Acórdão nº 319/14.3 GCVRL.G1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelMÁRIO BELO MORGADO
Data da Resolução19 de Junho de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 3ª secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça: I.

  1. Em Processo Comum Coletivo do Juízo Central Criminal de ... (Juiz 3), foram (entre outros arguidos) condenados:

    1. O arguido AA, pela prática, em coautoria: de um crime de lenocínio, previsto pelo artigo 169º, nº 1, do Código Penal (todas as disposições legais citadas sem menção em contrário referem-se ao Código Penal), na pena de prisão de 2 anos e 6 meses; de um crime de auxílio à imigração ilegal, previsto pelo artigo 183º, nº 2 da Lei nº 23/2007, de 4 de Julho, na pena de prisão de 2 anos e 4 meses; de um crime de corrupção ativa, previsto pelo artigo 374º, nº 1, na pena de prisão de 2 anos. O mesmo arguido, pela autoria de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, nº 1, al. c), da Lei nº 5/2006, de 23/02, na pena de multa de 200 dias, à taxa diária de € 10,00, num total de € 2.000,00. Em cúmulo jurídico, foi este arguido condenado na pena única de 5 anos e 2 meses de prisão, bem como na referida multa.

      b) O arguido BB pela prática em coautoria: de um crime de lenocínio, previsto pelo artigo 169º, nº 1, na pena de prisão de 2 anos e 6 meses; de um crime de auxílio à imigração ilegal, previsto pelo artigo 183º, nº 2, da Lei nº 23/2007, de 4 de julho, na pena de prisão de 2 anos e 4 meses; de um crime de corrupção ativa, p. e p. pelo artigo 374º, nº 1, na pena de prisão de 2 anos. Em cúmulo jurídico, foi este arguido condenado na pena única de 5 anos e 2 meses de prisão.

    2. O arguido CC, pela prática: sob a forma de cumplicidade, de um crime de lenocínio, previsto pelo artigo 169º, nº 1, na pena de prisão de 1 ano; sob a forma de cumplicidade, de um crime de auxílio à emigração ilegal, p. e p. pelo nº 2 do artigo 183º da Lei 23/2007, de 4 de Julho, na pena de prisão de 10 meses; em autoria material, de um crime de corrupção passiva, p. e p. pelo artigo 373º, nº 1, na pena de prisão de 3 anos; em autoria material, de um crime de violação de segredo de justiça, p. e p. pelo artigo 371º, nº 1, na pena de multa de 180 dias, à taxa diária de € 7,00, num total de € 1.260,00; em autoria material, de um crime de recebimento indevido de vantagem [por ter solicitado ao arguido EE a entrega de €100,00 por este efetuada ao arguido DD], p. e p. pelo artigo 372º, nº 2, na pena de multa de 200 dias, à taxa diária de € 7,00, num total de € 1.400,00. Em cúmulo jurídico, foi este arguido condenado na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos e 6 meses, e de multa de 300 dias, à taxa diária de € 7,00, num total de €2.100,00. Mais foi este arguido condenado na pena acessória de proibição de exercer as suas funções na GNR pelo período de 3 anos.

  2. Interpuseram recurso o Ministério Público, pugnando pelo agravamento das penas aplicadas aos arguidos, bem como o arguido CC (invocando: falta de exame crítico das provas; insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; erro notório na apreciação da prova; e a proibição de valoração das declarações de um coarguido, por alegada violação do art. 345º, nº 4, do CPP).

  3. Julgando totalmente improcedente o recurso interposto pelo arguido e concedendo parcial provimento ao recurso do Ministério Público, o Tribunal da Relação de Guimarães (TRG) decidiu:

    1. Condenar o arguido AA, pela prática, em coautoria: de um crime de lenocínio, previsto pelo artigo 169º, nº 1, do Código Penal (todas as disposições legais citadas sem menção em contrário referem-se ao Código Penal), na pena de prisão de 3 anos; de um crime de auxílio à imigração ilegal, previsto pelo artigo 183º, nº 2 da Lei nº 23/2007, de 4 de Julho, na pena de prisão de 2 anos e 6 meses; de um crime de corrupção ativa, previsto pelo artigo 374º, nº 1, na pena de prisão de 2 anos e 9 meses. Condenar ainda o mesmo arguido, pela autoria de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, nº 1, al. c), da Lei nº 5/2006, de 23/02, na pena de 9 meses de prisão. Em cúmulo jurídico, foi este arguido condenado na pena única de 6 anos de prisão.

    2. Condenar o arguido BB pela prática em coautoria: de um crime de lenocínio, previsto pelo artigo 169º, nº 1, na pena de prisão de 3 anos; de um crime de auxílio à imigração ilegal, previsto pelo artigo 183º, nº 2, da Lei nº 23/2007, de 4 de julho, na pena de prisão de 2 anos e 6 meses; de um crime de corrupção ativa, p. e p. pelo artigo 374º, nº 1, na pena de prisão de 2 anos e 9 meses. Em cúmulo jurídico, foi este arguido condenado na pena única de 5 anos e 9 meses de prisão.

    3. Condenar o arguido CC, pela prática: sob a forma de cumplicidade, de um crime de lenocínio, previsto pelo artigo 169º, nº 1, na pena de prisão de 1 ano e 10 meses de prisão; sob a forma de cumplicidade, de um crime de auxílio à emigração ilegal, p. e p. pelo nº 2 do artigo 183º da Lei 23/2007, de 4 de Julho, na pena de prisão de 1 ano e 6 meses; em autoria material, de um crime de corrupção passiva, p. e p. pelo artigo 373º, nº 1, na pena de prisão de 3 anos e 9 meses; em autoria material, de um crime de violação de segredo de justiça, p. e p. pelo artigo 371º, nº 1, na pena de prisão de 6 meses; em autoria material, de um crime de recebimento indevido de vantagem, p. e p. pelo artigo 372º, nº 2, na pena de prisão de 7 meses. Em cúmulo jurídico, foi este arguido condenado na pena única de 5 anos e 3 meses de prisão.

    4. Manter, no mais, o acórdão recorrido.

  4. Inconformados, os arguidos AA, BB e CC recorreram para este Supremo Tribunal, concluindo cada um deles, em síntese, nas respetivas motivações (subscritas pela mesma Ilustre mandatária e essencialmente idênticas): - O tribunal a quo incorreu em erro notório na apreciação da prova - art.º 410º, n.º 2, c), do CPP. Se o tribunal valorar a prova contra todos os ensinamentos da experiência comum, contra critérios legalmente fixados ou apesar de proibições legais, incorre em erro na apreciação da prova. Ao valorar prova contra proibição legal da sua valoração e ao alicerçar nela, no essencial, a sua convicção sobre a verdade dos fatos, tudo como inequivocamente resulta do texto da decisão recorrida, o tribunal a quo incorreu em erro notório na apreciação da prova. Dão-se como provados fatos que, face ás regras da experiência comum e á lógica de um homem médio, não se poderiam ter verificado. Foi violado o principio in dubio pro reo (o qual pode e deve ser tratado como um erro notório na apreciação da prova), uma vez que, em caso de dúvida, o coletivo optou por condenar os arguidos.

    - Quanto às intersecções telefónicas, a Defesa só teve acesso e ouviu o CD em causa, aquando do decurso do prazo para responder ao Recurso do Ministério Publico, tendo, logo nessa resposta, invocado a nulidade, uma vez que chegou à conclusão que a transcrição não está fiel ao que foi realmente dito.

    - “A Defesa não conseguiu aceder a qualquer outra gravação, por dificuldades logísticas, mas também porque a única gravação específica que pediu e lhe foi entregue, não se consegue sequer abrir, ficando prejudicada neste sentido a análise que se pretendia fazer.” - Foram deste modo desrespeitadas as formalidades consagradas no art. 188.º, do CPP, preceituando o art. 190.º do mesmo diploma que “Os requisitos e condições referidos nos artigos 187.º, 188.º e 189.º são estabelecidos sob pena de nulidade”.

    - Constatando-se que o art. 190.º, do CPP trata de forma não diferenciada a inobservância de requisitos e condições de admissibilidade e o mero incumprimento de certas formalidades de procedimento da interceção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas, a delicadeza da matéria em causa – onde estão em jogo valores preponderantes e perduráveis do Estado de Direito – impõe se conclua (relativamente à inobservância das regras contidas no art. 188.º do CPP) pela consagração de nulidade que impede toda e qualquer utilização do material probatório assim obtido, cujo regime não é in totum sobreponível às nulidades insanáveis, mas que dele muito se aproxima. Estamos perante invalidade que impede a utilização em juízo, por forma a permitir a formação da convicção dos Juízes do julgamento, da transcrição.

    - Andou mal o Tribunal da Relação ao optar pela pena de prisão em detrimento da pena de multa, no que toca aos crimes onde é prevista a alternativa.

    - Sendo os arguidos primários e estando perfeitamente integrados na sociedade, estão realizadas as exigências do art.º 40º CP, com a opção pela pena de multa em detrimento da pena de prisão.

    - As demais penas de prisão aplicadas são excessivas.

    - Impõe-se a condenação dos arguidos numa pena única de prisão suspensa na sua execução.

  5. Na Relação, o Exmº Magistrado do Ministério respondeu, pugnando pelo improvimento dos recursos.

  6. O Exmº Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal emitiu parecer a sustentar a total improcedência dos recursos.

  7. Preparado o processo para julgamento, cumpre conhecer, em conferência, preliminar e oficiosamente, das seguintes questões prévias: (a) – Admissibilidade geral do recurso do arguido CC, v.g.

    no tocante à opção da Relação pela pena de prisão efetiva (em detrimento da pena de multa aplicada na 1ª instância quanto a dois crimes), bem como, por identidade de razão, do recurso do arguido AA, relativamente ao mesmo ponto.

    (b) – Rejeição dos recursos dos arguidos AA e BB, relativamente à matéria relacionada com os singulares crimes em concurso, embora conhecendo, oficiosamente, das questões concernentes à medida e modalidade de execução das penas parcelares de prisão.

    (c) - Rejeição do recurso do arguido CC, na parte relativa ao invocado erro notório na apreciação da prova, por inadmissibilidade do mesmo.

    (d) - Rejeição do recurso do arguido CC, na parte relativa à alegada nulidade das intersecções telefónicas, igualmente por ser inadmissível.

    Inexistindo quaisquer outras de que cumpra conhecer oficiosamente, em face das conclusões das motivações dos recorrentes, que em primeira linha delimitam o objeto do recurso e os poderes de cognição do tribunal...

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