Acórdão nº 51/17.6TRPRT.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelMAIA COSTA
Data da Resolução19 de Junho de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório Os presentes autos foram instaurados por queixa de AA contra BB, Juíza ..., imputando-lhe a prática dos crimes de favorecimento pessoal, falsificação de documento, abuso de poder e prevaricação, por atos por ela praticados, enquanto titular da ação cível nº 2506/07.1TBSTS, na qual a queixosa é autora, processada no Juízo Central Cível da ....

O inquérito decorreu nos serviços do Ministério Público junto do Tribunal da Relação do Porto, por força do art. 12º, nº 3, a), do Código de Processo Penal (CPP).

Findo o inquérito, o mesmo foi arquivado por despacho de 21.2.2018 do sr. Procurador‑Geral Adjunto na Relação, com o seguinte teor: Antes de mais cabe esclarecer que os presentes autos foram instaurados para averiguar eventual responsabilidade criminal da Dr.ª BB, juiz titular do processo, nomeadamente, se na condução do processo cometeu alguma infracção criminal.

A denunciante, a propósito das tentativas da notificação da testemunha CC, refere que a Dr.ª BB evita que tal testemunha deponha “em conluio com os restantes denunciados”.

Assim, refere que na sequência da determinação da sua notificação pessoal – para comparecer em audiência de julgamento designada para o dia 21.06.2016 – o funcionário judicial encarregue da notificação da testemunha CC “falsificou” a certidão negativa ao exarar que não a levou a efeito, “em virtude de no local e morada indicados ninguém me atender e junto de vizinhos ali moradores não consegui informação que me garantisse que o requerido ali reside efectivamente, pelo que nada mais fiz”.

Perante o teor do certificado por tal funcionário a aqui denunciante, autora na acção supra-referida, por requerimento dirigido a tal processo cível foi ali dizer, sob a anotação com a letra “A”, que o funcionário contactou o filho da testemunha a notificar, tendo com ele combinado “lavrar a certidão negativa”, “deixar cópia da notificação”, “instruir o filho da testemunha para apresentar atestado médico para justificar a falta” e, sob a letra “B”, que “a testemunha referiu que o funcionário se encontrava acompanhado de pessoa das relações do Réu e que não podia deslocar-se ao Tribunal nesse dia… não obstante conduzir diariamente o seu veículo de marca AUDI”, requerendo a comparência da testemunha sob detenção, ao abrigo do n° 4 do art. 508° do CPC e se instaurasse processo-crime por falsificação da certidão; no final de tal requerimento juntou “1 documento fornecido pela testemunha CC no dia 03.06.2016 à filha da requerente”.

Trata-se de um papel manuscrito como os seguintes dizeres: “DD Fotografias que CC tinha em seu poder”, juntando fotocópias do mandado de notificação.

No seguimento de tal requerimento a Juiz titular do processo, aqui denunciada, em 16.06.2016, exarou o seguinte despacho: “Não consegue o tribunal perceber o teor do requerimento que antecede. Assim, e antes de mais – sem prejuízo do decurso do prazo do contraditório por parte da ré e intervenientes – deverá a autora esclarecer e identificar nos autos: - no que concerne ao ponto “A” do seu requerimento, quem é “o filho da testemunha” (que terá sido contactado pelo Sr. Funcionário do Tribunal); - no que concerne ao Ponto “B”, quem é “a testemunha” que referiu que o aludido funcionário estaria acompanhado de pessoas das relações do réu. Notifique” Na denúncia refere-se, a propósito de tal despacho, que “a denunciada BB, no favorecimento dos demais denunciados, ao invés de ordenar a detenção da testemunha para depor, «acolitou-se» na tese do Réu EE, perante a evidência de que a CC fora entregue a notificação, pelo que a certidão negativa era falsa”.

E acrescenta que, “para o julgamento designado para o dia 17.01.2017, para que a testemunha não comparecesse, ao invés da notificação pessoal, voltou-se a notificar a mesma testemunha por carta”.

Finaliza a sua denúncia, referindo que “não se trata de sucessivos erros, mas de conluio óbvio e execução conjunta dos vários denunciados no favorecimento do réu EE que, como referiu supra, se opôs à notificação pessoal da testemunha, testemunha que, na tese da denunciante, acordou com o réu a usurpação do terreno (objecto destes autos) e, agora, na ocultação dessa concertação” Finaliza, desejando procedimento criminal por “favorecimento pessoal”, “falsificação de documento”, “abuso de poder e prevaricação”.

Os presentes autos iniciaram-se a partir de uma certidão extraída do inquérito que se iniciou com a denúncia acabada de referir no DIAP da ... com vista a apurar-se a eventual responsabilidade criminal da Dr. BB, Juiz que tramitou o dito processo cível, ao menos naquela parte em qua a denunciante a “acusa” de grave conduta na condução do processo, em que estaria conluiada com os demais denunciados.

Assim, como acima referido e sublinhado no despacho proferido no DIAP da ... que ordena a remessa da certidão a esta Procuradoria-Geral Distrital, no presente inquérito só se conhece da eventual responsabilidade criminal da Dr.ª BB, uma vez que nada justifica que a mesma se estenda aos restantes denunciados, cujo conhecimento cabe no âmbito do processo pendente na 1ª instância.

(…) Resulta dos autos que a denunciante atribui à Drª BB, na condução do dito processo cível, comportamentos que se reconduziriam a uma posição de parcialidade a favor do Réu, estando com ele "conluiado", porquanto, quando lhe foi dado conhecimento que o funcionário "falsificou a notificação" da testemunha, em vez de a mandar deter, como lhe foi pedido, perante a evidência de que a testemunha fora notificada, veio pedir esclarecimentos sobre o teor do requerimento que fizera e para indicar meios de prova.

Como se vê do requerimento em que a ali autora pede a comparência da testemunha sob detenção, invocando o disposto no art. 508º, n.º 4 do CPC, não resulta comprovado perante o teor do requerimento e dos documentos que o acompanhavam, só por si, que a notificação tivera lugar e que efectivamente o funcionário fizera constar uma falsa declaração no que respeita ao que consta da certidão negativa.

Face ao teor de tal requerimento, bem se compreende que a Mma. Juiz tivesse exarado despacho em quem que se pedia a identificação da "filha da testemunha" e "a testemunha" referidas nos pontos A e B daquele requerimento.

Aliás, perante o teor de tal requerimento, nós próprios só compreendemos totalmente o que se terá nele querido relatar, através do depoimento que a filha denunciante, DD, prestou nos presentes autos.

Ou seja, não podia a Mma. Juiz, sob pena de violação do disposto no invocado art. 508º, n.º 4 do CPC, ordenar a detenção da testemunha para comparecer no julgamento, que então se encontrava designado para o dia 21 de Junho, só com base no relato de uma das partes na acção — as autoras — sem ter a certeza do que se passara efectivamente.

É que como decorre do citado preceito legal, "o juiz ordena que a testemunha que sem justificação tenha faltado compareça sob custódia, sem prejuízo da multa aplicável, que é logo fixada em ata".

No caso, a Mma Juiz não podia dar como certo o relatado no requerimento, dando como incontestável a notificação da testemunha; por isso não podia/devia emitir mandados de comparência sob custódia, com vista a assegurar a sua presença no julgamento do dia 21 de Junho, como resulta claro da redacção do dito preceito legal.

Assim, é para nós evidente que de tal atitude da Mma Juiz não resulta qualquer favorecimento ao Réu e muito menos que com ele estivesse conluiado como, de forma extremamente gravosa, se imputa à Dr.ª BB.

A denunciante manifesta o desejo de procedimento criminal por "favorecimento pessoal", "falsificação de documento", "abuso de poder e prevaricação" (sic). Fá-lo englobando todos os denunciados.

Como já sublinhado, neste inquérito apenas cabe conhecer de eventual responsabilidade criminal da Dr.ª BB.

Como é evidente, a Dr.ª BB não praticou qualquer ilícito criminal.

Desde logo, porque, objectivamente, não praticou qualquer acto no processo contra direito ou sequer omitiu acto que se impusesse em face do legalmente determinado, mormente do Código de Processo Civil.

Pelo contrário, fá-lo-ia se, perante o requerimento da autora [aqui denunciante], fizesse comparecer a testemunha sob custódia, sem certificar que efectivamente tivera lugar a notificação.

Tanto basta para concluir que não praticou o crime de denegação de justiça e prevaricação pp. pelo art. 369° do C. Penal.

Muito menos que tenha praticado o crime de abuso de poder pp. pelo art. 382º do C. Penal porque, como vimos, usou dos poderes funcionais que lhe são facultados pelo processo, do modo que se impunha.

E também da sua actuação processual não resulta qualquer acto que, de forma concreta, resultasse qualquer tratamento de favor com vista a evitar que quem quer que seja fosse perseguido criminalmente, designadamente, o funcionário judicial encarregue da notificação.

Assim, também não descortinamos que se esteja perante o crime de favorecimento pessoal praticado por funcionário pp. pelo art. 368º do C. Penal.

Como é evidente, não se mostra que a Dr.ª BB tenha, sob qualquer forma de autoria, incorrido na prática do crime de falsificação [que julgamos, aliás, que a denunciante quererá somente imputar ao funcionário judicial], Assim, não estando presentes os pressupostos objectivos de qualquer dos ilícitos em causa nos autos, não resulta outra solução que não seja arquivar os autos.

Por isso mesmo, também não se enveredou pela constituição e interrogatório como arguida da Dr.ª BB.

Pelo exposto, por não se verificar a prática de qualquer crime por parte da denunciada, Dr.ª BB, determina-se o arquivamento do inquérito, ao abrigo do disposto no art. 277º, n.º l do CPP.

Inconformada com o despacho de arquivamento do inquérito, AA, ora assistente, apresentou o seguinte requerimento para abertura da instrução, ao abrigo do art. 287º do CPP: I. Por discordância absoluta com o despacho de arquivamento A. A Requerente mantém integralmente o teor da queixa e seus...

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