Acórdão nº 1986/10.2TXCBR-M.P1-C.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Julho de 2019

Magistrado ResponsávelPIRES DA GRAÇA
Data da Resolução04 de Julho de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça No processo n.º 204/07.5IDBRG.G1-A.S1 da 4ª Secção do Tribunal da Relação do Porto, AA, recluso, em cumprimento de pena no Estabelecimento Prisional de Paços de Ferreira, notificado a 19-07-2018 do Acórdão datado de 11 de Julho de 2018, no qual lhe foi negado provimento e, consequentemente, mantido o despacho recorrido, veio interpor RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE FIXACÃO DE JURISPRUDÊNCIA, ao abrigo do disposto no art. 437.º do Código de Processo Penal (CPP) ex vi dos arts. 240.º, n.ºs 1 a 3, 241.º, alínea b), e 246.º do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade (C.E.P.M.P.L), aprovado pela Lei n.º 115/2009 de 12 de Outubro, nos termos e com os seguintes fundamentos: “1. Questão prévia 1.1.Do prazo de interposição de recurso Nos termos do disposto no art. 438.º,n.º 1 do Código de Processo Penal, o recurso extraordinário para fixação de recurso, é interposto no prazo de 30 dias, a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar.

Como resulta dos presentes autos, no 1.° Juízo do Tribunal de Execução de Penas do Porto, foi decidido que o remanescente da pena de prisão a cumprir pelo recorrente, após uma revogação da liberdade condicional, deve ser cumprida por inteiro, não beneficiando da aplicação da liberdade condicional ope legis, ou seja, após o cumprimento efectivo de 5/6 da pena.

Desta decisão o arguido AA recorreu para o Tribunal da Relação do Porto, o qual, por decisão de 11.07.2018, negou provimento ao recurso e manteve a decisão recorrida.

Não obstante o supra referido acórdão não ser passível de recurso o Ilustre defensor oficioso do condenado, Dr. ..., interpôs recurso Ordinário para o Supremo Tribunal de Justiça. Por sua vez, o Tribunal da Relação do Porto, inesperadamente, admite o recurso.

Entretanto e desconhecendo o condenado que o seu defensor oficioso havia interposto um recurso ordinário, constituiu nova mandatária que veio, em 16.08.2018, interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, convencida de que o acórdão proferido a 11.07.2018 se encontrava transitado em julgado. Porém, em face da admissão do recurso ordinário, o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de 11.07.2018 não havia transitado em julgado, por esse facto o recurso de Fixação de jurisprudência foi recusado.

Considerando que o Supremo Tribunal de Justiça, por decisão sumária de 29.11.2018, notificada ao recorrente a 04.12.2018, rejeitou o recurso ordinário, o acórdão do qual se interpõe agora recurso extraordinário transitou a 18 de dezembro de 2018, pelo que o presente recurso é, agora, apresentado tempestivamente.

Assim, o presente recurso está em tempo, o arguido é parte legítima e identifica/acompanha uma cópia do acórdão (não certificada) do mesmo Tribunal da Relação do Porto, que se encontra em clara oposição com o último proferido nos presentes autos.

Nos termos do disposto no art. 437.º do Código de Processo Penal o presente recurso pode ser interposto pelo arguido e é obrigatório para o Ministério Público.

Os acórdãos em oposição, foram proferidos no domínio da mesma legislação, versam sobre matéria de direito, com base na mesma factualidade e apresentam soluções opostas.

  1. O tema em decisão O tema em análise, cuja resolução do conflito se requer, versa sobre a execução das penas e medidas privativas da liberdade.

    O acórdão invocado pela defesa na sua fundamentação do recurso, que não obteve provimento, é muito recente e foi proferido pelo mesmo Tribunal da Relação, em 26 de Abril de 2017.

    Por sua vez, o último acórdão proferido, do qual se interpõe recurso, tem uma extensa declaração de voto vencido, cujos fundamentos apresentados vão de encontro à pretensão da defesa, compaginando a solução que consideramos ser a que melhor se adequa à letra e ao espírito da Lei.

    Nesta declaração de voto, é feita alusão ao facto de, muito recentemente, no mesmo Tribunal da Relação, a temática ter sido abordada e decidida em sentido oposto. Ac. da Relação do Porto, proferido no âmbito do processo n.º 441/l3.3.TXPRTwL.Pl, datado de 26 de Abril de 2017 e publicado em www.dgsi.pt.

    O presente recurso de uniformização de jurisprudência visa a Unidade do Direito e afigura-se-nos de imperiosa necessidade, face à imensa dispersão de respostas judiciais quanto à mesma questão judicial, conduzindo a um tratamento muito diferenciado de reclusos colocados rigorosamente na mesma situação, mantendo reclusos detidos por mais tempo do que aquilo que o legislador previu quando desenhou instituto da Liberdade Condicional.

    A actual dispersão de decisões e de pareceres do Ministério Público põe em causa o princípio orientador da interpretação e aplicação uniformes do direito, estabelecido n.º 3 do art. 8.º do Código Civil, princípio que ganha ainda maior relevo quando se decide pela liberdade de um cidadão.

    A questão que carece de ser apreciada e uniformizada é complexa e as soluções interpretativas que a lei nos dá não são, de facto, inequívocas. Também nós consideramos que a doutrina que conhecemos não resolve esta questão satisfatoriamente. Por sua vez, muitos acórdãos enveredam por responder à matéria recorrendo, com o devido respeito, à solução mais fácil, que não é, seguramente, a mais adequada e muito menos a que respeita o regime legal da Liberdade Condicional.

    Apresentar como resposta à questão, sobre possibilidade de concessão de nova liberdade condicional cumpridos cinco sextos de uma pena, quando há outra pena autónoma para executar, com a afirmação de que a solução é alcançável por simples interpretação declarativa do art. 63.º do Código Penal, é redutora e fica muito aquém da solução adequada que nos fornece o nosso ordenamento jurídico, Com efeito, resulta do art.º 9.º do Código Civil que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (n.º 1), não podendo, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (n.º 2); na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (n.º 3).

    Consideramos que no acórdão de 26 de Abril de 2017, proferido no processo 441/13.3TXPRT, foi feito um trabalho de grande rigor, designadamente, por estar em causa, como o próprio refere "uma área extremamente sensível em que se jogam direitos fundamentais e princípios estruturantes do processo penal, é valente a insegurança jurídica e a incerteza na aplicação do direito, com reclusos que cumprem integralmente as penas e outros que, exactamente na mesma situação, são libertados aos cinco sextos.

    Defendemos, firmemente, que a posição que perfilhamos, conjuntamente com a jurisprudência mais recente e com Pareceres do Ministério Público, é aquela que mais se adequa, não só ao pensamento legislativo, mas à própria letra da Lei. A análise à "letra da lei" deve ser vista à luz da unidade do sistema, composto por artigos que se complementam e integram o instituto da Liberdade Condicional e no regime legal que foi conferido.

  2. Os pontos divergentes.

    Os pontos divergentes onde se alicerçará a defesa deste recurso extraordinário, prende-se com a seguinte matéria: 1ª Questão: Revogada uma liberdade condicional a um recluso, que cumpria uma pena originária superior a 6 anos de prisão, regressando o recluso [ao] Estabelecimento Prisional para cumprimento do remanescente da pena, após o trânsito em julgado da decisão que determinou a revogação, a liquidação da pena deve efectuar-se pelo quantum em falta repuxar-se todo o tempo cumprido anteriormente e descontar-se o que havia cumprido? Ou, de outra forma, efectuar-se uma liquidação de pena contabilizando apenas o tempo que faltava cumprir, como se de uma nova pena se tratasse? 2ª Questão: Na presença de uma pena originária superior a 6 anos de prisão, na qual o recluso beneficiou da Liberdade condicional LC dita facultativa (meio, dois terços ou renovação de instância), depois de ter regressado ao Estabelecimento Prisional, por força da revogação da LC, tem o recluso direito à concessão ope legis da liberdade condicional - artigo 64.º n.º 3 do Código Penal por via do artigo 61° do mesmo diploma? Entendemos que o recluso deve cumprir a pena originária, até perfazer os cinco sextos, como determina a Lei, porém o presente acórdão negou esse direito ao arguido.

    Por sua vez, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no âmbito do processo 441/13.3TXPRT-L.Pl, de 26 de Abril de 2017 disponível em www.dgsi.pt, acolhe a interpretação e solução que defesa reclama para o arguido, visível pelo seguinte atalho: htto: //www. dgs i.lJt~itrp. riS {;/5 6a6e 7121657(9/ eSQ] 5 7cdaOQ 38//d/! hOeOb09cfbd.:/.0ge 780258} 2900460906 .'lO nen Document.

    Sobre a mesma questão jurídica, o acórdão recorrido dá uma resposta totalmente diferente da que foi apresentada pelo acórdão invocado pela defesa e negou provimento ao recurso.

    A questão de direito: a aplicação do artigo 64.º, n.º 3, do Código Penal por via do artigo 61.º do mesmo diploma.

    Consideramos, com o devido respeito, que o acórdão recorrido comete um equívoco, quando afirma que não se aplica a regra do artigo 63.º do Código Penal, quando esta norma diz respeito ao cumprimento de penas sucessivas.

    As penas sucessivas a que se refere o artigo 63.º do Código Penal são, a título de exemplo, penas de prisão efectivas de arguidos que cumprem penas suspensas, entretanto revogadas, e convertidas em prisão efectiva, bem como nas situações de cumprimento de penas de prisão subsidiárias (assim convertidas por não pagamento de multas) ou as antigas penas de prisão por dias livres que não foram cumpridas.

    A questão que se coloca é a de...

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