Acórdão nº 790/10.2JAPRT.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelMAIA COSTA
Data da Resolução16 de Maio de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório AA, com os sinais dos autos, foi condenado no Juízo Central Criminal do Porto, por acórdão de 8.11.2018, em audiência realizada nos termos do art. 471º do Código de Processo Penal (CPP), na pena única de 10 anos de prisão, a qual engloba as penas parcelares aplicadas nos seguintes processos: - Proc. nº 223/03.0PASNT, do Juízo Local Criminal de Sintra; - Proc. nº 328/09.4GABRR, da extinta 7ª Vara Criminal de Lisboa; - Proc. nº 1370/09.0PLSNT, da 1ª Secção da Instância Central Criminal de Sintra, da Comarca de Lisboa Oeste; - Proc. nº 790/10.2JAPRT, do Juízo Central Criminal do Porto (presentes autos).

Deste acórdão recorreu o arguido para o Supremo Tribunal de Justiça, alegando: 1 – O presente recurso tem por objeto a medida da pena aplicada ao arguido neste cúmulo.

2 – O arguido encontra-se condenado nos seguintes processos todos eles com condenações já transitadas em julgado:  Processo 790/10.2JAPRT (os presentes autos)  Processo nº 223/03.0PASNT  Processo nº 328/09.4GABRR  Processo nº 1370/09.0PLSNT 3 – A pena de 10 anos que foi aplicada ao arguido neste cúmulo, salvo o devido respeito, é exagerada, desequilibrada e desajustada.

4 – Consideramos a pena exagerada porque, aquando da avaliação global da culpa e da ilicitude do arguido, necessárias para a realização do cúmulo, perfilhando-se aquela que é a jurisprudência fixada pelo Douto Supremo Tribunal de Justiça, não se pode omitir a circunstância de todos os crimes de falsificação terem assumido no caso vertente uma natureza instrumental em relação aos crimes de burla, sem os quais aqueles não teriam existido, como aliás se encontra claramente fundamentado em cada acórdão condenatório, aplicado neste cúmulo.

5 – Assim sendo, estamos perante casos de relacionamento entre ilícitos puramente instrumentais e os crimes-fim correspondentes, ou seja, a questão em apreço consubstancia um daqueles casos em que o ilícito singular surge perante o ilícito principal unicamente como meio de o realizar, esgotando o seu sentido e os seus efeitos nessa realização.

6 – Tal instrumentalidade, terá de ser alegada ao concurso real de crimes apontando nas decisões apreciadas imprime sempre uma menos densidade no que toca a perspectiva global da ilicitude relativa aos crimes de falsificação cometidos pelo arguido (neste sentido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2011, processo 649/09.1JDLSB).

7 – Essa menor densidade quanto à perspetiva global da ilicitude dos crimes de falsificação obviamente que também se reflete na perspetiva global da medida da culpa do arguido na prática dos mesmos, o que desde logo se reflete também na medida da pena a aplicar, ou seja, o grau de ilicitude determina a culpa e esta por sua vez fundamenta a pena, conforme os artigo 40.º número 2 e 71.º número 2 alínea a) do Código Penal.

8 – Assim sendo consideramos que a pena em que o arguido acabou condenado neste cúmulo é exagerada porque excedeu em muito a medida da culpa, já que esta não reflecte o verdadeiro grau de ilicitude inerente ao carácter puramente instrumental dos crimes de falsificação cometidos pelo arguido, pelo que, neste sentido, consideramos que o Tribunal recorrido violou o disposto nos artigos 40.º número 2 e 71.º número 2 do Código Penal, o que desde já aqui referimos para os termos e efeitos do disposto no artigo 412.º número 2 alíneas a) e b) do Código Processo Penal.

9 – Consideramos a pena desequilibrada porque já no relatório constante do Decreto-lei 48/95 de 15 de Abril, se referia que entre os vários propósitos que justificaram essa revisão da Lei penal, se destacava a necessidade de corrigir o desequilíbrio entre as penas contra os crimes contra o património e aquelas previstas para os crimes contra as pessoas, propondo-se ai uma substancial agravação das segundas em detrimento das primeiras, assumindo-se ainda a importância de se reorganizar o sistema global de penas para a pequena e media criminalidade devendo a pena de prisão ser reservada para situações de maior gravidade e que mais alarme social provocar.

10 – Atualmente o legislador estabeleceu na pena de 5 anos de prisão o limiar de soluções de descaracterização, com base num novo critério que distingue criminalidade violente, punível com pena de prisão inferior a 5 anos, criminalidade violenta punível com pena de prisão inferior a 8 anos e criminalidade altamente violenta punível com pena de prisão igual ou superior a 8 anos (artigo 1.º do Código Processo Penal).

11 – Já na esteira desta doutrina, também defendida pelo Exmo. Conselheiro Carmona da Mota no colóquio realizado no Supremo Tribunal de Justiça em 03/06/2009, vem ainda o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 27/06/2012 no âmbito do processo 1/03.7PILSB.L1 (páginas 101 a 105) defender que o tratamento no quadro da pena conjunta da pequena criminalidade deve divergir do tratamento devido à média criminalidade e o desta ao imposto pela criminalidade muito grave, de tal modo que o tratamento em concurso de crimes de menor gravidade ainda que mais numerosos.

12 – Referindo-se aí como exemplos entre outros que o somatório de penas até quatro anos de prisão, ainda que ultrapasse em muito (como é o presente caso) não deveria exceder juridicamente a pena conjunta de cinco anos de prisão.

13 – Concluído esse douto Tribunal que a pena conjunta só deveria atingir o seu limite máximo nos casos extremos, por exemplo um somatório de 4 penas de 20 anos de prisão.

14 – Basta pensarmos como exemplo, que se um conjunto de terroristas oriundos do norte de Africa viesse a Portugal cometer um atentado terrorista, causando um número bastante elevados de mortes e destruição de bens, estes seriam provavelmente punidos com uma pena de prisão de máxima de 25 anos, e com a pena acessória de expulsão, visto não serem residentes nem cidadãos comunitários.

15 – Assim sendo nos termos do disposto no artigo 188.º-A número 1 alínea b) do Código Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade, essas pessoas seriam obrigatoriamente colocadas em liberdade e sem qualquer tipo de controlo ou restrição (através da expulsão para o seu pais de origem) assim que cumprissem 16 anos e 8 meses dessa pena de 25 anos. Ou seja, 16 – Os imaginários terroristas terão de cumprir um tempo efetivo de prisão pelos seus crimes hediondos, contra as pessoas, que será sempre inferior ao valor da pena única que o arguido acabou condenado, em cúmulo jurídico, pelos crimes de burla e falsificação de documentos, cuja soma aritmética das penas atingiu os 96 anos de prisão, mas, cujo valor da pena mais grave dada a cada um dos crimes nunca ultrapassou os 2 anos de prisão.

17 – Na realidade cremos que a sociedade em geral e, o arguido em particular, teriam grande dificuldade em entender que alguém ainda que condenado pela prática de inúmeros crimes de burla e falsificação de documentos, pudesse acabar condenado numa pena única de prisão afetiva, igual ou superior à de alguém que violou, tirou uma ou mais vidas, ou praticou atos terroristas, isso obviamente, sem se colocar em causa o desvalor de cada uma das condutas.

18 – Na verdade à que ter em conta que se por um lado o arguido está condenado num somatório de penas que perfazem 96 anos de prisão, por outro lado nenhuma das penas contidas nesse somatório ultrapassa jamais 50% da moldura penal máxima abstractamente passível de aplicação a cada um dos crimes em que o arguido foi condenado, sendo que as penas mais graves desse somatório tão pouco excedem os 2 anos de prisão, o que faz com que a pena única aplicável tenha como limite máximo 25 anos de prisão, mas como limite mínimo os 2 anos de prisão, conforme artigo 77.º número 2 do Código Penal.

19 – Uma vez que a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, enuncia vinculativamente para os Estados Membros no seu artigo 49.º número 3, que as penas não devem ser desproporcionais em relação à infração.

20 – Assim se tivermos em conta que depois de ponderada a culpa, o grau de ilicitude, a intensidade do dolo, as exigências de prevenção, os factos, a conduta do arguido e a sua personalidade, em relação a cada um dos crimes, a decisão dos julgadores foi sempre de se punir o arguido com uma pena que nunca ultrapassou os 50% do valor da moldura penal máxima abstratamente possível de atribuir aos mesmos, não entendemos porque é que quando se apreciou a globalidade dos factos e a personalidade do arguido se optou por condenar o mesmo numa pena superior a 2/3 do seu limite máximo abstrato.

21– Ou seja, se os critérios do artigo 71.º números 1 e 2 do Código Penal, que presidiram à medida de cada pena do somatório, são os mesmos que presidem à medida da pena única, visto os factos em apreço, a sua forma de comissão, a intensidade do dolo, e o grau de ilicitude, seriam os mesmos (ainda que agora sejam apreciadas no seu conjunto), pois são contemporâneos da prática dos factos, e como tal, não são passiveis de ser modificados, só poderá existir diferenças quanto à atual personalidade do arguido.

22 – Mas, somos a querer que as tais diferenças até deveriam ser positivas em virtude do longo tempo passado pelo mesmo em reclusão, que fazem que este possa interiorizar melhor os seus crimes, bem como o desvalor das suas condutas o que revela como fator de atenuação das necessidades de prevenção.

23 – Sendo certo que as circunstâncias contemporâneas dos factos revelados por via da culpa enquanto as circunstâncias prévias ou posteriores ao facto revelam por via da prevenção.

24 – Pelo que continuamos sem entender, qual o critério que permite que o somatório de penas que individualmente nunca atingiram os 50% do limite máximo abstracto previsível, para cada um dos crimes a que foram aplicadas, quando cumuladas deverão redundar numa pena única de valor igual ou superior a 2/3 da moldura pena máxima abstratamente possível de aplicar a esse concurso de crimes.

25 – Ou seja, entendemos que o valor da pena única de um concurso de crimes não...

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