Acórdão nº 1711/16.4S6LSB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Maio de 2019
Magistrado Responsável | GABRIEL CATARINO |
Data da Resolução | 09 de Maio de 2019 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
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– RELATÓRIO.
I.a). – ELEMENTOS PROCESSUAIS RELEVANTES PARA A DECISÃO.
(i) – Findo o inquérito, a indagada, AA, foi acusada, por indiciação, da prática, em autoria material, e em concurso efectivo, de (i) um crime de homicídio qualificado previsto e punido pelos artigos 14, nº 1, 26º, 30º, 131º, 132º, nºs 1 e 2, alíneas b), d), e), h) e j); e (ii) um crime de incêndio previsto e punido pelo artigo 272º, nº 1, alínea a) e 213º, nº 1, todos do Código Penal (cfr. fls. 787 a 798, a que se encontra agregada a petição formulada pelo Ministério Público, em representação do Estado Português (fls. 798 a 805)); (ii) – Após realização de instrução, requerida pela arguida, o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo de Instrução Criminal – Juiz 3, decidiu emitir pronúncia contra a arguida pela prática, em autoria material, de um crime de homicídio qualificado previsto e punido pelo artigo 132, nº 2, alíneas b), h) e j) e um crime de incêndio previsto e punido pelo artigo 272º, nº 1, em concurso aparente com um crime de dano previsto e punido pelo artigo 213º, nº 1, alínea a), do Código Penal – cfr. fls. 1290 a 1309; (iii) Submetido o feito a julgamento, foi ditado veredicto (cfr. fls. 1657 a 1718) em que, pela prática de factos consubstanciadores da autoria material de: (i) um (1) crime de homicídio qualificado, p. e p. pelo art.º 132º, n.ºs 1 e 2, als. b) e j) foi condenada na pena de 16 (dezasseis) anos de prisão; e (ii) na de um (1) crime de incêndio, p. e p. pelo art.º 272º, n.º 1 do C.P. foi condenada na pena de quatro (4) anos e seis meses de prisão.
Em cúmulo jurídico de penas foi-lhe imposta a pena única de 17 (dezassete) anos de prisão.
Mais foi decidido: - Julgar totalmente procedente, por provado, o pedido de indemnização civil formulado pelo Estado Português, Ministério da Administração interna Comando Metropolitano da P.S.P. de Lisboa e, em consequência, condenar a demandada AA no pagamento de € 240,00 (duzentos e quarenta Euros), acrescidos de juros à taxa legal desde a notificação até integral pagamento; - Julgar parcialmente procedente, por provado o pedido dos Assistentes BB e CC e em consequência condenar a demandada arguida no pagamento da quantia de € 56.500,00 (cinquenta e seis mil e quinhentos Euros) a titulo de danos não patrimoniais, quantia acrescida de juros á taxa legal desde a data da prolação do acórdão até integral pagamento; - Condenar a demandada arguida no pagamento aos mesmos Assistentes da quantia de € 2.400,00 a título de danos patrimoniais, acrescida de juros vencidos e vincendos desde a notificação da arguida até efectivo e integral pagamento.
- Julgar parcialmente procedente, por provado, o pedido de indemnização civil formulado por DD e ... e condenada a demandada arguida a pagar-lhes a quantia de € 9.333,29 (nove mil trezentos e trinta e três euros e vinte e nove cêntimos), acrescida de juros vencidos e vincendos desde 24 de Dezembro de 2016 até afectivo e integral pagamento; (iv) Interpostos recursos da decisão referida no item antecedente (fls. 1744 a 1761, dos assistentes/demandantes cíveis, BB e CC e fls. 1768 vº a 1790, da arguida AA), veio, após a realização de audiência de julgamento (fls. 1891), a ser proferida decisão (cfr. fls. 1892 a 1994), em que se decretou (sic) “1. Rejeitar, por inadmissível, o recurso interposto pela arguida AA quanto ao pedido cível formulado pelo M.º P.º em representação do Estado Português; 2. Apesar das apontadas inserções factuais referidas no ponto 1.4. supra, negar provimento ao recurso interposto pela arguida AA; 2. Conceder parcial provimento ao recurso interposto pelos assistentes/demandantes BB e CC, alterando os montantes indemnizatórios fixados relativos aos danos não patrimoniais fixando, respectivamente: 2.1. A favor de cada um dos demandantes o montante de €25.000 (vinte e cinco mil euros) por danos não patrimoniais sofridos pelos próprios demandantes; 2.2. A favor de ambos o montante de € 20.000 (vinte mil euros) pelos danos não patrimoniais sofridos pela vítima; 3. Confirmar no demais o acórdão recorrido.”; Irresignada com o julgado, alavanca, a arguida, recurso (fls. 2018 a 2040), para o que dessume o epítome conclusivo que a seguir queda extractado. I.b). – QUADRO CONCLUSIVO.
CONCLUSÕES.
“1º O acórdão recorrido é nulo por ter introduzido modificações na matéria de facto provada sem, obedecendo ao princípio do contraditório, conceder à arguida recorrente a oportunidade de se pronunciar.
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Não se procedeu a nenhuma prévia comunicação, tendo-se conhecido de questões de que não se podia tomar conhecimento.
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A norma constante da alínea c) do n° 1 do artigo 379º do CPP, aplicável por remissão do n° 4 do seu artigo 425º, é inconstitucional se interpretada no sentido de que o tribunal de segunda instância poderia modificar a matéria de facto provada sem facultar à recorrente a possibilidade de se pronunciar sobre a matéria, visto ofender-se o princípio do contraditório subjacente à garantia de um processo equitativo, assegurado pelo nº 4 do artigo 20º e pelos nºs 1 e 5 do artigo 32º da lei fundamental.
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O acórdão recorrido deveria ter reconhecido as insuficiências da sentença proferida em primeira instância, que foi lida sem a presença de todos os membros do tribunal, para além de não proceder à identificação da arguida, dos assistentes e das partes civis, sem nada decidir quanto a custas civis.
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Contrariamente ao que se declara no acórdão recorrido, a sentença proferida em primeira instância enferma realmente de omissão de pronúncia, pois nada decide quanto à invocada proibição de prova que atingiria a avaliação psicológica que sendo considerada como prova lícita, implicaria adesão às respectivas conclusões ou divergência fundamentada, por se tratar de prova pericial.
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O apreendido constitui prova proibida, por não se ter elaborado auto mencionando a impossibilidade de o juntar ao processo e a identidade do responsável pelo mesmo.
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A matéria de facto provada não permite a integração no tipo de homicídio qualificado, sendo subsumível ao homicídio a pedido da vítima ou na ajuda ao suicídio.
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O acórdão recorrido deveria ter admitido que se impunha ordenar oficiosamente a perícia de reconhecimento do ritmo de digitação do teclado, por forma a determinar quem fez as pesquisas na Internet, sempre com submissão à contraditoriedade e ao exame em audiência.
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Da matéria de facto provada nada se conclui quanto à autoria do crime de incêndio.
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O tribunal recorrido deveria ter declarado a nulidade da sentença por falta de fundamentação, já que esta não explica cabalmente a fixação das penas.
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A arguida deveria ter sido absolvida do crime de incêndio e condenada a pena suspensa de um mês de prisão, por homicídio a pedido da vítima ou, caso assim não se entendesse, a doze anos de prisão, resultante do cúmulo das penas parcelares de três e doze anos.
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Os pedidos de indemnização devem improceder, visto que a demandada não cometeu o crime de incêndio e o ofendido concorreu para o trágico resultado.
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A contradição insanável da fundamentação deveria ter sido reconhecida pelo acórdão recorrido, pois deu-se como provado que o imóvel tem uma dona e simultaneamente que há proprietários do mesmo, além de que a demandada é condenada a pagar uma indemnização a Songhai Yu apenas mencionado no dispositivo da sentença.
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Há omissão de pronúncia na decisão recorrida, por nada se decidir quanto às arguidas inconstitucionalidades.
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Quando interpretadas no sentido de que é aplicável a pena de homicídio qualificado nos casos em que o ofendido concorda num projeto de suicídio coletivo, são inconstitucionais as normas contidas no artigo 131º, no nº 1 e nas alíneas b) e j) do nº 2 do artigo 132º do código penal, por ofensa aos nºs 1 e 2 do artigo 27º, ao nº 1 do artigo 29º e ao n° 1 do artigo 30º da lei fundamental.
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Por contrárias ao nº 1 do artigo 32º da constituição, são dela violadoras as normas ínsitas no artigo 127º e nos nºs 1 e 2 do artigo 163º do CPP, se interpretadas no sentido de que o tribunal pode não dar relevo a uma avaliação psicológica sem a declarar como prova proibida.
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Por violação dos nºs 1 e 2 do artigo 27º, do n° 1 do artigo 32º e do n° 1 do artigo 205º da lei fundamental, é inconstitucional a norma constante do n° 3 do artigo 71º do código penal, se interpretada no sentido de que o tribunal cumpre o dever de expressamente referir os fundamentos da medida da pena, quando a sentença omite a alusão a algumas das circunstâncias mencionadas no n° 2 do artigo 71º do código penal.
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Normas jurídicas violadas: - Do Código penal: - artigo 26º; - artigo 43º; - artigo 50º; - artigo 58º; - nºs 1, 2 e 3 do artigo 71º; - artigo 131º; - n° 1 e alíneas b) e j) do n° 2 do artigo 132º; - artigo 134º; - artigo 135º; - n° 1 do artigo 272º; - Do Código de Processo Penal: - n° 2 do artigo 14º; - n° 5 do artigo 97º; - alínea e) do artigo 119º; - n° 1 do artigo 124º; - artigo 125º; - artigo 126º; - artigo 127º; - artigo 151º; - artigo 157º; - artigo 163º; - artigo 327º; - nºs 1 e 4 do artigo 339º; - n° 1 do artigo 340º; - artigo 355º; - artigo 358º; - artigo 359º; - artigo 368º -artigo 369º; - n° 3 do artigo 372º; - alíneas a) e b) do n° 1, n° 2 e n° 4 do artigo 374º; -alíneas b) e c) do n° 1 do artigo 379º n° 4 do artigo 425º; - Da Constituição: - n° 4 do artigo 20º; - nºs 1 e 2 do artigo 27º; - n° 1 do artigo 29º; - n° 1 do artigo 30º; -nºs 1 e 5 do artigo 32º; -nº 1 do artigo 205º.
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Normas jurídicas que devem ser aplicadas: - artigo 43º, artigo 50º, artigo 58º, n° 3 do artigo 71º, artigo 134º e artigo 135º do Código Penal; - nº 5 do artigo 97º, artigo 126°, artigo 163º, n° 3 do artigo 372º, alíneas a) e b) do nº 1, nº 2 e nº 4 do artigo 374º do Código de Processo Penal.
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Termos em que deve ser dado provimento ao recurso e o acórdão recorrido ser declarado nulo ou, caso assim não se entenda, ser a arguida condenada por homicídio a pedido da vítima ou por ajuda ao suicídio e absolvida do crime de incêndio, absolvendo-se ainda a arguida...
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