Acórdão nº 8683/10.7TALRS.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Maio de 2019
Magistrado Responsável | ISABEL SÃO MARCOS |
Data da Resolução | 16 de Maio de 2019 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
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Relatório 1.
No Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, Juízo Central Criminal de ..., Juiz..., e no âmbito do processo comum colectivo n.º 8683/10.7TALR, o arguido AA foi julgado e, no que releva ora para o caso, condenado, por acórdão de 15.12.2017, pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso, de A - Um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217.º, número 1, e 218.º, número 2, alínea a), por referência ao artigo 202.º, alínea b), todos do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão; B - Um crime de falsificação ou contrafacção de documento, previsto e punido pelo artigo 256.º, número 1, alíneas a), e e) do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão; C - Um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217.º, número 1 e 218.º, número 2, alínea a), por referência ao artigo 202.º, alínea b), todos do Código Penal, na pena de 6 (seis) anos de prisão.
Em cúmulo jurídico das referidas penas parcelares de prisão, foi, nos termos do disposto no artigo 77º, números 1, 2 e 3 do Código Penal, o arguido AA condenado na pena única de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão; 2.
Inconformado com esta decisão, o arguido AA interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 20.09.2018, julgando parcialmente procedente o recurso, decidiu: A - Declarar extinto, por prescrição, o procedimento criminal relativo a um (1) crime de falsificação de documentos, previsto e punido pelo artigo 256º, número 1, alíneas a), e e) do Código Penal; B - Revogar a condenação do recorrente pela prática de um (1) crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217º, número 1, e 218º, número 2, alínea a) do Código Penal, desdobrando-o em 7 (sete) crimes de burla, dos quais cinco (5) qualificados e dois (2) simples; C - Declarar extinto, por prescrição, o procedimento criminal relativo a dois (2) daqueles crimes de burla, referidos em B), previstos e punidos pelo artigo 217.º, número 1 do Código Penal (ofendidas “BB, SA”, e “CC, Lda.”); D - Condenar o arguido e recorrente na pena de três (3) anos de prisão, pela prática de cada um daqueles três (3) crimes de burla qualificada, referidos em B), previstos e punidos pelos artigos 217º, número 1, e 218º, número 2, alínea a), do Código Penal (ofendidas “DD”, “EE, FF, SA”, e “GG”); E - Condenar o arguido e recorrente na pena de um (1) ano de prisão, pela prática de cada um dos restantes dois (2) crimes de burla qualificada, referidos em B), previstos e punidos pelos artigos 217º, número 1, e 218º, número 1, ambos do Código Penal (ofendidas “HH, SA”, e “II, SA”); F - Condenar, em cúmulo jurídico, o arguido e recorrente na pena conjunta de sete (7) anos e seis (6) meses de prisão, que englobou as penas referidas em D), e E) e ainda uma pena de três (3) anos de prisão, pela prática de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217.º, número 1, e 218.º, número 2, alínea a), por referência ao artigo 202.º, alínea b), todos do Código Penal (ofendida “JJ, Lda.”; - Confirmar no mais a decisão recorrida.
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Irresignado com o assim decidido, o arguido AA interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo da motivação apresentada extraído as seguintes conclusões[1]: “A - O Tribunal de 1.ª Instância decidiu condenar o arguido AA pela prática de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, alínea a), por referência ao artigo 202.º, alínea b), todos do Código Penal, que lhe foram imputados sob a alínea a) da acusação, na pena de 3 (três) anos de prisão; de um crime de falsificação ou contrafacção de documento, previsto e punido no artigo 256.º, n.º 1, alíneas a) e e) do Código Penal, que lhe foi imputado sob a alínea a) da acusação, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão; de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, alínea a), por referência ao artigo 202.º, alínea b), todos do Código Penal, que lhe foram imputados sob a alínea d) da acusação, na pena de 6 (seis) anos de prisão; Tendo o arguido sido condenado em cúmulo jurídico, na pena única de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão.
B - Já o Tribunal da Relação, decidiu, tendo em conta as circunstâncias dos factos e a personalidade do Recorrente neles reflectida, fixar uma pena única de 7 anos e 6 meses de prisão, correspondendo a 2/5 do intervalo entre os limites mínimo (3 anos) e limite máximo (14 anos) aplicáveis, pela prática dos crimes. Mais decidiu declarar extinto, por prescrição, o procedimento criminal relativo a um (1) crime de falsificação de documentos, previsto e punível no artigo 256.º/1-a), e e) do CPP, e a dois (2) crimes de burla, previstos e puníveis pelo artigo 217.º do CPP. Decidiu revogar a condenação do Recorrente pela prática de 1 (um) crime de burla qualificada, previsto e punível nos termos dos artigos 217.º/1 e 218.º/2-a) do CP, que foi desdobrado em 7 (sete) crimes de burla, aos quais se referem as alíneas a), c) e d) da parte decisória do Aresto recorrido. Decidiu condenar o Recorrente nas penas de três (3) anos de prisão, pela prática de cada um dos três (3) crimes de burla qualificada, previsto e punível pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2 alínea a) do CP. Decidiu condenar o Recorrente nas penas de 1 (um) ano de prisão pela prática de cada um dos 2 (dois) crimes de burla qualificada, previsto e punível pelos artigos 217.º/1 e 218.º/1 do CP. Efectuando o cúmulo jurídico, condenar o Recorrente na pena única de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão.
C - São diversas e gravíssimas, salvo o devido respeito, as nulidades em que incorreu o Tribunal da Relação de Lisboa, que fez tábua rasa de um conjunto de princípios norteadores do Processo Penal, que contendem e afrontam os mais básicos direitos de defesa do Arguido, englobando, sem limitar, a Proibição do Princípio da Reformatio in Pejus.
D- Desde logo, o Tribunal a quo não notificou o Arguido de qualquer decisão sobre o seu requerimento, em que solicitou a prorrogação do prazo de 10 dias que lhe foi conferido para preparar a sua defesa em função de preconizada e eventual alteração não substancial, atenta a complexidade dos autos.
E - Em segundo lugar, o Tribunal a quo extravasa os limites do recurso, que constam do requerimento de recurso do Arguido, apreciando matérias que estavam subtraídas ao seu conhecimento, porquanto apenas o Arguido recorreu e delimitou, como não poderia deixar de ser, o seu recurso aos factos respeitantes aos crimes sobre os quais foi condenado em primeira instância, e o tribunal veio a repristinar factos que não haviam sido utilizados na fundamentação da decisão da primeira instância; F - Em terceiro lugar, e em estreita ligação com o supra referido, o Douto Acórdão recorrido viola frontalmente o Princípio da Reformatio in Pejus, quer quando altera a tipificação dos factos em desfavor do arguido, único recorrente (que passa de uma moldura máxima de 8 anos correspondente a um crime de burla qualificada, para uma moldura máxima de 50 anos, correspondente aos 7 crimes de burla qualificada), quer quando não lhe proporciona o exercício do seu direito de defesa perante a (ilegal) nova tipificação (não o notificou de decisão sobre o seu requerimento de prorrogação), quer ainda quando perante a decidida alteração não substancial decide aplicar as novas penas parcelares, sem mandar baixar o processo à primeira instância, violando, grosseiramente, os critérios de determinação das penas.
G – Acontece, pois, que apesar de o escritório do seu mandatário ter sido contactado por via telefónica, por funcionário do Tribunal da Relação, referindo que o requerimento havia sido deferido, não existiu qualquer notificação de tal deferimento – ou indeferimento que faria continuar o decurso do prazo não decorrido no momento do requerimento - e não foi o Arguido notificado da decisão sobre tal requerimento, sendo que o prazo (prorrogado) de resposta ao despacho em que se preconiza a alteração da qualificação jurídica dos factos terminaria no dia 25.09.2018 (prazo acrescido da dilação de 3 dias com multa), data posterior à da emissão do Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, agora recorrido.
H – Alteração esta que não pode ser tomada como despiciente, quando representa o acréscimo de mais 6 crimes de burla qualificada e a passagem de uma moldura abstracta máxima de 8 para 50 anos, e que não é, no entendimento do Arguido, possível, pois é claramente desfavorável ao Arguido (único) recorrente, não podendo o Tribunal, oficiosamente determinar uma alteração que prejudica clara e gravemente o arguido, na medida da pena – porquanto, no momento em que foi notificado não existe qualquer decisão sobre a pena, antes se traduzindo em moldura penal muito mais alta, pelo que, e desde logo, ao não notificar o arguido sobre a decisão que recaiu sobre o seu requerimento de prorrogação de prazo, impediu o mesmo de se pronunciar sobre a preconizada alteração não substancial e, consequentemente, de preparar a sua defesa, juntando, até outras...
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