Acórdão nº 2430/11.3TBBCLG1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelANA PAULA BOULAROT
Data da Resolução27 de Junho de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I A veio requerer o inventário para partilha dos bens da herança deixada por óbito do seu irmão J.

Alega, em síntese, que o seu irmão faleceu, no estado de divorciado, em 18.12.2009, na freguesia e concelho de …, tendo deixado como únicos herdeiros os seus irmãos, sendo alguns pré falecidos. Mais refere que é o irmão mais velho do inventariado.

Foi nomeado cabeça de casal o referido A.

O inventariado deixou os seguintes herdeiros, seus irmãos: - A casado no regime da comunhão de adquiridos com E.

- M, falecido em 1990, casado no regime da comunhão geral de bens com M D e que deixou as filhas, M C, casada no regime da comunhão de adquiridos com J; e L casada no regime da comunhão de adquiridos com P.

- A R casado no regime da comunhão de adquiridos com M R.

- M S, viúva de J S, falecido em 22.12.2002, casados que foram no regime da comunhão de adquiridos, e que deixou os filhos: R M casado no regime da comunhão de adquiridos com C P; e M R casado no regime da comunhão adquiridos com M F.

- J R casado no regime da comunhão de adquiridos com E.

- M R casada no regime da comunhão geral de bens com J G.

- F B casado no regime da comunhão de adquiridos com M P.

- F C casado no regime da comunhão de adquiridos com M C F.

- M S casada no regime da comunhão de adquiridos com C A.

- M F R casada no regime da comunhão de adquiridos com A N.

- M C R casada no regime da comunhão de adquiridos com F F.

- O casado no regime da comunhão de adquiridos com A M.

- C A casado no regime da comunhão de adquiridos com L G.

- M L casado no regime da comunhão de adquiridos com T F.

Os interessados foram citados e C A veio deduzir oposição ao inventário.

C A alega, em síntese, que não há fundamento para o processo de inventário, pois não existem bens a partilhar. Assenta tal entendimento, no facto de o inventariado ter outorgado testamento em 25.03.1987, na Austrália, o qual cumpre todas as formalidades exigidas pela lei estrangeira, pelo que, tal testamento é válido e produz efeitos em Portugal. Por força do referido testamento, o opoente adquiriu, por sucessão, todos os bens do inventariado, pois o mesmo não deixou quaisquer herdeiros legitimários e, consequentemente, todas as pessoas identificadas como herdeiros não têm qualquer direito à herança.

Conclui pedindo que a oposição seja julgada procedente e, em consequência, que o inventário seja julgado extinto.

À oposição deduzida por C A veio responder o cabeça de casal A, defendendo que nos últimos anos de vida, o inventariado foi acompanhado pelas irmãs M F e M C. Nos dias a seguir ao óbito, C A pediu àquelas irmãs os documentos do inventariado para tratar de assuntos relativos com o funeral, os quais depois se recusou a devolver. O inventariado, no pleno exercício das suas faculdades mentais, há vários anos que afirmava, perante a família e terceiros, que quando falecesse os seus bens seriam para ser divididos entre todos os seus irmãos, de forma igual. Em Março de 2010, C A exibiu um “putativo” testamento que não é exactamente igual ao existente nos autos, pois há divergências nas assinaturas, rubricas, nas datas dos carimbos apostos e na certificação da assinatura do tradutor feita pelo Consulado de Portugal em Sidney. Acresce que tal documento não está autenticado/certificado pelo oficial público/notário que elaborou o documento. Ou seja, não se pode concluir pela legitimidade formal e substancial do documento junto, pois nada nos permite concluir que foram cumpridas as formalidades formais e substanciais da lei Australiana. Sem prescindir, invoca ainda que a assinatura constante de tal documento não foi feita pelo punho do inventariado, pelo que se invoca a sua falsidade.

Termina pedindo que a oposição seja julgada improcedente e que os autos prossigam até final.

C A veio responder (a fls. 157 e ss.) à alegada falsidade do testamento, defendendo que as divergências entre o documento junto com a oposição e o junto com a resposta, são relativas às certidões de tal documento (há mais do que uma), e não relativamente ao original de tal documento. Acresce que tal documento está devidamente autenticado e certificado e foi aceite pelas autoridades públicas nacionais. Acresce ainda que o documento está acompanhado da Apostilha da Convenção de Haia de 05.10.1961, que certifica a autenticidade de um documento público, reconhecendo a assinatura do signatário, a qualidade em que o emitiu e a autenticidade do selo ou carimbo que constam do acto. Assim, o testamento é válido. Por fim, refere ainda que o cabeça de casal está a litigar com má-fé, pois sabe bem que o inventariado outorgou o dito testamento, o que fez de livre e espontânea vontade.

Termina pedindo que o cabeça de casal seja condenado como litigante de má-fé, em multa e indemnização de valor não inferior a €.5000,00.

Após instrução, o Tribunal proferiu decisão a julgar improcedente a oposição ao inventário determinando-se o prosseguimento dos autos, tendo sido julgado igualmente improcedente o pedido de condenação do cabeça de casal como litigante de má fé.

O processo prosseguiu com a elaboração do Mapa de Partilha e prolacção da sentença homologatória.

Inconformado com essas decisões o interessado C C apresentou recurso de Apelação, o qual a final veio a ser julgado improcedente.

De novo inconformado interpôs recurso de Revista excepcional, recebido pela Formação, apresentando as seguintes conclusões: - O acórdão recorrido está em contradição com outro transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.

- Por outro lado, as questões que se pretendem ver discutidas no presente recurso são juridicamente relevantes e a apreciação das mesmas afígura-se necessária para uma melhor aplicação do direito.

- Deve assim considerar-se que o presente recurso é admissível, como revista excepcional, por se verificarem as circunstâncias previstas no artigo 672°, n.° 1, alíneas a) e c) do Código de Processo Civil.

- Como dispõe o artigo 31º, nº2 do Código Civil, são reconhecidos em Portugal os negócios jurídicos celebrados no país da residência habitual do declarante, em conformidade com a lei desse país, desde que essa se considere competente.

- Estamos perante um negócio jurídico - testamento - celebrado na Austrália, país onde o Inventariado, à data da sua celebração, tinha a sua residência habitual.

- E justo que uma declaração de vontade produzida por um cidadão português no país da sua residência e em conformidade com as normas desse mesmo país possa ser reconhecida em Portugal.

- Os artigos 65º, nº1 e 2223º do Código Civil constituem um afloramento do princípio do reconhecimento internacional das situações jurídicas criadas no estrangeiro, consagrado no artigo 31º, nº2 do mesmo diploma.

- A lei, observadas determinadas circunstâncias, abstém-se de exigir aos testamentos celebrados por portugueses no estrangeiro os requisitos de forma estipulados no Código Civil Português.

- O legislador, entre os requisitos formais do testamento e a declaração de vontade do testador, deu prevalência a esta última.

- O testamento objecto dos autos foi feito em conformidade com a...

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