Acórdão nº 27/16.0YGLSB. de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelGABRIEL CATARINO
Data da Resolução29 de Maio de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. – RELATÓRIO.

    I.A. – RECENSÃO DIACRÓNICA DO PROCEDIMENTO.

    1. – Em 11 de Outubro de 2016, AA e BB, Juízes ..., apresentaram queixa criminal, contra CC, Juiz ..., e DD, advogada, pelos factos constantes de fls. 2 a 28; ii) – Findo o inquérito e a 29 de Junho de 2017, os autores ada queixa, apresentaram requerimento em que imputavam aos denunciados um amplexo de factualidade a que subsumiram os supostos típicos contidos nos artigos 180º, nº 1 e 183º, nº 1, al. b) ambos do Código Penal (cfr. fls. 95 a 122 – original a fls. 174 a 201); iii) – No(s) requerimento(s) mencionado(s) no item antecedente foi, pela facticidade dele constante, deduzido pedido de indemnização civil com base em responsabilidade extracontratual por factos ilícitos; iv) – A 6 de Outubro de 2017, o denunciado CC, requereu a abertura de instrução (fls. 215 a 217); iv) – Proferido o despacho de fls. 234 e 235, foram os autos devolvidos ao Ministério Público e sanados/supridas as irregularidades elencadas; v) – Em 8 de Março de 2018 (fls. 253) foi apresentado requerimento em que os participantes deduziram acusação particular e pedido cível contra CC e DD (fls. 256 a 283); vi) – Em 18 de Abril de 2018, CC, e a 23 de Abril de 2018, DD, requereram a abertura de instrução (fls. 306 a 310 e 316 a 319, respectivamente); vii) – Declarada aberta a instrução e realizadas as diligências de prova que haviam sido requeridas, foi efectuado debate instrutório e após a decisão instrutória que a seguir se deixa transcrita (sic): “De facto, não existe nulidade por falta de interrogatório do arguido durante o inquérito uma vez que essa nulidade, que, embora referida no RAI, não foi arguida, apenas existiria se o Ministério Público tivesse considerado que existia uma suspeita fundada da prática de um crime, caso em que o interrogatório seria obrigatório, juízo que não se coaduna com o formulado pelo Sr. Procurador-Geral Adjunto que dirigiu o inquérito, que não deduziu acusação por qualquer crime público ou semipúblico e não acompanhou a acusação particular deduzida pelos assistentes - artigos 272.º, n.º 1, e 120.º, n.º 1, alínea d), e n.º 3, do Código de Processo Penal.

      Também não existe nulidade da acusação na parte em que ela se refere à arguida uma vez que nesta peça processual se narram suficientemente factos, objectivos e subjectivos, que a podem fazer incorrer em responsabilidade criminal, preenchendo esse articulado os requisitos exigidos pelos artigos 285.º, n.º 3, e 283.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.

      Depois de notificados da acusação particular contra eles deduzida, que não foi acompanhada pelo Ministério Público, os arguidos vieram requerer instrução nos termos que constam de fls. 306 e ss. e 316 e ss., tendo, no decurso desta, sido interrogado o arguido e tomadas declarações à assistente, findo o que se procedeu a debate instrutório em que o Ministério Público e o mandatário dos assistentes sustentaram que os arguidos deviam ser pronunciados pelos factos que lhes tinham sido imputados, sustentando o defensor dos arguidos a sua não pronúncia.

      Importa, pois, decidir quanto à pronúncia ou não pronúncia dos arguidos.

      Os assistentes AA e BB deduziram acusação particular contra os arguidos CC e DD imputando-lhes, no ponto I.1., a prática, em co-autoria, de dois crimes de difamação agravada, condutas p. e p. pelos artigos 180.º, n.º 1, e 183.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal.

      Tal imputação baseou-se no facto de os arguidos terem subscrito uma queixa-crime que apresentaram no dia 4 de Abril de 2016 nos serviços do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa em que fizeram constar, na p. 10, uma nota de rodapé na qual diziam, a propósito do uso de vocábulo "gajo", utilizado numa carta anónima que deu entrada no Conselho Superior da Magistratura no dia 13 de Agosto de 2013, de que o arguido disse apenas ter tido conhecimento em Dezembro de 2015, que "[o] uso do vocábulo sugere confusão com os ex-maridos ou ex-companheiros da ora Denunciada (ou não foi ela quem entrou eufórica no Tribunal de Guimarães, dizendo «estou grávida, estou grávida». Mas não vão dar os parabéns ao Dr. BB - se companheiro então - porque ele não é o pai!!!...)".

      A fls. 29 e ss. destes autos consta uma cópia dessa queixa, ninguém pondo em causa que a mesma foi subscrita, como se pode ver de fls. 45, pelo 1.º arguido, enquanto participante, e pela 2.ª arguida, enquanto sua advogada.

      O teor dessa nota tem um sentido inequivocamente difamatório, assim como é inequívoco o carácter gratuito da sua inserção nesse documento, a qual só se pode justificar como uma pretensão de ofender a honra e consideração devidas aos visados, em primeiro lugar à assistente AA, mas também ao assistente BB.

      Muito embora se admita e aceite que o texto dessa queixa se baseou num prévio escrito da autoria do arguido, uma vez que apenas ele tinha conhecimento do que aí era narrado, a sua mandatária, que também subscreveu o documento, não pode deixar de ser responsabilizada pelo seu conteúdo, de que ela não podia deixar de ter também conhecimento.

      Pelo sucintamente enunciado, não pode este tribunal deixar de pronunciar os arguidos CC e DD pela prática de dois crimes de difamação, de que foram vítimas os assistentes, condutas p. e p. pelo artigo 180.º, n.º 1, do Código Penal.

      Esses crimes não são agravados nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 183.º do Código Penal porque nenhuma prova existe de que os arguidos estivessem cientes da falsidade do que consta dessa nota de rodapé.

      Na mesma peça processual, no ponto designado como II.2, a assistente AA deduziu acusação particular contra os arguidos CC e DD imputando-lhes a prática de um outro crime de difamação agravada, conduta p. e p. pelos artigos 180.º, n.º 1, e 183.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal.

      Uma tal imputação baseou-se na circunstância de aquela mesma queixa criminal atribuir a autoria da mencionada carta anónima de 2013 à assistente, de lhe imputar dois comportamentos indecorosos no dia em que decorreu uma acareação entre a assistente e o arguido no âmbito de um processo disciplinar, de afirmar que ela só alteraria o seu comportamento quando viesse a ser "confrontada com as Instâncias formais de controlo e reacção que se posicionam a jusante dos Tribunais, para efeitos de reeducação para o Direito" e de insinuar que, no tribunal em que a assistente se encontrava colocada, se utilizariam "como métodos de obtenção da prova, o furto e a violação de correspondência alheia".

      O exercício do direito de queixa quanto a factos que eventualmente possam constituir crime não pode ser considerado ilícito por ofender o direito à honra e consideração devidas aos denunciados - artigo 31.º, n.º 2, do Código Penal -, que lhe é inerente, só assumindo relevância criminal enquanto comportamento que integra a denúncia caluniosa, conduta p. e p. pelo artigo 365.º do Código Penal, incriminação de natureza pública, pela qual o Ministério Público não deduziu acusação, a qual exige, para além do mais, a consciência da falsidade da imputação.

      Os três primeiros indicados trechos da referida queixa não constituem, por isso, o imputado crime de difamação agravada. Consubstanciam a referência a factos que constituem o objecto da própria queixa.

      Já o mesmo não sucede quanto à quarta e última imputação, aquela em que se afirma que, no tribunal em que a assistente se encontrava colocada, se utilizariam "como métodos de obtenção da provo, o furto e a violação de correspondência alheia".

      Nessa parte, o que se diz no indicado documento não integra e é completamente estranho ao exercício do direito de queixa, constituindo uma ofensa gratuita ao direito à honra e consideração devidas à assistente.

      Não se trata aqui da imputação de factos concretos, mas da alusão a uma suspeita em relação à qual não se pode formular um juízo de verdade ou falsidade, sobre o que, de resto, não há qualquer prova.

      Entendemos, portanto, que também o que se diz nas páginas 15 e 16 da indicada queixa constitui um comportamento difamatório, neste caso, apenas da assistente.

      Porém, uma tal afirmação, feita, juntamente com outra, também ela difamatória, numa única peça processual, não consubstancia a prática de segundo crime, diferente do da difamação que se consubstanciou na inserção da nota de rodapé na página 10.

      Por isso, a decisão instrutória deve pronunciar os arguidos pela prática de dois crimes de difamação p.

      e p. pelo artigo 180.º, n.º 1, do Código Penal, sendo que aquele de que foi vítima a assistente é integrado pelas afirmações feitas em duas diferentes passagens da queixa apresentada pelos arguidos nos serviços do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa, não os pronunciando pela prática dos restantes comportamentos narrados na acusação particular deduzida pelos assistentes.

      Assim, e pelo exposto, pronuncio os arguidos: CC, identificado a fls. 213, e DD, identificada a fls. 247, pela prática dos seguintes factos: 1. No passado dia 4 de Abril de 2016, foi apresentada nos serviços do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa uma queixa criminal subscrita pelo 1.2 arguido, enquanto participante, e pela 2.ª arguida, enquanto sua advogada.

      1. Nessa queixa criminal, os subscritores imputavam à Assistente AA a co-autoria de uma carta anónima dirigida ao Conselho Superior da Magistratura em 13 de Agosto de 2013.

      2. Essa queixa criminal foi apresentada contra incertos, nela se dizendo, no entanto, que existiam fortes suspeitas de aquela carta anónima ser da autoria conjunta de AA e de EE.

      3. E, a dado passo dessa queixa - mais concretamente, na nota de rodapé da página 10 -, os subscritores, reportando-se ao uso da expressão "aquele gajo", contida na aludida carta anónima, escreveram o seguinte: "O uso do vocábulo sugere confusão com os ex-maridos ou ex-companheiros da ora Denunciada (ou não foi ela quem entrou eufórica no Tribunal de Guimarães, dizendo «estou grávida, estou grávida». Mas não vão dar os parabéns ao Dr. BB - se companheiro então -...

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