítima o mecanismo da impugnação de prova previsto no art.° 412.° n 3 e 4 do C.P.P. se destina tão só a corrigir aquilo que se constata serem erros manifestos de Julgamento e que resultam ostensivos da leitura do registo de prova, mas nunca a fazer tábua rasa das vantagens da imediação e do princípio da livre convicção de quem tem a difícil missão de julgar" — Acórdão do T.R.L. n° 102/17.4PEOR.L2-5-de 11/09/2018-Dr, Simões de Carvalho a fls. 32.

    E também do Acórdão do T.R.L. de 2/10/2018 no Proc. 36/14.4JBLSB.L1-5, do Dr. José Adriano, a fls. 16 retira-se o seguinte: "Sendo que a convicção do Tribunal é formada através dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas produzidas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, imparcialidade, ansiedade, embaraço, desamparo, serenidade, olhares para alguns presentes, linguagem silenciosa do comportamento, coerência de raciocínio e de atitude, serenidade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que porventura, transpareçam em audiências, de tais declarações e depoimentos ".

  4. Com efeito, é ponto assente que a comunicação não se estabelece apenas por palavras, mas também pelo tom de voz e postura corporal dos intervenientes e que estas devem ser apreciadas no contexto da mensagem em que se integrou.

    "Trata-se de um acervo de informação não verbal e dificilmente documentável face aos meios disponíveis, mas imprescindível e incindível para a valoração da prova produzida e apreciada, segundo as regras da experiência comum", 8. Longe de estar a explicar aos Colendos Conselheiros, a natureza e alcance deste princípio, a sua chamada à colação no caso vertente prende-se apenas no realce da discrepância de meios ao alcance dos dois conjuntos de julgadores na primeira e na segunda instância.

  5. Todos são julgadores com muita (senão igual) experiência no difícil acto de julgar.

  6. Um "conjunto" escolheu uma versão da verdade histórica do caso com o cumprimento total do princípio da imediação.

    Outro "conjunto" escolheu a versão oposta com base apenas na apreensão meramente acústica da prova produzida.

  7. Aqui chegados importa notar que o M° P° na sua motivação de recurso que interpôs e obteve provimento não invoca sequer qualquer vício do Acórdão de primeira instância com base nos requisitos das três alíneas do art.º 410.º n.º 2 do C.P,P.

  8. Tanto bastaria para, com base na jurisprudência constante na jurisprudência dos Tribunais das Relações neste país, ter-se concluído pelo não provimento do recurso do M° P° - (aliás, no seguimento da quase totalidade dos recursos interpostos pela Defesa com o mesmo fundamento).

    Acresce que, "in casu " mesmo sem tal invocação pelo M° P° o douto Tribunal da Relação, ora recorrido, desenvolveu argumentos no sentido de que se não vislumbrava terem ocorrido quaisquer vícios circunscritos às três alíneas do art.° 410.° n.º 2 do C.P.P.

  9. Todavia, o Tribunal da Relação, "a quo” supera esta questão afirmando: "Contudo, antagonicamente à tese limitativa dos poderes do Tribunal da Relação, consideramos que salvo o devido respeito por opinião em contrário o Tribunal da Relação em matéria de direito adjectivo penal tem o poder-dever de formar uma convicção própria sobre os factos, em crise pelo recorrente " (fim de citação fls. 27, 2ª coluna, in médio) 14. Esta orientação legal adjectiva resulta bem nova na nossa prática jurisprudencial.

    Aliás, por essa orientação têm pugnado centenas, se não milhares de recursos interpostos pela Defesa em todos os nossos Tribunais, de Norte a Sul.

    O que acontece é que, nas raríssimas excepções em que esta orientação legal tem ocorrido, esses casos ou processos são aqueles em que o M° P° recorre (e nunca o contrário), 15. Não se rejeitará, pois, neste recurso a orientação legal de que o Tribunal da Relação poderá apreciar a globalidade da prova produzida e avaliá-la também segundo o princípio da livre convicção.

  10. Atente-se, no entanto, que o próprio legislador, quando escreve o n.º 4 e 6 do art.º 412.º do C.P.P. (em que se fundamenta o entendimento doo Tribunal da Relação "a quo"), ao mesmo tempo impõe que, quando se impugne pontos de facto incorrectamente julgados -alínea d) do n.º 3 do artigo citado se especifiquem as provas que devem ser renovadas.

    Ora, "in casu", o recorrente M° P° não solicitou a renovação da prova, 17. No entanto, apesar de reconhecer que a Renovação da Prova, ínsita na alínea c) do n.º 3 do art.º 412.º, não pode ser determinada oficiosamente e que também não se pode ordenar oficiosamente a realização de audiência, a que se refere o art.º 411.º n.º 6 do C.P.P., a que acresce que não se vislumbre qualquer dos vícios do Acórdão de primeira instância (art.º 410.º n.º 2 do CP.P.) conjugado princípio.

    - Acaba por fazer tábua rasa do princípio da imediação (com todas e mais uma vantagens para o esclarecimento da verdade material) e do princípio da livre convicção decorrente do princípio anterior.

    - E arrogar-se, com tais limitações o douto Tribunal da Relação "a quo"e achar-se em condições de reverter “in totum”as conclusões de facto atingidas pelo Tribunal de primeira instância.

  11. Determina o nosso legislador que nos recursos perante as Relações são conhecidos os factos e o direito (art.º 428.º do C.P-P-) e que nos recursos perante o Supremo Tribunal de Justiça se vise exclusivamente o reexame da matéria de direito (art.º 434.º do CP.P.)).

  12. Ora no caso vertente, em que a matéria de facto declarada provada pelo Tribunal de primeira instância foi totalmente revertida pelo Tribunal da Relação, restará à Defesa, ao recorrente, invocar o vício de violação do princípio da imediação.

  13. Na verdade, sem a realização de nova audiência de julgamento em que se tenha operado qualquer renovação da prova, o douto Tribunal da Relação usa o seu poder de livre convicção apenas com recurso à parte acústica (gravações de audiência) de duas testemunhas (CC e de DD), desvalorizando toda a restante prova testemunhal.

  14. Nomeadamente desvaloriza as declarações do arguido AA, e das testemunhas seguintes: - EE, o qual afirmou: "Vi o AA já agarrado pelo primo do FF (03:17.03:33); o FF desferiu no AA uma pancada com uma pedra (04:10) porque vi; era uma pedra da calçada no pescoço, isto tudo foi muito rápido; primeiro foi a pedra depois foi a faca, isto tudo foi uma questão de segundos (05:38.05:39); vi o FF a correr, depois ele caiu mais à frente (06:00); eu não vi a faca (07:21); vi que ele lhe deu um soco ou qualquer (sic) mas vi realmente o FF com a pedra; mas depois de lhe dar um soco, vi a faca no corpo do FF”, 22. BB que afirmou: "O AA passou por mim calmamente e é aí que o vejo o mesmo uma faca na mão (04:36); vi apenas três pessoas embrulhadas, vi apenas três pessoas embrulhadas, embrulhados no...

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