Acórdão nº 134/17.2JAAVR.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelISABEL SÃO MARCOS
Data da Resolução23 de Maio de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

*** I. Relatório 1.

No Tribunal Judicial da Comarca De ..., Juízo Central Criminal de ..., Juiz 3, e no âmbito do processo comum colectivo n.º 134/17.2JAAVR, o arguido AA foi julgado e a final condenado, por acórdão de 27.09.2018, no que releva para o caso aqui em apreciação, em autoria material e concurso efectivo: A – Pela prática de um crime de abuso sexual de crianças agravado, previsto e punido pelos artigos 171.º, números 1 e 2, e 177.º, número 1, alínea b), do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão [factos 4) a 10)]; B - Pela prática de um crime de abuso sexual de crianças agravado, previsto e punido pelos artigos 171.º, números 1 e 2, e 177.º, número 1, alínea b), do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 9 (nove) meses de prisão [factos 11) a 16]; C - Pela prática de um crime de abuso sexual de crianças agravado, previsto e punido pelos artigos 171.º, números 1 e 2, e 177.º, número 1, alínea b), do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão [factos 17) a 18-B)], e D - Pela prática de um crime de abuso sexual de crianças agravado, previsto e punido pelos artigos 171.º, números 1 e 2, e 177.º, número 1, alínea b), do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão [factos 21) a 23-A)].

Em cúmulo jurídico foi o arguido AA condenado na pena conjunta de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Nos termos do disposto no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal e 16.º, número 2 do Estatuto da Vítima, aprovado pela Lei n.º130/2015, de 04.09, o arguido AA foi ainda condenado a pagar à vítima BB (representada pelos seus pais até à maioridade), a título de reparação pelos danos não patrimoniais sofridos, a quantia de 10.000,00€ (dez mil euros).

  1. Inconformado com esta decisão, o arguido e responsável civil interpôs recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça, que foi admitido por despacho de 08.11.2018.

    São as seguintes as conclusões que o arguido e demandado extraiu da motivação apresentada[1]: “1 – O recurso limita-se ao reexame da matéria de direito do Acórdão, à medida da pena e ao pedido de indemnização civil.

    2 – O arguido, AA, foi condenado, pela prática, em autoria material e em concurso real, dos seguintes crimes: - um crime de abuso sexual de crianças agravado, p. e p. pelos artigos 171.º, n.ºs 1 e 2, e 177.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, na pena de 5 anos de prisão [factos 4) a 10)]; - um crime de abuso sexual de crianças agravado, p. e p. pelos artigos 171.º, n.ºs 1 e 2, e 177.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, na pena de 4 anos e 9 meses de prisão [(factos 11) a 16)]; - um crime de abuso sexual de crianças agravado, p. e p. pelos artigos 171.º, n.ºs 1 e 2, e 177.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão [(factos 17) a 18-B)]; e - um crime de abuso sexual de crianças agravado, p. e p. pelos artigos 171.º, n.ºs 1 e 2, e 177.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão [(factos 21) a 23-A)].

    Em cúmulo jurídico, o arguido foi condenado na pena única de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão. ERRO DE DIREITO/ERRO DE ENQUADRAMENTO JURÍDICO 3 – Nos presentes autos, verifica-se um erro de direito ou erro de enquadramento jurídico, dado que a matéria de facto apurada não é idónea a ensejar parte da qualificação jurídica operada.

    4 – Dá-se aqui por reproduzida a facticidade que o tribunal a quo deu como assente e que se mostra descrita na motivação.

    4 (quatro) crimes de abuso sexual de crianças, previstos e puníveis pelo artigo 171.º, n.ºs 1 e 2, e 177.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal.

    5 – Acolhe-se, na totalidade, por se mostrar acertada, a exposição jurídica, feita no Acórdão, relativamente ao bem jurídico tutelado pelo ilícito, ao significado que deve ser atribuído à expressão ato sexual de relevo e à agravante emergente da alínea b) do n.º 1 do artigo 177.º 6 – Todavia, dissente-se do Acórdão na parcela em que considera existirem, em concurso efectivo, quatro crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171.º, n.ºs 1 e 2, e 177.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal.

    7 – Nesse perímetro, o Tribunal a quo desenvolveu as excogitações que se mostram relatadas na motivação.

    8 – A propósito da questão em tela nos presentes autos, a jurisprudência tem pugnado, em situações similares, pela verificação do crime de abuso sexual de crianças, na conformação de crime de trato sucessivo.

    9 – Pelo seu acerto e clareza, transcreveram-se na motivação as considerações tecidas no contorno de alguns Acórdãos dos Tribunais Superiores, com as quais o arguido concorda inteiramente.

    10 – Diante dos pertinentes escólios e ponderando a matéria de facto apurada, divisa-se uma translúcida unidade resolutiva criminosa por banda do arguido, ou seja, um destacado dolo inicial, que permite acolher todos os factos naturalísticos que sobrevieram, a partir do primeiro, de forma sucessiva, homogénea e com inteira proximidade temporal – pela sobredita razão, pode afirmar-se, terminantemente, que o argumentário do Tribunal a quo não tem solidez e se mostra, por isso, friável.

    Senão veja-se 11 – Os actos praticados pelo arguido dirigiram-se, sempre, ao mesmo bem jurídico e à mesma vítima, de tal modo que todos preenchem o tipo legal de crime de abuso sexual de crianças agravado.

    12 – Verifica-se, também, uma conduta absolutamente homogénea e iterativa do arguido, bem como uma saliente conexão espacial e temporal entre os diversos actos. Nesta esfera, cabe sinalizar o seguinte: 3 episódios ocorreram na residência do arguido e o quarto sobrechegou na zona de ..., junto a uma igreja; e os 4 actos concretizaram-se entre as proximidades do Natal de 2016 e meados de Fevereiro de 2017.

    13 – A predita homogeneidade conforma-se prevalecente, na medida em que indicia uma clara unidade de motivação subjectiva do agente e uma incontroversa execução continuada do ilícito.

    14 – As quatro condutas individualizadas por banda do arguido interseriram-se no contorno de uma determinação inicial, no seguimento da qual o arguido passou a procurar a menor para com ela manter relações sexuais.

    15 – As violações plúrimas ao tipo legal de crime inscrevem-se na prática, em trato sucessivo, de 1 (um) crime de abuso sexual de crianças agravado, previsto e punível pelo artigo 171.º, n.ºs 1 e 2, e 177.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal.

    16 – Ao não operar tal subsunção e ao fazer uma interpretação diversa da indigitada, conferindo autonomia e punição destacada aos quatro actos, o Tribunal a quo violou o estabelecido nos artigos 30.º e 171.º, n.ºs 1 e 2, e 177.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal.

    17 – Em vista dos factos firmados pelo Tribunal, o arguido apenas podia ter sido condenado, pela prática, em autoria material, de 1 (um) crime de abuso sexual de crianças, em trato sucessivo, previsto e punível pelo artigo 171.º, n.ºs 1 e 2, e 177.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal – existe, por conseguinte, um erro de direito ou de enquadramento jurídico.

    MEDIDA DA PENA 18 – Neste recorte, deve atender-se à culpa do agente e às exigências de prevenção de futuros crimes, não podendo a medida da pena ultrapassar a medida da culpa (cf. os artigo 40.º, n.º 2, e 71.º, ambos do Código Penal). De outro lado, a aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e o tribunal deve atender, na determinação concreta da pena, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele.

    19 – No âmbito das exigências de prevenção, incluem-se aqui as vertentes da prevenção geral, negativa e positiva, e da prevenção especial.

    20 – A fixação da pena há de assim cumprir uma função repressiva, aferida pela intensidade ou grau de culpabilidade, e satisfazer finalidades preventivas, de protecção do bem jurídico e de integração do agente na sociedade.

    21 – Na determinação concreta da pena, o tribunal deve atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele.

    22 – Neste particular, o Tribunal a quo atendeu ao seguinte: “- ao grau médio da ilicitude dos factos […], tendo em conta a idade da vítima à data (12 anos), não muito distante do máximo tutelado pela norma incriminadora (“menor de 14 anos”), evidenciando ela estar já desperta para a relação com o sexo oposto (os registos das redes sociais são disso exemplo), havendo, no entanto, que distinguir as situações em função das circunstâncias em que ocorrerem e da multiplicidade ou unicidade dos actos praticados em cada ocasião, com repercussões negativas na vida da menor BB, ainda que não haja indicações de consequências particularmente graves (a mesma veio a ser institucionalizada depois dos actos - facto 64).

    - à elevada intensidade do dolo, na modalidade de directo, com que o arguido AA actuou, querendo levar a cabo tais condutas, o que conseguiu.

    - ao percurso de vida e condições pessoais do mesmo, com uma infância e juventude em meio familiar relativamente estável e equilibrado, com ingresso e percurso regular no mercado de trabalho, cuja actividade laboral foi mantendo, incluindo na altura dos factos, além de estar integrado familiarmente e não haver indicadores de rejeição no meio habitacional (factos melhor descritos em B)).

    - à sua conduta anterior e posterior aos factos é positiva, pois que, além da referida integração familiar e social, as duas condenações criminais remontam a 1999 e 2000, por ilícitos de reduzida gravidade (condução sem carta, que depois obteve), o que não assume relevância em termos de passado criminal (factos C)).

    Ponderando todos estes elementos e tendo em consideração as elevadas necessidades de prevenção, designadamente de ordem geral, que neste tipo de ilícitos se fazem sentir, atenta a sua elevada frequência e o forte alarme social que provocam, especialmente quando se trata de vítimas de idades mais reduzidas (embora aqui não seja o caso), sendo que o arguido AA não tira...

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