Acórdão nº 32/17.0TRLSB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelLOPES DA MOTA
Data da Resolução19 de Junho de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACÓRDÃO Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1.

O Ministério Público no Tribunal da Relação de Lisboa e a arguida AA, procuradora-adjunta, interpõem recurso da decisão instrutória proferida pela juíza desembargadora do Tribunal da Relação de Lisboa, agindo como juiz de instrução, que, encerrada a instrução requerida pela assistente, a advogada BB, pronuncia a arguida pela prática de um crime de difamação p. e p. pelo artigo 180.º, n.º 1, do Código Penal, com a agravação prevista no artigo 184.º, por referência ao artigo 132.º, n.º 2, al. l) do mesmo diploma.

  1. A assistente BB apresentou queixa contra a arguida AA, imputando-lhe a prática de um crime de injúria e de um crime de difamação, p. e p. pelos artigos 181.º, n.ºs 1 e 2, 180.º, 183.º e 184.º do Código Penal, por, no despacho de arquivamento que proferiu no processo de inquérito n.º 1920/15.3PYLSB, da 8.ª Secção do DIAP de Lisboa, ter incluído uma expressão que considera ofensiva da sua honra e consideração, ao dizer que «em direito processual civil existem critérios e prazos formais que têm de ser seguidos e que o assistente» – CC – «e a sua mandatária» – a aqui assistente BB – «descuraram».

    Esta expressão diz respeito à sua intervenção no processo n.º 234/13.8TVLSB, que correu termos na Instância Central da Comarca de Lisboa, na qualidade de mandatária do aí réu CC, que se refere a uma acção de prestação de contas em que era autor o «Condomínio do Prédio da ...», na qual o réu foi condenado no pagamento do montante de 75.528,86€.

    Na sequência dessa acção, por factos aí discutidos, CC, que fora membro da administração do condomínio, apresentou queixa contra seis administradores do mesmo condomínio, que se lhe seguiram, o responsável pelos serviços de gestão do condomínio e a TOC designada para elaborar o relatório de contas, imputando-lhes a prática de factos que entendia constituírem um crime de burla qualificada e um crime de difamação, p. e p. pelos artigos 217.º, 218.º, 180.º e 183.º do Código Penal, a qual deu origem ao referido inquérito n.º 1920/15.3PYLSB, que terminou com o mencionado despacho de arquivamento.

  2. Concluído o inquérito a que se reportam os presentes autos, o Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa proferiu despacho de arquivamento, em que considerou, na síntese da decisão instrutória recorrida, que «em nenhum momento se descortina que a Sra. Procuradora-Adjunta afirme que a queixosa perdeu um prazo», que «como todos os operadores da justiça sabem, perder um prazo é algo que não é querido, um acidente ou, na pior das hipóteses, desconhecimento culposo da existência de um prazo», que «no caso, é facto notório que a queixosa como mandatária de Carlos Piteira não cumpriu com o prazo concedido para a prestação de contas e infere-se que tal aconteceu por decisão de um ou de ambos e não por acidente, nem tal é referido no despacho de arquivamento», concluindo que «a Sra. Procuradora-Adjunta não só não imputou qualquer facto falso à queixosa, como não fez qualquer juízo ofensivo da sua honra e consideração que não estivesse baseado em factos demonstrados nos autos – não cumprimento de ordem judicial dentro do prazo concedido para o efeito – e o interesse na sua demonstração é perfeitamente legítimo, uma vez que serviu e bem para fundamentar despacho de arquivamento em inquérito crime».

  3. Notificada do despacho de arquivamento, a assistente BB veio requerer instrução, nos termos do disposto no artigo 287.º, n.º 1, al. b), do CPP, dizendo que a imputação que a ora arguida AA lhe faz, nesse despacho de arquivamento, «de que terá descurado o cumprimento de um prazo processual no âmbito do Proc. n.º 234/13.8TVLSB que correu termos na 6.ª Vara Cível da Comarca de Lisboa, não corresponde à realidade imanente das peças processuais juntas aos autos e que a mesma é objectivamente apta a ofender a honra e a consideração da visada, sendo esta uma advogada, do que a arguida tinha conhecimento, tendo agido de forma deliberada, livre e consciente» (transcrição extraída da decisão instrutória).

  4. Concluída a instrução, foi proferido o despacho de pronúncia agora recorrido, do seguinte teor: «Em face do exposto, para julgamento em Processo Comum, tendo-se em atenção o foro especial de que beneficia a arguida, pronuncio AA, (….) pela prática dos seguintes factos: 1. No despacho final proferido a 9 de Janeiro de 2017, no âmbito do inquérito que correu termos na 8.ª Secção do DIAP de Lisboa sob o NUIPC 1920/15.3PYLSB, a arguida diz que a advogada BB, mandatária do assistente, CC, descurou um prazo processual no âmbito do processo de prestação de contas n.º 234/13.8TVLSB, que correu termos na Instância Central de Lisboa, 1.ª Secção Cível – JII.

  5. Noutros segmentos na mesma página do mesmo despacho, a arguida repete a imputação de que o assistente naquele inquérito, representado pela queixosa, não praticou o acto dentro do prazo, inculcando no leitor daquele a ideia de que a queixosa foi negligente no cumprimento dos seus deveres profissionais.

  6. A arguida admitiu que tal imputação era susceptível de atingir a queixosa na sua honra e consideração e diminuir aquela aos olhos das pessoas que pudessem tomar conhecimento da decisão, pelo menos os arguidos e seus mandatários, e actuou conformando-se com essa possibilidade.

  7. Os arguidos e seus mandatários tomaram conhecimento da imputação.

  8. A arguida agiu de forma deliberada, livre e consciente, com conhecimento de que a imputação que fazia era susceptível de atingir a queixosa na sua honra e consideração.

    Tais factos integram a prática pela arguida de um crime de difamação p. e p. pelo art. 180.º, n.º 1, do CP, com a agravação prevista no art. 184.º, por referência ao art. 132.º, n.º 2, al. l) do mesmo diploma».

  9. Discordando da pronúncia, a senhora Procuradora-Geral Adjunta no Tribunal da Relação de Lisboa apresentou recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, cuja motivação conclui nos seguintes termos: «1 - Em 11/10/2018, nos autos em epígrafe, foi proferido despacho que pronunciou a Sra. Procuradora Adjunta, BB, pelo crime de difamação agravada, nos termos dos artºs 180º, nº 1, 184º, por referência ao artº 132º, nº 2, al I), do C.P., 2 - A pronúncia baseia-se na interpretação dada ao verbo “descurar”, inserido no texto do despacho de arquivamento, subscrito pela arguida e proferido no inquérito n.º 1920/15.3PYLSB, da 8ª Secção do DIAP de Lisboa, que considerou ser ofensivo da honra e consideração da Assistente.

    3 - Asserção de que se discorda, uma vez que entendemos que a sua inserção na globalidade do texto, não revela a alegada intenção, ainda que eventual, de atentar contra a honra e consideração da Assistente.

    4 - Nenhum texto pode ser interpretado, nomeadamente quando possa existir dúvida ou confusão, sem uma análise sintática e morfológica que permita reconstituir a intenção do seu autor.

    5 - No caso, o termo poderá classificar-se de inadequado, excessivo, hiperbólico mas nunca ofensivo, nem tal se descortina da leitura do despacho de arquivamento.

    6 - O dolo, em qualquer das suas modalidades acha-se ausente, tanto mais que o texto é suficientemente explicativo da asserção pretendida com a inserção do termo “descurar”.

    7 - Entendemos que a arguida não praticou o crime porque foi pronunciada, pelo que foram violados os art.º s 180.º, nº 1, 184.º, por referência ao art.º 132.º, n.º 2, al l), do C.P.» Pelo que defende que o despacho recorrido deve ser revogado e substituído por outro que não pronuncie a arguida.

  10. Recorre também a arguida, apresentando motivação de que extrai as seguintes conclusões: «1. Há suficiência de indícios para pronunciar o arguido sempre quando deles resultar uma possibilidade razoável de condenação em julgamento. Ora, no caso sub judice os indícios recolhidos são manifestamente insuficientes para que se possa concluir pela probabilidade da condenação da Recorrente em julgamento, como em seguida se demonstrará.

  11. Como se salienta no despacho recorrido, citando acórdão deste Supremo Tribunal, a valoração do juízo indiciário não pode deixar de atender a que a sujeição de um arguido a julgamento tem consequências relevantes, pessoais e profissionais, mesmo que dali resulte a absolvição.

  12. Tal valoração é particularmente relevante quando o que está em causa nos autos é o legítimo exercício de uma função jurisdicional, com meios de controlo legalmente previstos, próprios (designadamente recurso); a assim não se atender é a livre convicção do Magistrado e a liberdade, ainda que vinculada à lei, de apreciação das provas, de decisão e de fundamentação do decidido que ficam em causa.

  13. Por outro lado, a postura processual de quem se diz lesada não pode deixar igualmente de ser valorada, pois a motivação de quem participa deve ser apreciada, no que resulte dos factos, aquando de tal juízo indiciário.

  14. Não tendo conseguido ver julgada a seu favor a ação judicial instaurada contra a parte de que a Assistente é cônjuge e mandatária, no essencial por não ter atuado processualmente segundo os critérios e dentro dos prazos legalmente previstos, a parte apresenta queixa crime contra quem foi A. naquela ação; quando há despacho de arquivamento, a mandatária apresenta queixa crime da Magistrada.

  15. Ou seja, volta aqui a apreciar-se o que já antes fora decidido, com trânsito em julgado: a extemporaneidade antes decidida quanto à pretendida prestação de contas pela parte representada pela aqui Assistente, seu cônjuge, repita-se, vê-se agora ser objeto de novo juízo, apreciando-se a tempestividade ou não de atos praticados em processo cível, como adiante melhor será clarificado.

  16. Como se demonstrou já e aqui melhor se demonstrará, houve apenas imputação de factos, que se mostram verdadeiros, para realização de um interesse legítimo.

  17. Considera-se no despacho recorrido, em 1.º lugar, que “(d)izer-se que um advogado descurou o cumprimento de um prazo no decurso de um processo judicial no qual exerce o mandato forense é...

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